O Mundo Perfeito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 4
É preciso escolher




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– Você tem uma imaginação muito fértil, estou impressionada!
– Eu sempre fui um gênio. Ainda assim, esperar é muito desagradável e no caso dessa menina, estou tendo mais trabalho ainda.
– É óbvio que sim. Ela é mais inteligente do que as outras crianças, não é fácil deixá-la impressionada. Eu não entendo...
– O quê?
– Se você odeia tanto assim esperar, por que está tendo tanto trabalho com essa criança?
– Porque ela é irmã daquele cretino. Você sabe disso.
– Sei... e isso tornará tudo muito mais agradável, não é?
– Exato!

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Ela já tinha visto algo assim nos livros de contos de fada, filmes e desenhos, mas ao vivo e a cores era a primeira vez. Não era só uma carruagem comum. Era algo que nem a imaginação mais fértil conseguiria conceber. Seu formato lembrava um pouco a carruagem da Cinderela, porém com muitos mais detalhes, brilho e até cristais. Toda a carruagem parecia feita de ouro, ou pelo menos pintada com ouro, ela não sabia. O teto lembrava o topo de um palácio pintado com bonitos desenhos que pareciam reais.

A carruagem era puxada por cavalos muito brancos e condutores impecavelmente vestidos.

– Isso é pra mim? – ela perguntou mal contendo as lágrimas de emoção.
– Aqui você é uma princesa e tem que receber o melhor. – Mônica respondeu e Cebola as ajudou a entrar na carruagem entrando em seguida.
– Para onde a gente vai?
– Para um baile feito em sua homenagem.

Durante toda viagem, ela não conseguiu esboçar nenhuma reação. Era surreal demais para ser verdade. E como se seu assombro não fosse suficiente, eles pararam em frente a um palácio. Como era possível ter um palácio no bairro do Limoeiro?

– No meu bairro não tem palácio nenhum! – ela falou encantada olhando o lugar que além de ser lindo, estava repleto com luzes, muito brilho e pessoas elegantemente vestidas para o baile da princesa.
– Aqui tem tudo o que você quiser e muito mais. – o outro Cebola falou conduzindo-a gentilmente pela mão. A outra Mônica completou.
– Qualquer coisa que você quiser, aqui terá.

Eles entraram no salão ao som das trombetas que tocavam anunciando a convidada de honra. Os convidados fizeram reverencia saudando a princesa e Maria Cebolinha se sentia nas nuvens. Todos os amigos e conhecidos estavam ali. Gente da turma, da sua sala e outras pessoas que ela não conhecia. Todos muito bem vestidos. Garçons em trajes elegantes carregavam bandejas com docinhos, salgadinhos, taças de sorvete, sucos e refrigerantes. Basicamente, tudo o que ela mais gostava.

– A princesa me concede essa dança? – um garoto vestido com roupa de príncipe convidou e ela reconheceu o Dudu. No início aquilo não lhe agradou muito, pois aquele era um dos garotos mais chatos que ela conhecia. Mônica a fez mudar de idéia.
– Não esquece que aqui tudo é perfeito como devia ser. O outro Dudu é um doce de pessoa, você vai gostar dele.

Por fim ela aceitou dançar e viu que o menino era a gentileza em pessoa e até que ficava bonitinho com aquele rosto de boneca. O baile durou algumas horas com muita música, dança, shows de mágica e malabarismo para entreter os convidados. Maria acompanhava tudo maravilhada, pois o mais simples show de mágica ali era muito melhor do que qualquer coisa que ela tinha visto. O Nimbus com certeza ia morrer de inveja.

Era tarde quando ela voltou para casa no colo do irmão. Após trocar de roupa com a ajuda da Mônica e vestir uma camisola confortável, Maria se acomodou em sua cama em forma de carruagem para uma noite agradável de sono.

– Tudo hoje foi tão lindo.. – a menina falou com voz de sono. – Eu nunca tinha ido a um baile de princesa. – a outra mãe sorriu.
– Você poderá ter todos os bailes de princesa que quiser, minha lindinha. Tudo o que você quiser será seu, se você realmente quiser.
– Eu quero! – seu pai também sorriu.
– Você gosta desse mundo, não gosta?
– Demais da conta! Se pudesse, ficava aqui pra sempre.

