Sunset escrita por Aoi


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Olá a você que decidiu ler a minha fanfic, no meio de várias! n-n Obrigada~ (apesar de eu mesma não achar muitas fanfics franada q). Esse capítulo foi revisado mais de uma vez por mais de uma pessoa, mas aposto uma unha que ainda tem coisa bugada aqui, então, se encontrar algum erro, peço que me avise~
No mais, boa leitura~



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Ele emergiu lentamente do vazio para a escuridão dos olhos fechados, como se tivesse acordado de um sono profundo e sem sonhos. Seu cérebro trabalhava com lentidão, lânguido. Com certa concentração ele conseguiu abrir os olhos e piscar, atordoado, devido à luz intensa no teto do ambiente em que se encontrava, que ofuscava seus olhos. Conseguiu discernir nada além de um borrão ofuscante, portanto, por um momento, preferiu permanecer de olhos fechados enquanto se fazia a pergunta mais básica de todas: Onde estou?

Aos poucos foi tomando consciência de seu corpo deitado em uma cama relativamente desconfortável, embora houvessem um ou dois travesseiros embaixo da cabeça. Conseguiu mexer os dedos dos pés e das mãos, mas sentia uma terrível dor de cabeça e um forte aperto no tórax e no braço esquerdo. Sentira também certa dificuldade em mexer os dedos do pé esquerdo, mas tinha a impressão de que o tinha feito. Havia também uma sensação quente, da qual ele só se deu conta quando ela se afastou de sua mão direita, sentindo algo sedoso e macio deslizando pelo antebraço enquanto aquilo se afastava.

- Ma-matthieu? - Uma voz grave, que transmitia uma sensação aconchegante, apesar da insegurança e do receio contidos nela, soou. Disse... Seu nome. Sim. Aquele era seu nome, Matthew, mas a forma como a voz pronunciou aquilo fez com que seu coração sofresse uma pontada estranha e conflitante com a sensação acolhedora.

Tentou abrir os olhos mais uma vez, com um pouco mais de determinação. Sentiu os olhos doerem enquanto suas pupilas se contraíam em meio a diversas piscadelas até conseguir distinguir o formato de uma pessoa à sua direita, em meio a toda aquela luz, quase como uma aparição milagrosa.

Enquanto os traços ficavam mais nítidos, Matthew o observava. Era um homem. Um homem bonito, ele podia dizer. Possuía longos cabelos loiros - não como os seus, dos quais ele lembrava vagamente de arrumar em frente a um largo espelho, mas sim de um loiro feito por uma mesclagem de tons, formando mechas contidas por um elástico simples. Os olhos eram de um tom azul cristalino, e o rosto com traços angulosos, mas de alguma forma, suaves. Possuía também uma curta barbicha, daquelas que fazem cócegas quando se aproximam de seu pescoço (como ele sabia disso?), mas que eram importantes para aquele ar mais maduro e charmoso.

Tentou se sentar, mas não pôde. Muitas coisas o prendiam na cama dura e desconfortável, e ele sentiu uma pontada intensa de dor quando buscou apoio no braço esquerdo, deixando imediatamente a cabeça voltar ao travesseiro com um baque leve, seguido de uma exclamação feita por uma voz diferente da primeira que soou. Essa era suave e rouca, fraca, como se debilitada.

Piscou novamente, enquanto a dor se dissolvia, e olhou em volta. Estava em um quarto com quatro paredes pintadas de verde. Notou também um aparelho grande e estranho, que apitava, alguns fios e tubos ligados ao próprio corpo, duas portas brancas fechadas e aquela pessoa sentada ao seu lado. Ele tinha os olhos úmidos mas mostrava o princípio de um sorriso esperançoso que crescia gradativamente, repleto de emoções que Matthew mal pôde distinguir.

O garoto encarou o homem durante alguns instantes, com uma só questão rondando insistentemente sua cabeça. Quando finalmente decidiu fazê-la, o homem se moveu para frente, planejando falar algo.

- Matthieu, eu...

- Quem é você?

A voz que saíra de seus lábios era estranha - parecia não pertencer a ele. Percebeu que era a mesma que tinha soado quando sua cabeça encontrou o travesseiro. Franziu os lábios, desconfortável por estranhar sua própria voz. Tentava se lembrar do que aconteceu. Estava na rua... Uma batida. Escuridão.

Matthew estava tão absorto em seus próprios pensamentos que sequer notou o choque estampado no rosto da sua companhia.





Francis se lembrava - com mais frequência do que gostaria - do acidente. A memória era clara e límpida, aparecendo como se mais uma vez diante de si sempre que o francês fechava os olhos. Aquilo o torturava todas as noites e o perseguia todos os dias, sempre o lembrando do quão estúpido fora – ou era.

Matthew, o garoto por quem recentemente descobria manter uma paixão, havia sido atropelado bem em frente aos seus olhos. Depois daquilo, o som de buzinas não foi mais o mesmo. Agora todas pareciam anunciar um terrível acidente, e o forçavam a reviver mentalmente a cena que mais queria esquecer. Fora Francis quem correra para Matthew após o acidente e protegeu seu corpo inconsciente, quem ligara para a ambulância, quem o acompanhara sempre de perto durante todo aquele tempo até o presente momento - mais até do que os parentes do rapaz.

Pensar nos familiares do mais novo quase o fazia sorrir. Eles agora sempre o olhavam com aquele olhar que vagava entre o agradecido e o surpreso, mas havia pouco tempo aquelas mesmas pessoas torciam o nariz para o tipo de intimidade que começara a nascer entre Matthew e ele. Agora sequer reclamavam quando Francis dissera ser parceiro de Matthew para o médico – afinal, somente pessoas muito próximas poderiam saber tantos detalhes do estado de Matthew e estar ao seu lado durante tantas horas por dia, e os tios do garoto não tinham tempo – ou interesse suficiente – para estarem ali, no lugar de Francis.

Foram dois longos dias de cirurgias e exames. Duas costelas quebradas que atingiram seu baço, um punho quebrado e algumas contusões, além de uma lesão na cabeça. O médico disse que ele ficaria bem, mas não é isso o que eles sempre dizem? Ele virou a noite pesquisando sobre a condição de Matthew e conversando com médicos. Aquela lesão na cabeça o assustava. Tinha medo que algo desse errado. Que houvessem sequelas. Que, apesar de tudo dito pelo médico, Matthew não acordasse mais.

Francis não podia deixar de se culpar. Passara aqueles dias remoendo suas ações, que sempre pareciam ser a grande causa de tudo. Andava deprimido pelos corredores do hospital, sem ânimo sequer para flertar com a moça da lanchonete. Na tarde passada, quando soube que Matthew finalmente seria transferido para um quarto e que acordaria quando o efeito do sedativo passasse, ele não conseguiu manter-se quieto. Andava de um lado para o outro, pensando em mil e uma formas de se explicar. Mas havia um porém. Em todos os seus planos, Matthew se lembrava de Francis.

Ele olhava para o mais novo com os lábios entreabertos, congelados no meio de uma frase que jamais seria completada. Sentiu como se tudo dentro de si parasse, congelasse. Encontrou a si mesmo tentando se confortar. Talvez ele só estivesse um pouco tonto, um pouco lerdo, talvez. Ele se lembraria, não lembraria?

- Eu... - Percebeu que o mais novo o olhava com uma expressão intrigada. Droga. Não podia se entregar desse jeito às emoções que explodiam dentro de si. Tentou se recompor e se levantou da poltrona onde estivera por horas, murmurou algo como “Excuse-moi” e saindo do quarto.

