Contos Clichês escrita por Loren


Capítulo 2
Uma história para o jornal II




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/610055/chapter/2

 

Ela levantou a gola do casaco e abaixo do guarda chuva, começou a se afastar em direção para sua casa que estava há alguns poucos quarteirões. O som dos saltos batendo contra o cimento misturava-se com o da chuva. Quando já se distanciava do bar, ouviu passos apressados e os mesmos pisando em poças. Virou-se e assustou-se ao ver um homem encharcado se aproximando. Esperou que ele passasse porela, mas ele se deteve à sua frente e engoliu em seco.

—Graças eu te encontrei!- ele falou tentando aumentar a voz sobre a chuva.

—Quem é o senhor?- perguntou receosa e ele percebeu um sotaque diferente.

—Eu...- pareceu hesitante.- Sou James Smith.- sabia que dizendo a verdade, ela não iria negar nada.

—O cantor famoso?- ele sorriu.

—Sim! E você?- deu passo para frente e ela deu outro para trás.

—Afaste-se.- ele pôde ver suas sobrancelhas juntas de preocupação.

—Mas eu sou...

—Não me importa quem seja. O que quer?- ele surpreendeu-se com o tom rude e a pouca cortesia.

—Eu gostaria de saber quem você é...- começou a dizer, sem a confiança de antes.

—Não. Tenha uma boa noite.-deu-lhe as costas, já afastando-se. Ele fez a volta até encontrar-se de frente para ela.

Tinha olhos castanhos claros.

—Não entende? Eu preciso...

—O senhor está louco! Deixe-me em paz!- ela gritou e com os ombros tremendo, empurrou o homem para um lado e continuou a caminhar.

Ele não tentou outra vez. Manteve-se estático, vendo sua silhueta desaparecer, enquanto cogitava a ideia de estar enlouquecendo.

 

 

A outra noite foi igual a anterior.

Enquanto a chuva inundava as ruas, criava goteiras nas pobres casas e afogavas as plantas, ela se arrumava outra vez. Outro vestido preto, porém, com mangas longas e uma gola alta. Até mesmo no bar, com aquecedor integrado e uma lareira que estava sendo bem usada nos últimos dias, ela sentia frio. Encolheu os ombros. Adorava aquele tipo de clima, mas não quando era por mais de cinco anos seguidos.

Sentia falta da família. No espelho estava pregada uma das poucas fotos que ela tinha levado consigo: ela e a família tirando férias no Rio de Janeiro. Era brasileira e preferia o frio, mas jamais iria confessar para sua mãe que sentia falta do sol ardente do país.

—Verônica?- ela virou-se e sorriu ao ver a pequena.

—Alice. Como está, querida?-perguntou e estendeu a mão, incentivando-a a entrar.

A menina aproximou-se e subiu no colo da mulher.

—Estava chorando?

—Não... Está tudo bem.

—Ah... sente saudades de casa?

—Muita.

—Vai voltar?- os olhos da menina entristeceram.

—Pretendo, mas vou te ligar todos os dias!

—Por quê? Não gosta daqui? Não gosta de cantar?

—Claro que gosto! E eu amo cantar. Foi meu primeiro amor. Canto desde pequena, mas eu fiz uma promessa. E promessas jamais devem ser quebradas.

—Que promessa?- ela fitou o rosto angelical e puro da pequena.

—Que eu ia voltar.

 

 

O bar estava cheio, no entanto, silencioso.

Não se sabia como, mas a presença do dono sempre fazia todos se calarem. Até porque aquele não era um bar de festas e risadas. Era mais como um refúgio para os deserdados e desesperados da vida. Cada pobre diabo que se encontrava por ali, afogado na anestesia das bebidas, tinha uma história. E cada história, uma desgraça. O dono sabia de tudo.Entendia cada alma amaldiçoada que ali frequentava sua propriedade.Era triste para ele saber que as lágrimas de cada um, eram o que sustentava a si mesmo e sua filha. Por esse mesmo motivo, por ele saber o que era dor,ele contratou Verônica. Ele a conheceu ali mesmo, quando ela foi pagar alguns drinks. Descobriu por acaso o seu talento.

Sua voz.

E soube no mesmo instante que deveria tê-la ali, soando para todas aquelas criaturas perdidas. Sua voz era como a de um anjo, vindo de tão longe para ajudar cada alma que pagava por seus pecados no purgatório que chamamos de mundo.Pouco sabia de sua vida e não tinha interesse em seu passado. Apenas queria ajudá-la ir em frente. Ele via nela o futuro que seu passado poderia ter sido, mas esta já é outra história.

Estava colocando mais lenha na lareira quando a porta se abriu e a mesma silhueta da noite anterior apareceu. No entanto, estava seco. O velho impou as mãos na calça e foi para trás do bar.

—Ela já disse que não quer vê-lo.

—Vim pegar meu chapéu.- o velho se virou e o fitou severamente.

Aproximou-se e enfiou a mão por baixo do balcão. Ao erguê-la, com o mesmo olhar de antes, estendeu-lhe a vestimenta e declarou.

