Insana | Cobrina escrita por Laura Salmon


Capítulo 1
Seguindo o pôr do sol




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Cobra dá uma verificada em seu celular mais uma vez. O GPS indica que ele e Karina estão no lugar certo. Mas olhando ao redor para o galpão vazio e abandonado, deixa a frustração se espalhar pelo rosto de ambos.

― Você pegou o local errado, Cobra. ― Karina se vira, abrindo os braços. ― Não devia ter subestimado o Henrique.

― Não pode ser. ― Dá alguns passos, olhando para cima. Não há nada no teto também. É só um galpão enferrujado. Tinha ouvido Henrique dizer algo sobre um esquema no telefone. Tinha certeza de que estavam na pista que os levaria até um dos crimes do Heideguer. Mas ali estavam eles, no meio do nada. ― Filho da mãe.

― Me prometeu que seria perigoso.

― Você não tinha nem que tá aqui. ― Cobra balança a cabeça sutilmente quando Karina arrasta os lábios e revira os olhos. Já ia dizer a ela que aquele assunto não a pertencia quando o chão parece vibrar sob seus pés. ― Tá sentindo isso?

― Fedor de esgoto? ― Cobra balança o indicador, virando-o para baixo. Ele se abaixa cautelosamente, colocando as palmas no chão, encostando o ouvido em sequência. Karina dobra os joelhos, sentindo os tremores bem de leve. ― Subterrâneo.

Enquanto Cobra tenta encontrar uma direção com seus sentidos, Karina percorre toda a extensão do galpão. Nada ali parece uma porta. Está escuro, fato, mas a lanterna é suficiente para mostrar a ela que não seria tão fácil encontrar uma entrada.

― Ka. ― Vira-se. Cobra está do lado oposto. Parece em frente a uma estrutura de papelão. Karina corre até ele com a velocidade de uma lutadora. Cobra toca o papelão devagar e ele cede, revelando uma parede de madeira. ― Uma porta.

Não parece exatamente uma porta para Karina, mas os dedos de Cobra encontram uma depressão no lado direito. Ele a puxa com força. Precisam forçar seus olhos contra a explosão de luz que quase os cega. Karina ergue um dos braços tentando bloquear a agonia que suas pupilas dilatadas sentem. Dezenas de pessoas cobertas por tinta florescente dançam abaixo deles. Roupas coloridas, cabelos bizarros e luzes surreais correm por todo o local.

Cobra lança um olhar intrigado a ela. Não sabe dizer se a batida estridente os encoraja ou se é apenas por curiosidade. O fato é que dão um passo a frente. A porta se fecha sozinha com um estrondo. Ele tenta abri-la novamente e não consegue.

― Temos que nos misturar. ― Karina puxa a manga da camiseta dele. ― Deve haver outra saída. Talvez Henrique tenha mesmo nos dado o endereço para o esquema.

Cobra odeia o fato de ter metido Karina naquilo, mas ela insistira de um modo que ele não tivera escolha. Não era um assunto dela. Era um assunto dele. Queria desmascarar a família de Henrique. Não para que Jade voltasse correndo para ele. Mas para que Lucrécia engolisse toda sua arrogância e soubesse que tipo de marginal ela estava colocando dentro da própria casa. Se ela achava que Cobra era um criminoso ela não sabia nem da metade das histórias de Henrique e seu pai.

Karina insistira dizendo que devia ajudar Nat. Era uma história delas. Heideguer prejudicou a lutadora de uma forma quase mortal. E ainda estava impune. Por isso ela está ali, caminhando de forma apressada, os cabelos curtos e claros se misturando às cores iluminadas e fluorescentes do porão repleto de pessoas dançando como se não houvesse amanhã.

Cobra tenta procurar algo suspeito com os olhos enquanto passa pela multidão. Seu peito choca-se com as costas de Karina. Ela está parada próxima a um balcão que funciona como bar. Ele aproveita para se sentar em um dos bancos e analisar mais uma vez a pista de dança. Não consegue se concentrar com aquele barulho ensurdecedor. É um de seus grandes problemas. Barulho demais o tira do foco. Volta-se para Karina e ela parece encarar as próprias mãos sobre o balcão.

― O que foi? ― Ele grita para se fazer ouvir.

― Eu não esperava ir a uma festa tão rápido. Não depois de tudo.

Ela está se referindo a Pedro e a ultima festa em que foram. A despedida da Galera da Ribalta. A banda partira em turnê. E as coisas não deram muito certo para Pedro e Karina. Eles já vinham discutindo há algum tempo. Ele não queria que ela competisse e ela não queria que ele a regrasse, podasse seus sonhos. Mas lutar significava deixar Pedro partir. Karina não estava disposta a perseguir os passos dele. Ela tinha os próprios objetivos. E ele parecia deslumbrado demais com a possibilidade de viver aquela aventura. Terminaram mais uma vez.

