Old Friends escrita por Mrs Neko


Capítulo 1
Velhos Amigos (Capítulo Único)




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Em um dos amplos jardins que compunham a praça diante do Palácio do Fuhrer, um rapaz moreno está sentado num gracioso banco de madeira trabalhada. Ele usa a elegante farda azul do Exército Nacional, e as várias estrelas douradas nas ombreiras da jaqueta denunciam sua patente elevada, que não combinava muito com a posição displicente em que ele estava praticamente deitado no banco, tão indesejavelmente sensual quanto um gato preguiçoso. A expressão de tédio sonolento em seu rosto atraente, e os olhos fechados ocultando a expressão esperta e penetrante, demonstravam mais que o costume de fugir do trabalho que caracterizava o major Roy Mustang.



A falta cometida pelo Alquimista das Chamas era muito pior que a simples indisciplina. Ele não descansava no costumeiro sofá macio e desbotado na sala de repouso do Quartel Central porque estava à espera da informante pretensamente enviada por sua mãe adotiva .



Mas enquanto a bela mocinha não chegava, tudo que o conspirador podia fazer era fingir indiferença. Seu corpo podia parecer relaxado, mas sua mente criava visões excessivamente reais da tensão que subia de seu coração acelerado: a bartender de olhos castanhos, presa numa sala de interrogatório; sangue e gritos de morte enchendo o estabelecimento de Madame Christmas; os requintes de crueldade no momento em que ele seria usado como exemplo público, durante sua execução humilhante como conspirador contra a pátria.



Imaginação e realidade aumentavam o autodesprezo do major de mãos feridas, que detestava ainda mais por deixar-se prender como um idiota, numa armadilha daquele jogo de xadrez mortal. Seus soldados, peças insubstituíveis, estavam espalhados pelo círculo minado de sangue dos campos de batalha de Amestris.



Havoc, ferido, fora obrigado a dar baixa e voltar para casa. Falman congelava em Briggs, sob as ordens medonhas da Rainha de Gelo. Fuery estava no extremo sul, fugindo dos estilhaços de bombas que certamente deixariam sua saúde ainda mais frágil. Breda voltara para o leste, seu cérebro estrategista de primeira qualidade agora esturricava sob o sol do deserto. Sua preciosa rainha era obrigada a fingir-se de guarda-costas do homem falsamente velho e verdadeiramente cruel que obrigava duas crianças a segurarem o nome que pesava como aço, e o relógio prateado, a insígnia do cão do exército. Junto dele, aqueles dois meninos juntaram tarde demais as peças do quebra-cabeça maligno. Não conseguiram assimilar a tempo as pistas deixadas por seu outro amigo e companheiro de guerra. A primeira das peças que caíra no jogo fatal.



Pensar naquela derrota amarga como um jogo de xadrez não ajudava nem um pouco. A mente de Roy Mustang ficou em branco àquela constatação, e seu corpo sentia a passagem do vento como se fosse oco. Ele se sentiu ainda mais vazio, solitário e derrotado, quando viu o detalhe desbotado em um pedaço de jornal que aterrissou, junto com as folhas secas, entre suas botas.



Era o pedaço de uma manchete que anunciava o dramático e misterioso assassinato do tenente coronel Maes Hughes, responsável pela Corte Marcial.



Old Friends, Old Friends
Sat on their park bench like bookends
Newspaper blowin' through the grass
Falls on the round toes
Of the high shoes
Of the old friends


Velhos amigos, Velhos amigos
Sentavam-se em seu banco de praça como num final de livro
Um jornal voando pela grama
Cai nas pontas arredondadas
Dos sapatos caros
Dos velhos amigos




Só era possível ver algumas letras borradas, os característicos óculos quadrados, e o constante sorriso do ex-militar. O alquimista já lera aquela notícia por vezes incontáveis. Lembrava-se perfeitamente de como o jornalista elogiava Hughes. Falava de sua coragem heroica como egresso das guerras do Leste, de seu amor e devoção à esposa e à filha pequena, das suas responsabilidades nas investigações da Corte Marcial.



Eram belas palavras, belas mentiras, como as que o fizeram entrar para as Forças Armadas e o convenceram que ele seria capaz de aprender a Alquimia do Fogo sempre para servir e proteger, nunca para matar. Aquele amontoado de belas mentiras não apagava a falta que seu melhor amigo fazia em sua vida tola e vazia, que estava agora por um fio.



- O motivo é muito simples, Roy. Eu não quero morrer.



Estava imóvel e desprotegido, à mercê das mãos frias da morte. Estava impotente e assustado como uma criança diante de seu pior pesadelo. Tinha que fazer de tudo para não sucumbir como o parceiro. Tinha que imitar seu esforço em segurar o frágil e quebradiço fio vermelho da vida, com todas as rarefeitas forças que conseguisse juntar.