No banheiro, Francis encarou seu reflexo durante longos minutos, pressionando a ponte no nariz, até aquela sensação em seu peito diminuir e ele decidir o que fazer. Falaria com o médico de Matthew – conclusão que, quando alcançou, percebeu que era ridiculamente óbvia. Respirou fundo enquanto punha os longos e ondulados cabelos pra trás e seguia seu plano.





Após ter sido deixado sozinho, Matthew investigou vigorosamente sua memória, procurando qualquer sinal de que conhecia o homem que tinha acabado de sair de seu quarto. Ele parecia esperar que Matthew se lembrasse dele. Algo na expressão dele demonstrava certo desapontamento, apesar de não ter durado mais que um curto momento.

Conseguira algumas respostas satisfatórias sobre sua própria vida, mas nada sobre o homem. Seu nome era Matthew Williams. Tinha 20 anos, e morava com os tios americanos. Recentemente seu primo Alfred se mudara para a Inglaterra após ser aceito em Cambridge – Matthew o invejava por isso. Era bilíngue. Seu pai era francês, e sua mãe, canadense, o que o fez pensar no que o homem dissera antes de sair do quarto. Excuse-moi.

Não poderia ser seu pai. Matthew lembrava muito bem do acidente que levou seus pais ao óbito, e se sentiria péssimo se tivesse se sentido atraído pelo seu próprio pai. Além do mais, o homem não parecia ter mais de 28 anos.

Pensou até se perder em pensamentos, só sendo tirado de seu estado absorto quando a porta novamente se abriu e o homem de antes voltou, acompanhado de um médico.

- Olá. Como se sente? - O médico tinha cabelos grisalhos e marquinhas em volta dos olhos enquanto sorria. Carregava uma prancheta enquanto examinava Matthew, checava os aparelhos ligados a ele e fazia com que a cama de Matthew o pusesse mais ou menos sentado.

- B-bem... - Ele olhava para suas mãos repousadas sobre a barriga, evitando contato com o homem dos olhos tristes.

- Ok. Me diga seu nome.

- Matthew Williams.

- Sua idade?

- Vinte anos.

- Aniversário?

- 1° de julho.

- Qual o nome das pessoas que moram com você, Matthew?

- Sarah Jones, Steven Jones e Alfred Jones, mas Alfred agora está na Inglaterra.

- Você está se saindo muito bem, Matthew. E ele? - O doutor apontou para o homem ao seu lado.

- Eu... Eu não sei. - Matthew tornou a abaixar a cabeça, envergonhado, sentindo as bochechas esquentarem um pouco.

O doutor ficou em silêncio por um instante. Enquanto Matthew olhava para baixo, não pôde ver que o médico e Francis trocaram um olhar grave.

- Tudo bem, não se preocupe. - Matthew recebeu um ligeiro afago na cabeça.

Mais tarde, Matthew ouviu a enfermeira dizer que aquele rapaz se chamava Francis, e era seu namorado - e nenhuma palavra é capaz de descrever a vergonha e a surpresa que Matthew sentiu ao descobrir isso. Havia esquecido da pessoa que amava? Espere. Matthew amava aquela pessoa? Era amado? Eram questões que faziam a sua cabeça girar.

Semanas se passaram e Francis ia o visitá-lo diariamente, levando alguns livros e caça-palavras que Matthew adorava. Francis sempre se mostrava ser uma pessoa divertida e tranquila frente a Matthew, o que fizera o mais jovem apreciar sua companhia, apesar de ter notado que aquilo era apenas uma fachada. Matthew percebera, por vezes, que algo assombrava o francês e o deixava melancólico e desconfortável quando se aproximava de Matthew com a intenção de tocá-lo, recuando logo em seguida. Matthew se sentia culpado por tudo aquilo - não lembrar sequer o segundo nome dele - e mais ainda quando lembrou – mesmo que vagamente – de Marianne, irmã de Francis. A garota era um pouco mais velha que Matthew e era muito espontânea e divertida. Sempre levava alguns jogos de tabuleiro que os três poderiam jogar durante as tarde, o que rendeu muitas risadas à Matthew com a constante discussão entre os dois irmãos em relação às regras dos jogos.

Finalmente teve alta, e recebeu com ela uma lista de remédios para o caso de sentir dores e recomendações de evitar esforço. Seus tios vieram buscá-lo, e Francis e Marianne os acompanhavam.

Matthew fora levado pra casa – uma pousada próxima à orla de Vancouver, com pouco movimento naquela época do ano. O verão tinha acabado enquanto Matthew estivera no hospital, e enquanto se recuperava ele não retornaria à faculdade nos EUA. A pousada pertencera aos pais do garoto, e era de certa forma um lugar aconchegante, onde Matthew se sentia acolhido. Francis estava hospedado lá, e convidava Matthew com frequência – para não dizer todos os dias – para passear – agora de carro, devido às recomendações médicas - pela cidade, e só voltar próximo da noite. A explicação era simples: Ele era um estrangeiro, e queria conhecer a cidade. Contudo, Matthew percebera num instante que Francis sabia de mais pontos turísticos do que ele próprio e que deixava sua irmã, também estrangeira, em casa, mas decidiu não comentar sobre isso; afinal, eram namorados, certo? Aquilo deveria ser natural. Matthew só não entendia o porquê de Francis precisar de uma desculpa como aquela para levá-lo para um passeio.

Durante aquelas tardes juntos, duas coisas incomodavam Matthew. A primeira era: aos poucos ele fora se lembrando de tudo – desde onde cada coisa ficava em sua casa até nomes de ruas e feriados – mas nada que lhe dissesse sobre Francis. O estrangeiro não falava muito de si mesmo, mas talvez já tivesse dito algo, alguma vez, antes do acidente, o que deixava Matthew envergonhado demais para perguntar. A segunda era: Por que Francis parecia tão distante? Queria segurar a mão do mais velho enquanto andavam – céus, queria que se beijassem. Mas nada disso parecia nem prestes a acontecer, e quando parecia, Francis recuava contrariado.

Foi numa bela manhã de sol, após mais um convite de Francis, que Matthew decidiu. Confrontaria o francês durante a ida deles ao parque naquela manhã. No início estava totalmente firme na sua decisão, mas enquanto caminhavam até a pequena ponte que transpunha um estreito braço de um rio por ali, ele sentiu sua decisão vacilar. Passava as mãos o mais discretamente que conseguia pela perna da calça constantemente, para livrar-se do suor que suas mãos insistiam em produzir. Olhava para Francis e então franzia as sobrancelhas, abaixando a cabeça. Tinha mesmo que fazer aquilo?

- Francis...

- Aqui estamos nós. - Matthew se assustou com a súbita parada do mais velho, alguns passos antes da ponte.

Francis deu um passo para trás e projetou os braços para frente, formando um pequeno retângulo, uma espécie de quadro com os polegares e indicadores das duas mãos. Matthew sabia o que o mais velho estava fazendo. Havia uns dias que Matthew descobrira que Francis era pintor, e estava sempre em busca de novas paisagens que o inspirassem, e aquela certamente não podia ser ignorada: Os galhos repletos de folhas pendiam em direção à ponte, com poucas folhas caídas ao chão, deixando algumas brechas por onde o céu azul com poucas, porém grandes e bem definidas nuvens se exibia. O sol brilhava, fazendo o rio reluzir enquanto corria abaixo da ponte. Um casal andava de bicicleta. Uma garota passeava com seu cachorro.

Somente quando o sol foi encoberto por uma nuvem que Francis abaixou os braços e sorriu. Não parecia um sorriso espontâneo, mas Matthew não conseguiu ler nada através dele.