― Eu sei. Vamos procurar uma saída. Henrique devia estar falando dessa festa. Não tem nada aqui.

Cobra se levanta, mas Karina segura seu pulso. Ele a olha por cima do ombro. Dois dentes prendem o lábio inferior da garota. Ela parece pensar enquanto seus olhos azuis cravam nos olhos de Cobra. É uma das luzes mais brilhantes desse lugar, ele pensa.

― Quero ficar. ― As sobrancelhas dele se unem com a proposta dela. ― Viemos até aqui para alguma coisa. Só... Vamos ficar mais um tempo.

Cobra repuxa os lábios. Ele não tem mais nada de interessante para fazer. E estar com Karina é uma das coisas que mais fazem bem a ele. Naquela meia luz, vendo os olhos azuis dela reagindo e brilhando de forma intensa, ele reconsidera o fato de ir embora.

― Você não vai ficar mal com essa história do Pedro?

― Estou cansada de sempre ficar mal por esse tipo de coisa. Esse ciclo é entediante. ― Ela tem que se aproximar para que Cobra a ouça. A música parece mais alta que o normal. ― Não quero mais ser desse jeito.

― A garota certinha?

Karina semicerra os olhos por causa daquele sorriso provocador de Cobra. A boca dela se abre devagar. A língua toca o céu da boca quando ela sorri, fazendo-o se esquecer como inspirar e expirar por alguns segundos. Seu corpo, apertado por outras pessoas que chegam ao bar, roça pelo braço de Cobra e pela metade de seu tronco. Ele precisa morder a parte interna da bochecha para se lembrar de que Karina só está devolvendo a provocação. É parte do jogo de amigos que criaram. Amigos. A palavra ricocheteia por sua cabeça, perdendo-se em meio às batidas da música. No que está pensando? Parece um tolo deixando seus pés vagarem pelo caminho que Karina faz à sua frente. Só consegue olhar para os músculos daquelas costas se contraindo e relaxando enquanto ela arranca a camiseta. Seu top brilha quase na mesma cor de seus olhos. Ela encosta o queixo no ombro e sorri ao fitá-lo.

― Achei o nosso alvo. ―Ele mal entende o que ela quer dizer. Seu pomo de adão sobe e desce enquanto se esforça para desviar os olhos de Karina e ver Henrique. ― Você vai esperar que ele veja você aqui ou vamos pintar nossos corpos?

Karina escorrega um pincel para sua orelha, enquanto oferece o outro a Cobra. Ele balança a cabeça negativamente.

― Eu não sei desenhar. ― Recusa a oferta.

― Mas eu sei. ― Ela sorri, segurando-o pela nuca e firmando seu rosto entre os dedos― Andei praticando uma vez.

Cobra precisa fechar os olhos ao sentir o pincel gelado marcar metade de seu rosto. Intensos calafrios percorrem por seu corpo. Sente a respiração quente de Karina muito perto e quando ela termina e se afasta, lamenta-se mentalmente por ter perdido o contato com seu corpo. Quer puxá-la de volta. Quer pedir para que ela não pare de contornar seu rosto.

Karina. Sua amiga. Usando apenas um top. Segurando os pinceis enquanto balança os ombros e os quadris. Escolhendo cores que se misturam à intensidade de seus olhos. Mas ainda é a sua amiga. Ela está magoada. Apesar de sorrir ao segurar seu pulso para colorir cada veia saltada de seu braço. Veias saltadas porque você não consegue parar de pensar no quanto ela está perigosamente provocante. Karina.

Considera se distrair com outros pinceis para que Karina se afaste e faça alguma auto pintura. Mas quando ela se vira e os olhos dele cravam na nuca nua da garota, tão vulnerável, precisa abrir os lábios, procurando o oxigênio que não vem. Ela está distraída demais para senti-lo se aproximando. As mãos dele param no ar, considerando tocar as costas lânguidas que se mexem devagar enquanto ela sente a música. Sem socos, sem euforia incontida. Karina desliza pela sombra como uma luz rara.

Cobra pousa o pincel no meio das omoplatas dela. Karina ergue o rosto, olhando-o com um meio olhar tenso. Mas seus músculos relaxam quando a coordenação dele segue os contornos de seus ossos para desenhar uma espécie de sol na pele alva de Karina. Cobra deixa que os raios se espalhem até o cós da calça jeans. A pele dela reage eriçando os poros, fazendo-o sorrir por causa daquele pequeno detalhe.