Old Friends
Narrowly brushes the same years
Silently sharing the same fears


Velhos amigos
Movem-se juntos pelos mesmos anos
Compartilham silenciosamente os mesmos medos



Hughes não veria sua querida filhinha crescer. Não envelheceria ao lado da mulher que amava. Não estaria ao seu lado, à sombra de uma árvore, enquanto estivessem aposentados, exaustos e grisalhos, compartilhando risonhas lembranças da pacificação de Amestris. Toda a revolta, temor e lamento de Mustang era inútil contra o fato de nunca voltaria a ver seu amigo.



Can you imagine us years from today
Sharing a park bench quietly?
How terribly strange to be seventy...


Você consegue nos imaginar, anos à frente,
Dividindo silenciosamente um banco de praça?
Ter 70 anos deve ser tão terrivelmente estranho!



A consciência da morte iminente era uma realidade clara na expectativa de vida de todos os integrantes do numeroso exército de Amestris, uma clareza que se tornava palpável para os soldados de baixa patente, mas o fato de ser uma exceção à quase-regra não salvara a vida de Hughes. Roy considerava que o amor e a felicidade que o ex-investigador da corte marcial encontrara na família o faziam isento de qualquer necessidade de redenção, mas mesmo assim sonhava em pacificar Amestris e, se pudesse, envelhecer ao lado de seu melhor amigo. Conviver com aquele estranho e cômico pai coruja havia ressucitado a fé do sarcástico alquimista em sonhos, que foram enterrados junto com seu precioso companheiro.



Old Friends
Winter companions the old men
Lost in thier overcoats
Waiting for the sun
The sounds of the city sifting through trees
Settle like dust
On the shoulders of the old friends



Velhos amigos
O inverno acompanha os velhos
Perdidos em seus sobretudos
Esperando pelo sol
Os sons da cidade trespassando as árvores
Pousando como poeira
Nos ombros dos velhos amigos



Mas na terra desértica e maltratada de Ishbal não havia árvores. Havia cinzas e sangue, pó e desespero.



Desespero que insistia em tomar sua alma, embotar sua mente e consumir seu corpo, como as chamas que ele conhecia tão bem, até o momento que escapavam ao controle.



- Coronel...?



Chamas que despertavam em seu corpo tenso e exausto, em seu coração afogado em amargura, solidão e sarcasmo, o coração cujas reações tolas e inúteis ele era incapaz de reprimir, toda vez que ouvia aquela maravilhosa voz clara e jovial. A inebriante sensação de um sonho, o êxtase da visão de um oásis na aridez do campo de batalha.



Muitos anos haviam se passado desde o fatídico dia em que ela lhe revelou, em sua preciosa inocência, a fórmula da Alquimia das Chamas. Felizmente ela já não tinha mais o amargo olhar assassino, o estigma maldito que saltava no rosto de todos os sobreviventes de Ishbal. Mas ela ainda conservava a voz, a pontaria impecável, digna do olhar de um falcão... e as cicatrizes, feitas para impedir que existisse outro Alquimista das Chamas. E era uma verdadeira lástima que ela jamais soltasse aquele exuberante cabelo dourado, que envolvia, como o halo de um anjo, cada traço daquele rosto sério, um misto de força e delicadeza... os doces e enormes olhos castanhos, a boca bem desenhada, e o corpo esculpido oculto sob a severa farda azul-royal...



- Trago uma mensagem importantíssima de um dos nossos informantes. Agora, por favor, leia-a e volte ao trabalho. Não podemos perder tempo, o Dia Prometido está chegando.



Oh, definitivamente uma lástima que as suas habilidades de sedução fossem sempre tão inúteis diante dela. Mas nada como a solidez daquela mão firme, sutilmente trêmula sob o pequeno beijo que ele deu ao segurá-la, para disfarçar o ato de pegar o papel com a mensagem, teria mais êxito em convencê-lo de que estava diante da realidade, e de que ainda havia preciosidades pelas quais valia a pena arriscar a vida para proteger.



A time it was
It was a time
A time of innocence
A time of confidences


O tempo que passou
Era um tempo
Um tempo de inocência
Um tempo de confidências



Long ago it must be

I have a photograph
Preserve your memories
They're all that's left you


Deve ter sido há muito tempo,

Tenho até uma foto...
Preserve suas lembranças,
Elas são tudo o que sobra.


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Notas finais do capítulo

A ideia desta fic ficou formigando na minha cabeça por meses a fio, mas só consegui completá-la ás 2 da manhã de hoje... Então, por favor, comente para matar as nossas saudades de Fullmetal, e me dizer o que você achou.



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