- Não é bonito? - Francis comentou. Parecia mais uma vez esperar com expectativa contida uma resposta do menor.

- Sim... Você tem um bom gosto para escolher lugares.

Francis deu um sorriso vacilante. Não era aquela resposta que ele esperava. Sacudiu levemente os cabelos ondulados e virou-se para frente, em direção à ponte, e tornou a caminhar com passos firmes.

Matthew sentia que algo estava prestes a acontecer, e relacionou isso à sua vontade de confrontar Francis. Cerrou os punhos por um instante e caminhou decididamente em direção ao francês, que se encontrava distraído, observando um tanto melancolicamente o rio.

- Francis. - Ele tocou o braço do mais velho, que mantinha o olhar perdido - quase preocupado, na verdade, mas talvez fosse somente impressão - em direção ao rio logo abaixo.

O maior girou em seu próprio eixo para encarar Matthew, que estava logo atrás de si. Eles estavam terrivelmente próximos, e durante longos instantes, assim ficaram, apenas olhando um nos olhos do outro. Quando Francis fez menção de se afastar, desconcertado, umas faísca de coragem se acendeu dentro de Matthew, e ele se lançou em direção ao francês.

Fechava os olhos com força enquanto encostava seus lábios nos dele e agarrava seu pescoço. Francis, naturalmente, estava surpreso, mas sua reação após a surpresa deixou Matthew absurdamente satisfeito. Francis começou a mover seus lábios sobre os de Matthew e a envolver o corpo do menor. Matthew Williams estava sendo correspondido.

Contudo, a experiência que fez Matthew ver estrelinhas por trás das pálpebras fechadas logo acabou. Sentiu sua força de vontade murchar ao som dos murmurinhos das pessoas que passavam ao lado deles na ponte, o que o fez com que se sentisse coagido a separar seu corpo do de Francis.

Francis o olhava totalmente fascinado, como se adorasse cada centímetro do menor, e Matthew sentiu as bochechas esquentarem. Olhava para o mais velho e tentava sorrir, sentindo-se tonto. Apoiou-se contra a mureta da ponte, ainda sorrindo abobado, apesar da forte dor em uma área específica da cabeça que sentia no momento. Direcionou o olhar vagamente ao maior, e começou o que esperava ser um inquérito.

- Por quê? – Ele se afastou da mureta e pegou a mão do mais velho, ligeiramente maior que a sua, e apertou, sem se importar com a tontura e a dor. Ele piscava muito, e via alguns flashes. - Porque nunca fizemos isso, se a enfermeira me disse que somos...

Mais flashes. Finalmente Matthew se deu conta de que eram fragmentos da sua memória, esquecidos depois do acidente. Francis chegando à pousada com uma scarf e um chapéu combinando ao lado de Marianne, que usava um vestido que a deixava magnífica. Francis caminhando pela orla da praia com um picolé e rindo de algo que Marianne tivesse feito. Francis e ele sozinhos, caminhando por aquela mesma orla, durante um pôr do sol, lado a lado.

- Eu tentei fazê-lo lembrar, Matthieu. - Ele desvencilhou sua mão das mãos de Matthew e pegou o rosto do menor entre as mãos, fazendo-o olhar em seus olhos. - Acredite, a todo o momento eu tentava fazê-lo lembrar.

Francis e ele caminhando pelo mesmo parque em que caminharam alguns dias atrás. Francis e ele ali, naquela mesma ponte, durante um festival de fogos de artifício, pela noite. Um beijo, um quarto escuro, risadas...

- Eu tentava diariamente, mas você não parecia sequer familiarizado com os locais que eu o levava. Eu já estava ficando... sem ideias... - O olhar do francês parecia angustiado, e Matthew teve a impressão de que ele preferia usar outro termo no lugar de “sem ideias”. Não conseguiu ter certeza. Tudo girava... - Na verdade, constantemente eu me perguntava se eu queria que você lembrasse... - Francis desviou os olhos por um momento do rosto do menor, e Matthew fitou o céu atrás de Francis.

E então ele lembrou.

Caminhava pela calçada a caminho do mercado quando resolveu olhar para o lado, para uma casa que chamara muito a sua atenção. Tinha um jardim bem cuidado, com belas rosas... E um homem. Era Francis ali na porta, de costas. Matthew sorriu com a coincidência e decidiu ir em direção ao maior, atravessando a rua. Quando mais se aproximava, mais claro ficava que Francis não estava sozinho. Claro que não estava. O que Matthew estava pensando? Francis estava sendo beijado por uma ruiva curvilínea que o agarrava pela gola da camisa azul que Matthew tanto gostava. Que realçava os olhos do francês.

Ele engoliu em seco e começou a se afastar lentamente daquela cena que lhe causava um rebuliço na barriga e uma forte indignação. Como Francis pôde? Matthew sentia que ia vomitar, ou pior, que cairia aos prantos a qualquer momento. Afastava-se, e tinha que se afastar ainda mais rápido. A qualquer momento Francis poderia se virar e encontrá-lo ali, e isso seria constrangedor demais. Se seus ouvidos não estivessem preenchidos com um zunido que abafava tudo em volta, talvez tivesse ouvido o som agudo da buzina que soava ao seu lado, ou dos pneus cantando enquanto o motorista tentava inutilmente frear antes de atingir o garoto. A mulher o observava por cima dos ombros de Francis e parecia sorrir.

Sua visão estava nublada, e apesar da dor generalizada que sentia, a que mais se destacava era a dor excruciante causada pela visão de Francis com aquela mulher. Se era real ou não, Matthew não sabia dizer, mas via algo que achou ser o queixo de Francis acima de si, com algumas manchas de batom pelos lábios e pescoço. Ele fechou os olhos com força, tentando se livrar da visão. Tudo o que queria era esquecer o que acabara de ver...

Matthew mergulhou na escuridão.



Após percorrer cada centímetro da pousada onde estava hospedado, Francis deu-se por vencido. Não conseguiria encontrar o menor daquela vez. Concluiu sua busca nos fundos da cozinha, onde a tia do menor se encontrava.

- Onde está Matthew? – Ela perguntou, naturalmente. Tinha levado Matthew para sair, tinha que voltar com ele. Droga. Só de pensar que ele andava sozinho por aí, logo após ter alta...

- Eu não sei, senhora. - Ele colocou o cabelo para trás, exasperado. - Enquanto andávamos, ele disse que precisava ir ao banheiro, mas ele não voltou. Procurei por ele, mas não o encontrei. Pensei que talvez estivesse aqui. Eu acho que... – ele olhou para a mulher - Ele se lembrou.

Quando os olhos da mulher se cruzaram com os de Francis, ela entendeu a que tipo de lembrança ele fazia referência. Ela não sabia o que de fato tinha acontecido antes do acidente, mas acenou lentamente com a cabeça.

- Dê a ele um tempo.

- Certamente.

Francis se retirou para seus aposentos, com um ar grave. Não podia fazer nada agora, somente esperar pelo julgamento de Matthew - o que era uma total aflição, mas Francis precisava se manter firme. Em seu quarto, Francis encarava as diversas pinturas que tinha feito do menor durante aquele tempo. Seu pequeno Matthieu, tão cheio de vida, tão radiante...

Talvez não fosse para ser. Eram tão diferentes um do outro, e nada poderia mudar o fato de que Francis fora – e, não queria admitir, mas talvez ainda era – um completo fanfarrão. Matthew certamente não merecia aquele tipo de pessoa como companheiro, mas Francis se esforçava para mudar, e foi com esse objetivo em mente que fora até a casa de Megan naquela tarde.