—Não posso impedi-lo devê-la, mas tome cuidado. Ela já sofreu demais.

—Com o quê?- indagou,curioso.

—Saudade.

 

 

Uma fina garoa descia sobre a cidade.

As ruas estavam alagadas, mas o nível da água já descia com a pausa que o céu havia feito. Ela não usava o guarda chuva. Gostava de sentir as gotas tocando gentilmente seu rosto. A apresentação havia sido como as de sempre e sem nenhuma visita "desconfortável". Chegava na esquina,agradecendo por ele não ter voltado, quando levantou o olhar e estacou o passo. Ele estava escorado na parede do edifício.

—Está bonita hoje.

—Vá para o inferno.-resmungou e apressou a caminhada.

Ele agarrou seu braço.

—Por favor...- murmurou.

—Mas que demônios! O que custa me deixar em paz?!

—Uma noite.

—O quê?!- seu rosto enrubesceu, mas estava furiosa.

—Acalme-se! Não pense besteiras! Passe uma noite comigo e se seu ódio continuar, eu não a procuro mais.- esclareceu.

—Mas o que pensa que...

—Apenas passar a noite, literalmente! Uma conversa.

Ela o fitou por um instante e suspirou.

—Está bem.

Ele a soltou e enfiou as mãos nos bolsos.

—Aonde gostaria de ir?

—Para algum lugar barulhento.

—Por quê?

—Para aquietar meuspensamentos.

 

 

Foram para um bar, porém, rechEado de orgia e gargalhadas.

Adentraram, silenciosamente, e foram para o canto onde todo o recinto era visível. Dançarinas, garçons, casais e garrafas quebradas por toda parte. Ele pediu um whisky e ela, uma água. Ele observou a garrafa lacrada, sua postura ereta e deixou uma risada escapar.

—Qual a graça?

—Eu não vou estuprá-la.

—Ah, claro que não, mas é melhor prevenir do que remediar.- argumentou com um sorriso sarcástico.

—Podemos começar de novo. O que acha?

—Tente.- encorajou com o mesmo sorriso de antes.

Ele inspirou fundo e começou afalar.

—Sou James Smith, cantor famoso e estou de "férias" por conta dos aeroportos e portos fechados.- e movimentou a mão, incentivando ela a falar.

Ela tinha uma expressão séria.

—Sou Verônica Almeida.- e calou-se.

—Só isso?

—Já me apresentei. Agradeça que não menti o meu nome.

—E como vou saber sobre você?

—Pergunte o que quer saber. E reze para eu não minta.

Ele suspirou, cansado com o pouco progresso.

—Você não é britânica.

—Isso é uma afirmação, não uma pergunta.- comentou, apesar de parecer surpresa com o que ele disse.

—Veio de onde?- ela hesitou.

—Brasil.

—Uau! É longe! Por que está aqui?

—Faculdade.

—De?

—Medicina.

—E falta quanto?

—Para?

—Terminar.

—Já terminei.

Ele franziu o cenho.

—E o que faz aqui ainda?

Ela o encarou com lábios apertados. Voltou a falar, após ter desviado o olhar para a garrafinha de água.

—No dia em que eu ia voltar, perdi meu avião.

—Ah, lamento...- ela abaixou o rosto e ele percebeu que ela estava rindo.

—Lamenta que eu tenha sobrevivido?

—Como assim?

—O meu avião caiu. Foi o primeiro tornado que aconteceu no Atlântico. Desde então, como sabe, não parou mais. Eu fiquei por mais alguns meses, mas a faculdade não poderia cobrir meus gastos para sempre.- sorriu, parecendo melancólica.- Fui expulsa e tive que procurar por emprego. O mercado de trabalho para iniciantes na medicina é muito pequeno e boa parte não gosta de estrangeiros, por isso mesmo queria voltar para o meu país, visto que a saúde lá eu me daria melhor. De qualquer forma, tive que me virar com empregos básicos.

—Do tipo...

—Garçonete, entregadora dejornal, balconista e outros. Até parar onde estou. Cantora de bar.-e sorriu, instintivamente.

—Parece que gosta do que faz.

—Sim, mas não posso me dar a esse luxo. Tenho que voltar.

—Por quê?

—Prometi que ia.

—Ah...

—E você? Me fale sobre você.- pediu e juntou as mãos sobre a mesa.

—Bem, já falei quem sou e...

—Não. Sobre você mesmo.

—Perdão?

—Sobre você. Eu já conheçoo cantor. As revistas vivem falando, mas e você? Quem é James Smith? O verdadeiro?- os olhos dela estavam posicionados exatamente no lugar que a luz caía. Ali, pareciam cor de mel e de sinceridade.

Ele não conseguiu mentir. Porém, nem ele mesmo sabia a resposta correta.

—Um homem perdido.- ela fez uma careta.

—Como?

—Um alguém perdido no mundo. Alma destroçada, mente corrompida e esperança assassinada.

—Quem lhe fez tudo isso?- ele a fitou e vendo rosto tão puro e surpreso com algo que ele achava normal, sentiu vergonha de si.

—-Eu mesmo.

 

 ♥


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contos Clichês" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.