Os dois se olharam com cumplicidade e voltaram a olhar para ela.

– Você pode. Basta querer. Eu serei boa mãe para você, farei todos os seus pratos preferidos e os mais lindos vestidos.
– Eu farei todas as casas de boneca que você quiser, você terá bailes, carruagens e tudo o que uma princesa tem.

Ela sentou-se na cama.

– Eu posso ficar mesmo? De verdade?
– Claro! – os dois falaram ao mesmo tempo, com um brilho ansioso no olhar.

A proposta era tentadora. Claro que ela queria continuar ali vivendo aquele lindo sonho. Por outro lado... Isso significava se separar da sua família de verdade. Por mais que aquelas pessoas fossem boas e gentis, não eram seus pais. Aquele rapaz não era seu irmão e ali sequer tinha o Floquinho, algo que de certa forma parecia incomodá-la.

– Aqui, será que eu não posso continuar morando com meus pais de verdade e vindo aqui todas as tardes?
– Não, meu bem. Eu sinto muito. – a outra mãe respondeu afagando seus cabelos. – Cada pessoa só pode visitar esse mundo três vezes. Na terceira vez, ela tem que escolher entre ficar aqui ou ir embora para sempre.

Maria fez cara de choro.

– Então na próxima vez que eu vier aqui, vai ser a última?

Os dois balançaram a cabeça afirmativamente.

– Não é justo! Por que eu não posso ter os dois? Eu não quero parar de vir aqui, mas também não quero deixar minha família pra trás! O que faço? Tá muito difícil!

Ela começou a chorar e a outra mãe a pegou no colo, enchendo seu rosto de beijos.

– Não fique assim, minha princesa. Volte para seu mundo, pense com carinho e quando estiver pronta, nós estaremos te esperando.
– Eu tenho certeza de que você tomará a decisão certa. Sua mãe e eu estaremos bem aqui te esperando com muitos presentes, brincadeiras e guloseimas. Agora durma.

A menina foi colocada novamente na cama, ainda soluçando, e os dois ajeitaram suas cobertas e lhe deram um beijo de boa noite.

– Durma bem, princesinha. – os dois sussurraram, embalando seu sono.

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Dona Morte observava a casa do alto, flutuando no ar sem ser vista por ninguém. Pelo visto, aquele garoto do cabelo espetado não era o único a se meter em problemas.

Portas e paredes não impediam sua visão e ela pode ver a menina acordando de má vontade sendo chamada pela sua mãe. Estava na hora do jantar. Seu rosto mostrava clara preocupação ao ver tentáculos negros ao redor do corpo daquela criança, que estava cada vez mais presa e envolvida naquela ilusão. Se continuasse daquele jeito, ela podia chegar a um ponto onde não teria mais volta.

Não estaria na hora de ela intervir e evitar uma tragédia? Em último caso, era o que ela pretendia fazer mesmo sabendo que não era a melhor alternativa. Ela não era a pessoa mais indicada para resolver aquele problema.

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O café com leite estava esfriando e ela nem tocou no pão com manteiga. O resto da sua família tomava o café parecendo não enxergar que ela estava mais quieta do que o normal. Cebola, com aquela cara de assombração, ainda lamentava pelo grande fora que tinha levado da Mônica por telefone.

Quando acordou no dia anterior após a viagem aquele mundo encantado, ela passou perto do quarto dele e viu o coitado falando ao telefone com a Mônica. Somente ela conseguia gritar tão alto daquele jeito. Pelo visto a conversa não foi nada agradável. Seus pais estavam tristes e cabisbaixos com o desenrolar daqueles acontecimentos e por terem perdido sua nora. Cada um estava ocupado seus problemas e parecia não haver espaço para ela.

E as coisas não melhoraram. Aquele dia de aula foi um dos piores do ano, com os exercícios mais difíceis e complicados. Ou será que ela não estava com cabeça para os estudos? Só podia ser isso, já que era a melhor aluna da classe. De qualquer forma, ela não prestou atenção a nada porque sua mente lutava para tomar a decisão mais importante da sua curta vida. Continuar naquele mundo sem graça ou ir para um mundo mágico e maravilhoso?

Parte dela queria mesmo ir, mas outra parte resistia à idéia. Qual opção escolher? A outra família podia ter muitas qualidades, mas não era sua família de verdade. Ou era? Ela já não sabia e sua cabeça de criança não conseguia refletir corretamente sobre o assunto.