Conhecera Megan em uma casa noturna na França, e desde então não teve um dia de paz. Recebia ligações diárias e propostas indecentes que, tinha que admitir, por muitas vezes aceitara. A mulher possuía algum tipo de obsessão por Francis que por muitas vezes o irritou, mas nunca a ponto de querer se livrar daquilo. Até aquele dia.

Quando soubera de Francis estava no Canadá, Megan imediatamente decidiu que faria uma visita a parentes canadenses. Alguns dias depois estava alojada no mesmo bairro onde a pousada onde Francis se hospedara ficava, o que facilitou o desagradável reencontro dos dois.

Quando Francis ergueu o rosto após rir de algo que Matthew disse uma tarde, avistou um vulto de cabelos vermelhos que o fez ficar alerta. Após instantes sua suspeita foi confirmada: Megan o estava seguindo, mais uma vez.

Francis virou-se para sua companhia e contorceu os lábios em um sorriso, esticando a mão para afagar a cabeça do menor, mas se contendo pouco antes do contato, abaixando as mãos e as colocando no bolso. Não queria demonstrar a Megan a intimidade que ambos tinham.

- Matthieu, por que você não nos compra algo gelado para beber? Está tão quente.

- Oh. Claro. Dessa vez eu pago. - Ele sorriu e foi em direção a uma loja ali perto, mas parou de andar pouco depois e olhou para Francis com uma expressão interrogativa – O que você vai querer?

- Me surpreenda. - E jogou uma piscadela que fez Matthew revirar os olhos e rir.

Olhou para as costas do menor, sorrindo, até ele sumir dentro da loja de conveniências logo em frente. Francis soltou a respiração e virou-se para trás, o sorriso já ausente, na direção em que sabia que Megan estaria.

Ela já se aproximava – seus saltos fazendo um toc toc toc ritmado na calçada que desviava a atenção de muitos ali, com os quadris em movimento enquanto andava com aquele ar de modelo e com um forte batom nos lábios carnudos.

- Megan.

- Olá, Francis. – Foi sua resposta. Ela parou a poucos passos de distância e cruzou os braços abaixo do busto, encarando o homem em sua frente com um sorriso brincando nos lábios que revelava todas as suas intenções com o rapaz.

- Megan, nós... - Francis soltou o ar com força. - Nós temos que conversar. - Ele passou a mão pelos cabelos, jogando-os para trás.

- Eu amo quando você faz isso. - Ela disse, acompanhando os movimentos de Francis. – É tão... sexy. Não vejo a hora de...

- Megan, escute o que eu digo. Falo sério. Precisamos conversar.

- Sobre o que você quer conversar, monsieur? - Ela moveu os ombros em um movimento sensual ao pronunciar a última palavra, indo em direção a Francis, que a manteve a certa distância segurando pelos ombros.

- Aqui não. Depois.

- O que há, monsieur? Por que não podemos conversar agora? Ah, já sei. Que tal... Mais tarde? Na minha casa? – Ela ergueu as sobrancelhas, sugestiva.

- Estou... Acompanhado.

Ela bufou, revirando os olhos. Cruzou novamente os braços. Não gostava de não poder ter Francis a hora que queria. Apesar disso, sabia que não tinha Francis exclusivamente para si, e dizia estar aprendendo a lidar com isso.

- Então amanhã, às sete.

Ele deslocou o peso do corpo, desconfortável. Qualquer outro lugar na cidade seria possível topar com Matthew, o que Francis queria evitar enquanto conversava com Megan, pelo jeito difícil da mulher. E aquela conversa ali não poderia se estender demais. Matthew logo voltaria. Concordar seria mais rápido.

- Fechado.

- Mal posso esperar. - E, com um sorriso malicioso, jogou uma piscadela antes de sair movendo os quadris de forma provocante.

- Francis! – Matthew exclamou ao retornar. – Olha, encontrei chá da folha de bordo! Parece delicioso. – Sorria sem ter a mínima ideia do que tinha acontecido ali.



A verdade era que Megan não estava, de fato, aprendendo a lidar com aquilo de Francis não ser seu. Ela os seguiu durante aquela tarde e observou cuidadosamente os movimentos de Francis com o garoto ao seu lado – sempre tão atencioso e sorridente, carinhoso e agradável. Megan gostava do relacionamento que tinha com Francis – explosivo, carnal e intenso – mas somente porque nunca tinha presenciado outro lado dele. Após aquela tarde passou a desejar aquele Francis para si, e um desespero que começou com um leve desconforto na barriga explodiu por seu corpo ao ver os dois naquela noite durante o festival de fogos de artifício. Aquela criança estava pegando Francis para si, lenta e gradativamente – algo que ela não permitiria. Após aquele dia, passou a direcionar a Matthew o seu mais profundo repúdio.

Na manhã seguinte, quando se encontraram, Megan estava decidida a seduzir Francis mais uma vez e fazê-lo esquecer “aquele garotinho”, como ela constantemente se referiu a Matthew para Francis. Não contava que seu plano falhasse terrivelmente. Francis queria impor um fim na relação dos dois – por causa do garoto, bem como ela imaginava.

Megan foi da sedução ao desespero. Ao fim do encontro, quando até mesmo as lágrimas derramadas por ela não surtiram efeito, ela decidiu atacar. Francis caminhava em direção à porta quando ela o chamou, tocando seu braço. Quando Francis se virou pra fitá-la, ela se lançou no maior, se esforçando em colar cada centímetro do seu corpo no corpo do homem.

Francis cambaleou com a surpresa, dando alguns passos para trás, aturdido e confuso. Suas mãos não sabiam se devia afastar primeiro a cintura de Megan ou seus lábios de si. Quando suas mãos encontraram o ombro de Megan, um som estridente de buzina, pneus cantando e um baque surdo contra o chão chegou aos seus ouvidos, gelando-lhe a espinha.

Virou-se a tempo de ver o corpo ir ao chão. Correu em direção à pessoa inconsciente no chão, desejando, como nunca desejara antes, que aquele não fosse o seu Matthieu. Durante tantas vezes pensou tê-lo visto pelas ruas, mas notava que era apenas impressão, então, só mais uma vez, esperava que estivesse errado.

Mas não estava, constatou, com os olhos arregalados em choque. Por um instante era como se estivesse sozinho no mundo, observando aquela cena. Nada mais importava – muito menos Megan. Seu peito doía com a respiração difícil. Precisava fazer algo. Fez diversas ligações, e na primeira delas, percebeu que sua voz estava afetada. Por vezes ele soluçou.

Quando a ambulância chegou, Francis acompanhou Matthew, murmurando incentivos como “Você vai ficar bem” e “Nada mais vai acontecer”. Ele mesmo duvidava daquelas palavras. Sua maior surpresa foi quando Matthew, franzindo a testa e se mexendo de forma inquieta, começou a murmurar “Não. Não!” insistentemente.

Matthew só ficou tranquilo quando Francis foi afastado.

Durante horas, sozinho na sala de espera do hospital, Francis remoeu a cena daquela manhã. Não era como se de fato quisesse. A cena surgia em sua mente constantemente, mantendo Francis escravo daquele tormento. Após um tempo, Francis tomou a culpa para si. O quanto da cena daquela manhã Matthew teria visto? O choque seria totalmente compreensível após a noite anterior. Se ao menos Francis tivesse conversado com ele antes, se estivesse com ele naquele momento...





Se lembrara.

Um dia após a noite que mandara pra longe todos os seus medos e inseguranças, que o fizera – literalmente – ver fogos de artifício, Matthew viu Francis com uma mulher, e todos os sentimentos de antes voltaram somados a novos nascidos naquele momento, e caíram sobre si como uma bomba explodindo.

