Alguém tem algo a esconder escrita por Violet


Capítulo 11
Rosenrot


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como prometido, tá aí o capítulo!

Boa leitura :*



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Eu estava sentado no tronco cortado de uma árvore, que servia de banco para repouso depois do almoço, fumando um cigarro atrás daquela casa que expulsava fumaça branca pelo telhado. Simples, simples até demais. Parecia pegar fogo. E pegava. Avistei um menino raquítico, preso pelos pés a uma corrente enferrujada. Seus pés pareciam quebrar espinhos, ao invés deles os machucar, de tão rachados, não parecia que sentia a quentura que emanava da terra vermelha. Aquele pequeno corpo humano estava bem a minha frente, debaixo de um pé de azeitonas pretas. Desmaiado. Desnutrido. Machucado. Eu o olhei investigando seu estado, encontrei marcas roxas, queimaduras e cicatrizes pelo corpo. Parecia um mapa de agressões, que vinha desde a planta dos pés, até o topo da cabeça raspada. Vestia uma cueca verde, velha e furada. Tentei ajudá-lo, mas meus pés não saíram do chão. Eu fazia força contrária, porém o sucesso não me veio. Formulei um grito em meus comandos, mas o sucesso não me veio. Obtive uma desesperada articulação dos meus órgãos da fala, queria acordá-lo num grito, num pedido de socorro. Mas o sucesso não me veio. Não havia som como produto. Não me veio o grito. Eu perdi a fé. Não tinha controle sobre mim. Era apenas observador.

Uma pequena menina, também raquítica, deu com os pés sobre sandálias de couro simples, levantando poeira ao correr. Seu vestido encardido seguia o balanço de seu corpo em movimento, seus cabelos escorridos revelavam-se numa franja que cobria parcialmente seus olhos. Trazia em mãos uma caneca d'água, que derramava seu conteúdo, perdendo-se no chão ao correr em direção ao menino.

A menina lavou o rosto do garoto caído, tirando a terra aderida em sua pele e forçando para que bebesse o restante da água. Ela o olhava silenciosa, parecia uma santa. Eis que os olhos do desmaiado abre-se, cansados, pesados e meio mortos. As duas crianças olham-se sem nada dizer. O clarão do meio dia, em sol a pino, fez o garoto incomodar-se. Suas pupilas estavam tentando se adequar. Ergue-se, encostando suas costas no tronco da árvore, preocupando-se em não fazer barulho com as correntes em seus pés. Suas mãos estavam amarradas por cordas desgastadas e sujas. A menina lhe deu um abraço, daqueles de saudade. De compaixão. Abraço profundamente humano de irmãos.

O coral de cigarras parecia se proliferar. Estimular às outras suas mensagens, seus cantos ensurdecedores que se alastrava num efeito dominó. Um tornado de poeira se formou, fazendo a menina soltar-se do irmão, esfregando os dedos sujos nos olhos. Neste momento, um grito avançou de uma janela da casa, ameaçador:

– Lúcia, menina endiabrada! Sai já daí! - A menina se espantou numa expressão de medo. Fugiu, pondo seus pés a baterem no chão, levantando poeira.

A menina foi alcançada e arrastada pelos cabelos para dentro da casa. O garoto tentou se soltar, fazendo som com as correntes em seus pés. Ele não havia perdido a esperança, me pareceu determinado ao tentar cerrar as cordas de suas mãos com os dentes. Contorcendo-se como um animal furioso, fez as correntes dedurarem sua tentativa de fugir. Uma mulher de pele seca, grandes olhos e cabelos lisos saiu pela porta dos fundos da casa:

– Você não tem jeito, não é menino do demônio? - A mulher se aproximou do garoto raquítico com fios elétricos em mãos. - Você me respeite! - Disse batendo-lhe com o fio em seu corpo pequeno. Eu não podia fazer nada e eles não me viam. Era invisível e imóvel. Inútil. Conforme via a cena, cada chicoteada, um risco vermelho na pele dele se formava. O garoto contorcia-se e minha fúria aumentava. O som no lugar era um misto de cantos das cigarras com os latidos dos cães, que pareciam querer avançar naquela mulher desumanizada, a cada chicoteada que dava no garoto. Desejei soltá-los, mas a força invisível que me prendia foi mais forte. A mulher cambaleou num de seus ataques, o que me fez pensar que estivesse bêbada ou sob efeito de drogas.

Um homem surgiu como mágica, eu não havia percebido ele chegar. Num extinto, acertou a mulher elegantemente com sua bengala, pondo-se a frente do menino, afastou-a, encerrando os ataques. Ele caminhou na direção do garoto e pegando em seu queixo o analisou, detalhe por detalhe. Ao terminar, soltou-o e virando-se para a mulher, que apresentou respeito de imediato ao senhor, disse:

– Não judie da criança, minha senhora. - Ele disse apoiando as duas mãos, cobertas por luvas brancas, sobre sua bengala preta de madeira.

– O que quer? - Ela disse numa voz estridente, desarranjada.

– Quero a menina. - Ele disse se aproximando de Lúcia e retirando sua cartola preta, fez aparecer uma boneca de pano bem na frente dos olhos da menina, que sem entender nada, não pegou de imediato.

– Sim, querida. É pra você! - Estendeu na direção dela. Lúcia jamais recebera tremenda cortesia na vida, aceitou assim que entendeu que de fato era para ela. Deu um sorriso tímido e perguntou se de sua cartola sairia mais coisas. Ele respondeu que o mundo residia ali e que poderia ser todo dela. A menina arregalou os olhos e inocentemente acreditou, abraçando-o.

– Você pode tirar meu irmão do castigo? - Ela disse apontando com o dedo indicador na direção do menino raquítico. O homem misterioso olhou-o e convincentemente lhe disse baixinho:

– O que acha de buscarmos ajuda para resgatá-lo? - Sorriu para Lúcia apertando seu nariz levemente. - O que acha? Vamos? - Ele disse segurando na mão da menina, que já havia aceitado de imediato em sua inocência de criança.

– Aqui está seu dinheiro, minha senhora. - O homem misterioso entregou um saquinho volumoso, com um barbante preso a ele. Lúcia não entendeu, continuou segurando a mão coberta pela luva branca com tanta força, parecia ter medo de ser solta. A mulher sorriu e fez um gesto com as mãos de "sumam daqui". A menina puxou a camisa de terno do misterioso, fitando-o com seus grandes olhos negros, disse-lhe num apelo:

– Posso me despedir do meu irmão até que voltemos? - Sua voz era fina e delicada. O homem fez um sinal positivo com a cabeça.

– Eu venho buscar você! - Lúcia disse abraçando o irmão carinhosamente. O menino absurdamente machucado pareceu não entender e exausto caiu sobre aquele círculo pequeno de terra úmida, que se formara outrora.

Entendi que aquele menino raquítico era uma memória minha. Ver aquele homem caminhar segurando a mão de Lúcia e eu impotente a tudo o que aconteceu, me subiu a fúria. Juntei todas as minhas forças, restabeleci minha fé e numa descarga de energia, lancei meu grito preso, abalando o chão como terremoto. Todos me enxergaram, fitando-me de volta e...

Meu despertador tocou.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima amores! :*



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