Quando deu a hora de ir embora, ela viu que sua mãe não estava lhe esperando no portão como de costume.

– A mãe não veio. – Cebola explicou afobado. – A Mônica sumiu ontem e ela tá dando apoio pros pais dela. Você vai pra casa comigo.

Magali e Cascão também os acompanhavam conversando entre si e traçando planos para localizar e resgatar a Mônica. E também o DC, para tristeza do Cebola. Ela não prestou muita atenção porque tinha outras questões em mente. Será que eles não conseguiam andar e conversar ao mesmo tempo? Por que tinham que parar de metro em metro? Ela queria chegar logo em casa.

– Cebolinha, vamos pra casa!
– Agüenta aí, baixinha. Isso é importante. E é Cebola, não queima meu filme!
– Isso é chatoooo!
– Para de fazer birra, que coisa! Estamos com um problemão aqui!

Ela cruzou os braços, fez um bico enorme e bateu o pé no chão. Não adiantou nada e seu irmão continuou conversando com os amigos ignorando sua presença. Sentindo-se totalmente frustrada, ela começou a andar de um lado para outro tentando mostrar o quanto estava irritada quando sem querer esbarrou numa mulher que estava parada no meio-fio para atravessar a rua.

– Ai, desculpa dona. – ela olhou para cima e ficou muda quando a mulher a olhou de volta.
– Você não devia andar sozinha por aí. – a mulher falou muito séria. Era uma mulher alta, pele muito branca, de corpo esbelto e vestida com tailleur preto. Seus cabelos eram bem pretos, lisos e estavam presos em um coque. Ela usava óculos escuros e seu batom era vermelho bordeaux quase preto.

O que lhe deixou impressionada foi a postura daquela mulher. Havia algo nela que intimidava, causando um misto de temor e respeito.

– M-meu irmão tá lá... – ela apontou para o grupo que conversava não muito longe. – Eu vou voltar e...

A mulher olhou bem no rosto dela, mantendo-a presa onde estava. Mesmo estando com óculos escuros, Maria sentia que seu olhar era muito firme e penetrante. Ela voltou a falar com uma voz baixa e pausada que Maria pode ouvir muito bem apesar do barulho do trânsito.

– Você sabe o que acontece se colocarmos um sapo numa panela de água fervente?
– Credo, que maldade!

Ignorando a repulsa da menina, a mulher continuou.

– Ele sairá pulando na mesma hora e mesmo ferido, sobreviverá.
– Ainda assim é maldade, coitadinho!
– Mas se você colocá-lo numa panela de água fria e aquecer gradualmente, ele continuará quieto e morrerá aos poucos.

Certo, aquela mulher estava lhe assustando de verdade. Ainda assim ela não conseguia sair do lugar.

– Por enquanto, você se sente feliz e confortável, mas a água está se aquecendo cada vez mais e chegará um ponto em que você não poderá mais sair. Tome cuidado, menina. Pense muito bem antes de atravessar a porta.

Maria deu um salto.

– Como você sabe da porta?
– O que você tá fazendo aqui, pestinha? – Cebola ralhou chegando na mesma hora e pegando-a pela mão. – Se alguma coisa te acontece, a mãe arranca minha cabeça fora!
– Seu bobão, eu tava conversando com a dona.

Só então Cebola reparou na mulher e sentiu arrepios estranhos. Era impressão sua ou ele a conhecia de algum lugar?

– Desculpa a minha irmã, senhora. Ela tava te incomodando?
– Não, de forma alguma. Nós nos veremos algum dia, garoto. – a mulher atravessou a rua, desaparecendo logo em seguida entre as pessoas.

Cebola sentiu uma coceira desagradável no braço, seguida por uma ardência. Quando foi olhar, viu que era a marca de IOR feita em seu braço naquele acidente de carro no caminho para Sococó da Emma.

– Tudo bem aí, careca?
– Hein? Tranquilo. Melhor eu levar essa anãzinha pra casa antes que ela cause mais problemas. A gente se encontra depois do almoço.

A menina mostrou meio palmo de língua para ele seguiu ao seu lado com a cara mais feia do mundo. Certo, sua família era mesmo a pior de todas, a começar pelo seu irmão.


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