Vivia um grande conflito. Parte sua queria tentar compreender o que tinha acontecido. Talvez tudo não passasse de um mal entendido. Mas outra parte – a parte que gritava mais alto – dizia que Francis era um sedutor que só queria se divertir um pouco à custa de Matthew, e aquilo estava acabando com ele.

Após fugir desenfreadamente de Francis, Matthew se viu no lugar onde tudo aconteceu: em frente à mesma casa com rosas, portas e janelas brancas e telhado laranja. Parecia uma casa tradicional aconchegante que Matthew teria gostado antes de tudo. Estar ali o deixava nervoso, mas ao mesmo tempo curioso em saber como tudo aconteceu. Tentou se imaginar ali, no meio da rua, caído. Por um momento pensou no quão ridículo deve ter parecido.

Foi arrancado de seus pensamentos por uma sonora exclamação feminina.

- Ah! Você.

Sentiu seu corpo se retesar, sabendo que o que estava por vir não era bom. Virou-se o mais lentamente que podia, tentando retardar o máximo possível o momento em que teria que encarar a mulher ao seu lado.

- Você se recuperou muito bem, não? - Ele a olhou discretamente de cima a baixo. Lembrava-se dela. Era a mulher que estava com Francis no dia do seu acidente. Ela o olhava com desprezo, mas, em uma fração de segundo, piscou e alterou sua expressão, como se mudasse de ideia. Olhou em volta, com um ar inocente. - Está quente hoje, não está?

- Sim... - Ele franziu o cenho e respondeu, apesar daquele ser um dia agradável de outono. Não se sentia nem um pouco tentado a prolongar o momento. Olhou o rosto da mulher e decidiu que tinha que comprar alguma coisa no mercado. Qualquer coisa. - Com licença, eu preciso...

- Por que não entra e toma algo gelado?

- ...Obrigado, mas eu realmente preciso ir ao mercado. - Respondeu, estranhando a pergunta repentina. Aquela mulher estava assustando-o com aquele jeito casual de quem se conhece há anos. Ele Começou o que esperava ser o início de uma curta caminhada até o mercado, mas foi impedido pela mulher que segurou seu braço instantes antes.

- É mesmo? O que vai comprar? – Ela falou num tom casual, apesar daquela ser mais uma pergunta estranha. Matthew não quis ser grosseiro. Começava a duvidar da sanidade mental da mulher.

- Ah, é... - Estava ganhando tempo. - Sorvete. - Disse finalmente. –Está quente hoje. – Sorriu com a resposta que lhe pareceu brilhante.

- Ah vamos, na minha casa tem um grande pote. Você pode tomar o quanto quiser. – Percebeu que, na verdade, não fora tão brilhante assim.

- Não, eu realmente...

- Não aceito recusas. - Ela deu um sorriso que provavelmente chamaria de simpático, mas que, aos olhos de Matthew, parecia um tanto bizarro. Seus olhos não sorriam. Sem dar tempo a Matthew de pensar, ela o empurrou pra dentro dos limites da casa, onde parou por um instante e procurou pelas chaves em uma bolsinha pendurada ao ombro. - Onde está essa porcaria...

- Olhe, eu realmente...

- Ah, achei! - Ela exclamou, contente.

Ela destrancou e empurrou a porta bruscamente. Conduziu Matthew com a mão em suas costas para dentro e, logo em seguida, fechou a porta atrás de si, trancando novamente da forma mais discreta que conseguiu.

- Fique a vontade. - E deu mais um daqueles sorrisos amarelos que estavam à beira de causar calafrios no garoto. Logo em seguida ela se lançou para dentro da casa, e Matthew se viu sozinho na sala de estar.

- Com licença... - Ele murmurou, mais para si mesmo, ao se sentar no sofá. Se sentia acuado, deslocado. Só conseguia pensar em ir embora. Após um tempo que Matthew não soube determinar ao certo, ela voltou, sorridente.

- Ótimo! Estamos sozinhos. Vamos poder conversar. - Ela jogou uma piscadela conspiratória, em seguida se aprumou. - Tenho baunilha e morango. Qual você prefere?

Ele demorou um pouco para entender aquela pergunta, absorvendo a frase dita antes.

- Baunilha é um dos meus favoritos.

- Verdade? Já volto então.

E ela voltou, com duas taças com bolas de sorvete de cores diferentes. Entregou uma a Matthew e sentou-se no sofá ao lado.

- Vamos, relaxe. - Ela disse, incentivando-o com mais um de seus sorrisos.

Agradeceu quando recebeu o sorvete e agora mexia nele como se estivesse criando coragem para tomar aquilo. Não mentira quanto a baunilha ser um dos seus preferidos, mas Matthew estava totalmente desconfortável. Agora parte de sua mente tentava considerar o que seria pior: estar ali ou com Francis. A outra parte tentava bolar um jeito de escapar da agonia que era estar ali, mas, após alguns segundos de reflexão, decidiu que devia aproveitar o momento e conseguir umas respostas.

- Então – Ela começou. - O que você faz? Provavelmente está na faculda...

- Você e Francis estavam se beijando naquele dia?

Um silêncio tenso preencheu o ar, enquanto ela levava a colher com sorvete à boca.

- Você é do tipo direto, então. - Ela disse entre uma risada sem jeito. - Tudo bem. Estávamos. - Ela o olhou como se desculpasse. - Você... Tinha algo com ele?

Matthew demorou a responder. Mexia em seu sorvete semi-descongelado, mas não estava realmente prestando atenção ao que estava fazendo. Pensava no quão bobo era.

- Não. - Mentiu.

- Olhe, eu conheço Francis há anos. Ele sempre foi assim. Nunca o vi em um relacionamento sério, de verdade. Especialmente com um... - ela pigarreou. - um homem.

Ele acenou com a cabeça, os olhos focados na taça que tinha nas mãos e um vinco na testa, como se pensasse a respeito. Megan não fazia ideia do que se passava pela cabeça do garoto, mas aquela expressão no rosto dele a irritou. Ele era realmente adorável, sem fazer o menor esforço. Conquistara a atenção de Francis sem o menor esforço. Ela trincou os dentes.

- Mas sabe... - Empertigou-se. - Algo que me faz pensar é que... Ele sempre voltava pra me ver, sabe? Depois de sair com todas, ele sempre voltava pra mim. - Sorriu internamente ao ver o desconforto de Matthew. – Como se eu fosse especial, ou algo do tipo. Inclusive naquele dia...

- Ouça. - Ele a interrompeu, finalmente erguendo o olhar para encará-la. Não deixaria aquela mulher pisar nele daquela forma. Já conseguia se sentir um lixo só com os próprios pensamentos. - Você nunca teve a sensação de simplesmente ser a segunda opção, a mais fácil? Aquela que ele escolhe quando nenhuma mais está disponível?

Por um instante ela congelou, e Matthew a ficou encarando. Ela franziu os lábios, e ele teve a impressão de ver as mãos da moça tremerem. Ela direcionou os olhos lentamente para Matthew, arregalados, formando uma carranca.

- Você é um garotinho bem atrevido, não é mesmo? Haha. Claro que não. Francis não é assim. Ele... Ele é... Ora... Você...

- Desculpe. - Num instante sua coragem diminuiu. Ele olhava para aquela cena e sentia um misto de culpa e terror. Aquela mulher agora parecia absolutamente louca, mas de um jeito de Matthew quase podia entender, a ponto de sentir-se mal com aquilo. - Eu vou... Vou pra casa...

- Não! - Ela parou um instante, pensando rápido. - Você... Ainda não comeu o bolo.