Karina se vira novamente, puxando o pincel de trás da orelha. Cobra o pega. Não faz ideia do que está fazendo, mas gosta de sentir a tensão ao deslizar as tintas pelo maxilar dela, por sua garganta, parte de sua clavícula.

― Cobra! ― Ela o grita antes que ele perca o controle e deixe as linhas correram pelo contorno dos seios dela. Cobra ergue os olhos para os dela. ― Me ajude a não encontrar sanidade. Pelo menos por alguns minutos.

Parte dele gosta do que ela está dizendo. A parte dele que não tem limites. Que poderia colocar tudo a perder por apenas um momento. Ela está pulsando para que ele diga sim, leve-a para onde a sanidade não exista. Mas outra parte dele diz que é a Karina sana que o faz uma pessoa melhor. Não pode perder o foco. Não pode deixar que ela faça alguma coisa que venha se arrepender, que vá fazê-la chorar.

Mas Karina sabe o que o Cobra, seu amigo, vai dizer. E ela não quer ouvir. Porque é a mesma coisa que ela diria a si mesma. No entanto, ela quer mais que a mesmice. Ela quer aproveitar sua quase maioridade. Quer deixar-se viver coisas que nunca se permitira antes.

Solta os pincéis, empurrando Cobra com cuidado para o meio do aglomerado de pessoas enlouquecidas. Olha rapidamente para Henrique, ele continua no alto de uma escada conversando com uma garota. Não vai sair de lá. E se sair, ela e Cobra ainda estarão de olho nele. Ela só quer dançar. De um modo diferente. Sem sentir vergonha de si mesma ou sem socar o ar.

Há pintura em seu rosto e em partes do seu corpo que Cobra tocara. Está disfarçada. Poder ser outra pessoa.

― O que acontece na festa neon fica na festa neon! ― Resolve gritar para ele, abrindo brecha para sua loucura.

A expressão séria de Cobra se desconstrói rapidamente em um sorriso que faz toda a pintura se espalhar, mascarando-o ainda mais. Karina segura a mão dele com força, os dedos chocando-se em uma briga silenciosa enquanto ela usa a força de Cobra para jogar a própria cabeça para trás e escorregar o tronco confiando que ele a segure. Sorri, abrindo os olhos e vendo parte da pista de cabeça para baixo. Cobra a puxa rapidamente, deixando-a zonza assim que se chocam. Seus queixos se esbarram, os narizes se encontram.

Karina gira no lugar, o braço de cobra erguendo o dela e sustentando seu movimento. Ele está com os dentes friccionando os lábios inferiores quando ela volta a encará-lo. As luzes se confundem, transformando todas aquelas pessoas desconhecidas em borrões inanimados. A única vida que ela enxerga é Cobra e ela gosta disso. Sua mão direita escorrega pelas costelas dele, alcançando seu abdômen. Karina sustenta seu olhar e Cobra sabe que ela está brincando com a sanidade dele quando o toca daquela maneira. Porque ela já perdeu a dela.

Seus corações pulam no ritmo da batida incessante. Por um segundo a mente de Cobra pergunta o que eles estão fazendo ali. Por que estão tão perto. Por que ele a deseja tanto. Mas só a terceira pergunta tem resposta. Porque Karina está totalmente insana. Está agarrando a orelha dele e puxando seu rosto para o dela. Porque ele sente o toque da pele dela na dele. Porque está inebriado com as cores que ela é capaz de capturar com seu corpo. Porque quer beijar os lábios dela quando Karina os roça levemente ao redor de sua boca.

Esquecendo-se completamente do resto, a insanidade dela toma conta de cada parte dele. Seu braço a envolve, dando um puxão brusco contra ela no mesmo momento em que captura seus lábios e vira o rosto de lado para enganchar suas línguas. Karina o beija de forma impaciente. Morde seu queixo quando vê que Cobra escapou para respirar e volta a beijá-lo, apertando suas mãos nas costas dele, os dedos quase alcançando o quadril.

Eles riem quando finalmente tomam consciência da dormência dos próprios lábios. Karina está sorrindo de forma tão aberta que ele não resiste em sorrir com ela. As palmas da mão dela empurram o peito de Cobra. Ele dá dois passos para trás. O suficiente para ver todo o corpo dela girando, curvando-se em honra às notas frenéticas que ecoam por toda parte.

O que acontece sobre a penumbra, permanece na penumbra. E é por isso que naquele momento ele deseja que o sol não volte jamais. Que o único sol que ele irá ver seja aquele que marcou nas costas de Karina. Não precisam de claridade nenhuma. Está muito claro o que está sentindo. E Karina é a luz que ilumina tudo. Ela é o resquício dos raios solares na imensidão do entardecer. Ele poderia seguir o pôr do sol em suas costas todos os dias.


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