Ela se levantou bruscamente e arrastou-o até a cozinha, puxando-o pelo braço. Matthew parou no meio do caminho, livrando-se de seu aperto e virando-a, como uma boneca de pano, para si.

- Pare! Não já tivemos o suficiente? – Ele não se referia à comida, apesar de ainda segurar o sorvete intocado em uma das mãos. Eles estavam parados no meio do corredor, ele com os olhos fixos nos dela, que agora transbordavam de ódio e frustração.

- Você não entendeu?! Francis só pode ser meu! - Ela puxou seu braço com força, livrando-se de Matthew.

- Eu... Eu não...! - Ele olhou para o lado por um momento de dúvida, mas logo tornou a olhar a mulher. - Eu vou desistir de Francis. Definitivamente vou esquecê-lo. – Falar aquilo era admitir que sentia algo por Francis, mas queria deixar claro que era por pouco tempo.

Megan pareceu surpresa, mas logo se mostrou determinada novamente.

Ela sussurrou alguma coisa para si que Matthew tentou decifrar. Ouvira, mas não acreditava que, de fato, ela dissera aquilo. Fitou a mulher à sua frente por instantes, a expressão abobada. Ela continuava murmurando.

- Eu vou ter que... Você não pode...!

Ao que Matthew afastava a cabeça em receio, ela lançava-se em sua direção, grunhindo, as mãos esticadas em direção ao pescoço do mais jovem. Ele era uns bons centímetros mais alto que ela. Ele derrubou o sorvete no chão e segurou seus ombros, tentando afastá-la, mas as mãos da moça o tinham agarrado forte pelas roupas e o pescoço, e lhe causavam hematomas e arranhões com algum sangue.

Apesar de toda a luta e esforço de ambos um contra o outro, foram capazes de ouvir o som da porta da frente se abrir, e uma voz masculina chamar.

- Megan?

Ela ofegava e gritava alucinadamente, sons audíveis para quem estivesse num raio de 10 metros de distância. Passos se aproximavam rapidamente do local onde eles estavam.

- Megan! - Exclamou o homem, e Matthew sentiu a determinação de Megan falhar tempo o suficiente para que ele afastasse os braços dela se si e desse alguns passos para atrás e projetasse os braços pra frente, empurrando-a para longe.

Matthew direcionou o olhar para o recém-chegado. Era um homem de meia-idade usando um chapéu na cabeça e carregando uma sacola com legumes que tinha ido parar nos cotovelos quando esticou os braços para pegar Megan antes que ela batesse na parede ou caísse. Seu rosto demonstrava total desapontamento. Ele olhou de Megan para Matthew, e sua cabeça se balançou em desaprovação, como se uma criança estivesse repetindo o mesmo erro mais de uma vez.

- Megan...

- Titio, esse homem merece...! - Ela olhou para o tio e deixou a frase morrer na garganta.

- Retire-se, meu jovem. – Ele olhou para Matthew e anuiu, incentivando-o a sair.

- C-com licença.

Matthew soltou o ar com força depois de se afastar daquela casa. Louca. Aquela mulher só podia ser louca. E o que mais o preocupava era que tudo aquilo era por causa de Francis. Ele andava pelas ruas pensando sobre a situação que tinha sido criada em volta de um simples acontecimento: Ter conhecido Francis.

Notou que, junto com todos aqueles bons momentos - o calor em seu peito, a satisfação de não estar sozinho, as risadas, as novas sensações e capacidade de perceber as pequenas felicidades - vieram tantos problemas, confusões e decepções que, em tal dimensão, Matthew não sabia mais dizer se estava realmente valendo a pena. Seguia para casa pensando sobre o que fazer quando ouviu uma voz o chamar de volta para a realidade.

- Matthieu! - Era Marianne. Ela o alcançou, e Matthew tratou de abaixar o capuz e esconder as marcas no pescoço o mais depressa possível. - Por onde você esteve? Fiquei preocupada quando vi Francis chegar desacompanhado...

- Ah, Anne, eu... Eu tive que ir a um lugar. - Ele dava passos discretos para trás, tentando não deixá-la chegar muito perto, escondendo os machucados. Quando notou a boca de abrindo para dizer alguma coisa, ele a interrompeu: - Eu já estava voltando. Você vai comprar alguma coisa do mercado? – Desconversou.

- Non, eu esta...

- Bom, vou em frente então. Preciso... - Parou. Não sabia pra onde ir. Não podia ir pra casa, se não encontraria Francis sozinho. Não queria ficar nas ruas, já que Megan podia aparecer de qualquer lugar. Só queria um tempo pra pensar.

Aquele intervalo na fala de Matthew se transformou na brecha que Marianne precisava.

- Sabe, Matt. - ela disse. - Muitas coisas aconteceram nesses tempos. Chego a duvidar se meu coração vai ou não aguentar. – Falou em um tom dramático, com as mãos no peito, mas logo em seguida soltou uma risada leve. - Mas se teve algo que conseguiu me surpreender foi a atenção que o Franny dedicou a você, durante todo esse tempo. Ele nunca se importou tanto com alguém. Nem mesmo comigo. – Revirou os olhos e sorriu, debochando de si mesma.

Matthew ergueu os olhos do chão para ela. Não sabia, mas naquele momento seus olhos pareciam demonstrar a surpresa e a ponta de esperança que Matthew também não tinha percebido que sentia.

- Devo admitir que, no início, não gostava do modo como ele olhava... – Ela parou um pouco. – Na verdade ainda olha! Pra você. Mas isso é só inveja minha. – ela deu um sorriso terno enquanto olhava pra Matthew. – Na verdade eu só queria deixar meu irmão feliz, bem como você faz. - Admitir aquelas coisas a deixava um tanto envergonhada, mas sentia que Matthew precisava ouvir cada palavra que tinha a dizer. – Mas acho que isso depende de um sentimento que ele tem por você e não tem a menor chance de ter por mim.

- Qual? – Ele avançou um passo na direção dela sem perceber, transbordando ansiedade.

- L’amour, Matt. – Ela sorriu, depois assumiu um ar conspiratório. – Daquele que faz duas pessoas fazerem muito barulho e rolarem a noite inteira na...

- É-É diferente, Anne! Francis e eu não...

- Não se preocupe com particularidades como gênero. Hoje em dia nada disso importa. – Ela agitou uma mão no ar, o gesto demonstrando o grau de importância que ela dava para aquela preocupação.

- Não era isso, era que... - Ele olhou em volta, desconfortável. Não gostava de falar sobre sentimentos, principalmente com a irmã de quem era alvo dos seus sentimentos. Principalmente na rua.

- Vem, vamos sentar ali. – Ela passou os braços pelo ombro de Matthew, agradecendo aos saltos que usava, e o conduziu até um banco de concreto que se encontrava a alguns passos dali, próximo à orla. O vento agitava os cabelos de Matthew, cobrindo seu rosto, e Marianne percebeu que ele se sentiu mais confortável com esse mínimo motivo para manter a cabeça abaixada. Ele Suspirou.

- Acho que está enganada sobre o que Francis sente por mim. Tem uma mulher...

- Não não não! Nada disso! Qualquer um que se envolva tão profundamente nos cuidados de alguém como ele fez com você no mínimo se importa demais. E por favor, não contrarie uma parisiense nata no quesito amor. Muito menos a irmã caçula que conhece e sabe como o irmão agiria em condições normais.

- Envolver nos cuidados?

- Ah, você não teve como saber. Ficou inconsciente por quase três dias! Tudo bem. Francis não saiu do seu lado, Matt. Desde o momento do acidente até a hora de acordar. Ele o acompanhou até o hospital, conversou com médicos, virou a noite pesquisando. Parecia outra pessoa! E terrivelmente cansado e abalado também. Sei da existência de uma mulher na vida dele – ela fez uma careta – mas acredite em mim quando digo que ela não é alguém especial. Francis nem chegou a descer para conversar com ela, quando ela entrou no hospital! Recusava-se a ficar distante de você, mon cher. – Ela bateu o indicador no nariz dele, com expressão de quem já tinha ganhado a aposta.

Matthew olhava para a amiga, os olhos arregalados tentando absorver tudo o que fora dito enquanto ela tentava impedir que o vento bagunçasse demais seus cabelos. Ela soltou uma risada leve.

- Aquilo foi muito engraçado. Já que Francis não desceria para vê-la, ela deu um jeito de subir. Apareceu bufando nos corredores, marchando decidida em direção a Francis. Foi a primeira vez que vi Franny se irritar de verdade. Expulsou-a, dizendo que ela não deveria estar aqui e mais uma série de coisas malvadas. – Ela sorria como se pensasse “bem feito”. – A diversão não durou muito. Logo apareceram enfermeiros para acabar com a briga.

- Wow. - Matthew riu, um pouco mais animado agora. Talvez aquilo, aquele sentimento que Anne tentava provar realmente existisse. Uma possibilidade ínfima na mente do garoto, a qual Matthew agora se agarrava.

- Ele estava péssimo com essa sua amnésia, Matt. E a expressão que ele tinha quando chegou à pousada hoje também não era muito boa.

Ele encostou as costas no banco, a expressão séria, pensando.

- Talvez você devesse falar com ele. - Ela disse, tocando o braço do garoto.

Matthew olhava fixamente a sua frente quando meneou com a cabeça, concordando.





Matthew estava parado em frente à porta de Francis havia certo tempo. Não tinha sequer batido. Coisas demais estavam acontecendo, e sentia que sua cabeça ia entrar em parafuso com tantas coisas para processar. Achava que nada mais seria capaz de fazê-lo procurar Francis por livre e espontânea vontade, até conversar com Anne. Mesmo assim, o garoto se incomodava por estar disposto a se aproximar de Francis depois de tudo o que ouviu de Megan - parte de si dizia que estava sendo idiota, martirizando-o, contudo, reuniu a coragem que Anne havia lhe dado e foi ao encontro de Francis.

Agora estava ali, de cara para a porta do mais velho, sofrendo com os conflitos internos.

Começou a se perguntar: o que realmente queria? A resposta era estupidamente clara e óbvia. Queria ver Francis. E o que o impedia? O passado de Francis, que insistia em retornar a sua memória. Mas que mal o passado - ou presente, talvez - de Francis o causaria? Matthew corria o risco de ser enganado. E isso o faria sofrer mais do que aquela distância beirando o insuportável? Matthew não sabia dizer. Mas se evitasse aquilo tudo, ao menos teria a sensação de ter se preservado. Mas Matthew podia simplesmente evitar contatos íntimos.

Com essa nova decisão em mente, ele adentrou o quarto de Francis num impulso.

- Matthieu...? – Pego de surpresa, Francis o olhava com uma mistura de choque e dúvida. Matthew não atentou para nada em volta, apenas para o homem sentado próximo à janela, limpando os dedos com uma flanela.

- Francis! – Parte da euforia saiu em sua voz, e ele deu um passo em direção ao maior.

Os olhos de Matthew percorreram todo o corpo de Francis. Ainda usava as roupas daquela manhã e tinha os cabelos presos com uma fita. Ele se levantou e caminhou em direção a Matthew, a passos largos e firmes, mas de certa forma apressados. O mais novo deu um passo para trás ao perceber a determinação nos olhos de Francis, mas o mais velho decidiu ignorar o significado daquilo. Passara todo aquele tempo pensando no beijo que recebera mais cedo, em cada detalhe do momento, e agora sentia absurda necessidade do mais novo. Envolveu sua cintura e o puxou para si, fazendo Matthew entrar mais ainda no quarto, o suficiente para que Francis conseguisse fechar a porta. Avançou para o menor de tal forma que fez com que Matthew encostasse as costas contra a porta fechada com um baque leve. Ambas as mãos de Francis voaram para o rosto de Matthew, onde o seguraram para que Francis o beijasse.

No início Matthew pareceu recuar, mas segundos depois Francis sentiu uma mão hesitante nas suas costas, e tomou aquilo como permissão. Seus lábios ávidos passearam até a base do pescoço de Matthew, uma de suas mãos entrou por baixo da camiseta que Matthew usava, explorando aquela região. Matthew inclinou a cabeça para trás, dando-lhe espaço. Francis parou.

- Francis... - Matthew disse, num suspiro. Percebeu que ele não continuaria o que tinha começado. - O que houve? - Matthew abriu os olhos que percebeu estarem fechados. Abaixou a cabeça para olhar para Francis, e encontrou olhos inquisidores.

- Minha pergunta. O que aconteceu, Matthieu? - Francis percorreu levemente com o polegar os arranhões encontrados.

O menor empurrou levemente o outro, que deu alguns passos para trás, dando-lhe espaço. Matthew começou a se recompôr, relembrando seus planos antes de entrar no quarto. Mexeu na camiseta, escondendo as marcas.

- Matthieu...

- Eu falei com Megan. - ele focava no chão ao lado de Francis, onde ele estava sentado. A flanela que o mais velho estava usando para limpar as mãos estava ali, com manchas laranjadas, amarelas, vermelhas e azuis.

Os olhos de Francis se arregalaram, e uma confusão de pensamentos o atingiu.

- Como... O que... Por... - Ele soltou o ar com força, pressionando a base do nariz. Tinha que organizar seus pensamentos. Prioridades primeiro. - Ela que fez isso?

O olhar de Matthew havia subido gradativamente. Olhou o banquinho, a madeira que apoiava a tela grande e branca, com algo no centro – um desenho à tinta à óleo, uma mistura de tons na horizontal e uma figura radiante no centro - tentando surgir. Ao lado daquele havia mais quadros, com a mesma figura radiante. Cabelos balançando, lábios sorrindo, um corpo masculino e um par de olhos vistos de cima. Todos os quadros tinham o pôr-do-sol como plano de fundo.

- O que é aquilo...?

Algo na sua memória lampejou. Já tinha visto aquelas pinturas, quando a última, dos olhos, ainda estava sendo pintada. Lembrou-se que aquela figura era ele. Era Matthew. Aquilo era como Francis o via. Como aquela figura radiante. Aqueles eram os pequenos detalhes de Matthew que Francis queria guardar e ter consigo para sempre.

Ele olhou para Francis, que olhava para si, esperando uma resposta.

- Naqueles quadros... Sou eu?

O francês fechou os olhos e meneou com a cabeça uma vez.

Matthew sentou-se na cama, absorvendo aquilo. Olhava dos quadros para Francis, de Francis para os quadros. O olhar no rosto do mais velho parecia demonstrar um sentimento profundo que fazia as bochechas de Matthew esquentarem.

- Matthieu... - Ele sentou ao lado do mais novo na cama e virou-se para encará-lo. Tocou o rosto do menor e descreveu círculos com o polegar pelo pescoço do mesmo até os machucados. Matthew engoliu em seco, afastou a mão de Francis e contou tudo o que acontecera desde o momento em que se separaram naquela manhã.

Um suspiro pesado fez-se ouvir da boca de Francis.

- Eu sinto muito por isso, mon cher.

Matthew sacudiu a cabeça, como se não desse importância, mas Francis sabia que dava. Estava claro em cada vinco da sua testa, cada fuga das investidas de Francis - tocando seu rosto, cabelo, pernas - e cada olhar furtivo para o chão. Aquilo destruía Francis por dentro, mas não podia culpá-lo. Logo o francês percebeu que só havia uma solução. A decisão mais difícil, mas necessária para terminar toda a confusão na vida do mais jovem causada por ele. Ele engoliu em seco e olhou para Matthew, que fitava o chão.

- Escute. - Ele começou. - Não precisa se preocupar. Eu vou falar com a Megan, e depois... Nós vamos voltar para a França.

Quando Francis disse "nós", Matthew sentiu como se levasse um soco no estômago, e seus músculos se retesaram. Apesar de tudo, ela estava certa. Francis sempre voltaria pra ela. Olhou para Francis, chocado, mas voltou o rosto rapidamente para o chão. Não queria demonstrar nenhum abalo com aquela frase.

- Não é...! Ah, droga, Matthieu! Não é como se eu fosse voltar com a Megan! Quer dizer, vamos voltar pra França, mas não... Argh, droga! - Ele virou o rosto de Matthew em sua direção e o segurou ali, encarando aqueles olhos úmidos. - Je t'aime, mon petit. Como nunca amei alguém.
Os olhos de Matthew se encheram de água - lágrimas - e ele empurrou bruscamente a mão que o segurava pelo queixo para então levantar-se e ir embora.

No corredor, Matthew esbarrou com Marianne.

- Ah, Franny, eu falei com...! Ah... Oi, Matt.

Ele olhou para o lado, tentando esconder o rosto, e acenou com a cabeça.

Mais tarde foi possível ouvir gritos de indignação de Marianne com o seu irmão no quarto que ficava a alguns metros do de Matthew. No dia seguinte, ela veio falar com Matthew. Abraçou-o e disse que sentiria saudades. Arrumou as malas dos dois enquanto Francis passava o dia inteiro fora. Marianne fez questão de saber o endereço da casa de Matthew nos EUA, seu número de celular e e-mail. Prometeu manter contato.

No dia seguinte eles partiram.





Meses se passaram, e Matthew nunca mais ouviu falar de Megan ou Francis. As feridas cicatrizaram - tanto as do acidente quanto as que Megan o causou - e a única coisa que provava que todo aquele alvoroço realmente aconteceu eram os e-mails semanais de Marianne.

Numa sexta feira - dia que Marianne mandava notícias - Matthew abriu a caixa de entrada e encontrou um e-mail de Marianne entitulado "Aide”.

Matthew perdeu a conta de quantas vezes lera aquele e-mail até compreender completamente o que ele queria dizer.

"Caro Matthew,

Eu vinha evitando falar do meu irmão ou de tudo o que aconteceu durante nossa viagem ao Canadá, mas hoje decidi quebrar essa regra um pouquinho, pois a situação de Francis começa a me preocupar de verdade. Contarei tudo o que aconteceu desde o último dia da nossa estadia com sua família.

Meu irmão parecia diferente naquele dia. Não falava, não ouvia - ou fingia não ouvir - qualquer coisa que eu dissesse, e encarava pontos fixos. Estava terrivelmente melancólico. Embarcamos, e durante todo o voo ele se isolou em um mundo só dele. Contudo, logo que chegamos à França, meu irmão voltou a falar comigo - para o meu alívio -, mas a primeira coisa que saiu da sua boca foi a sua ideia de mudar de endereço. Discutimos, mas por fim ele acabou se mudando de fato para um pequeno apartamento em Saint-Etienne.

Mas Francis continuou estranho; Já não saía como antes, agora vivia trancado em seu estúdio, desenhando, mas nada de fato saía bom. Durante algumas noites que passei em sua casa eu o ouvia jogar coisas ao chão e às paredes - telas, tintas e pincéis. Estava terrivelmente frustrado. Cheguei a olhar alguns dos desenhos dele; todos eram em tons escuros e confusos.

Apesar de ter cortado relações, Megan chegou a procurá-lo algumas vezes através de mim – Não conseguiu nada, é claro. Aliás, faz tempo que ele não sai com garota alguma e, apesar disso muito me agradar, Franny parece infeliz de fato. Sem vontade para nada.

E é por isso que o assunto de hoje é esse, Matthew. Recentemente, o homem de quem Franny vivia tagarelando sobre como era influente, sócio de um grande museu aqui – o Museu de Arte Moderna -, veio finalmente visitá-lo e viu as pinturas de Francis. Interessou-se pelas pinturas que ele criou durante o tempo que esteve no Canadá – sim, as suas pinturas - e o convidou para expô-las em seu museu durante uma semana. E aí está o problema. Meu irmão não pretende expor essas pinturas. Você entende, Matthew? Ele está desistindo de um sonho. Eu torço muito para que meu irmão alcance o sucesso que deseja, e essa exposição seria um grande salto em sua carreira.

Peço sua ajuda, Matt. Sei que Francis ainda pensa em você, e se você falasse com ele, talvez ele mudasse de ideia. Desculpe se isso o incomoda – sei que é um pedido egoísta – mas, só dessa vez, gostaria que você tentasse fazer isso por ele. Ou por mim, você decide.

De sua amiga, Marianne.”





Diferente de todas as vezes em que trocaram e-mails, Matthew demorou mais de um dia para enviar uma resposta. Marianne achava completamente compreensível, mas na tarde de segunda-feira estava tão inquieta que não conseguia manter-se em uma posição por mais de um minuto. Apesar de estar no trabalho, ele não parava de checar a caixa de entrada dos e-mails, atualizando-a constantemente. As tarefas iam se acumulando, e já tinha sido chamada atenção duas vezes. Até que a resposta finalmente veio:

Marianne,

Gostaria de conversar com você sobre isso. Quando você tem um tempo?”

Ao chegar à sua casa, Marianne ligou o computador e iniciou uma videoconferência com Matthew.

- Oi, Anne. Como vai?

- Matt, por favor, sem mais delongas. Você me fez esperar por três dias.

- Ok. - Ele sorriu, mas logo em seguida ficou sério. - Anne, você realmente acha que eu faria qualquer diferença falando com ele?

- Sim. Quer dizer, estou tentando qualquer coisa. - Respondeu, brevemente. Ela não queria dizer tudo o que realmente planejava. Francis guardava aquelas pinturas para si porque elas eram o máximo que tinha de Matthew. Se tivesse mais de Matthew, talvez...

- Entendo. Mas... O que eu poderia dizer?

- Matthew, só a sua presença já seria um novo ânimo para ele.

- ...Presença? - Ele recuou um pouco, os olhos arregalados em surpresa. - Achei que você só estivesse me pedindo para falar com ele.

- Ora Matthew, vamos... As férias de verão estão chegando, nada melhor do que um passeio dans les ruelles de l'amour. - Ela sorriu e piscou, indicando que a frase tinha mais de um sentido.

- E-eu já não sinto nada por Francis. - Matthew franziu o cenho, mas quando ele começou a brincar com um fio solto na camisa, Marianne soube.

- Sim, sim. E o meu segundo nome é discrição.

- Você é totalmente escandalosa, Anne.

Ela sorriu e ergueu as sobrancelhas. Matthew suspirou pesadamente.

- Tudo bem. - Ele disse.





Francis andava – ou melhor, era arrastado – pelo grande salão do Museu de Arte Moderna. Enquanto Marianne tagarelava sobre obras e nomes de autores que ela tinha decorado para aquele dia, Francis corria os olhos entediados pelas pinturas nas paredes, se perguntando, pela quinquagésima vez, o porquê de ter aceitado sair com Anne naquele dia.

- Olha Francis, olha essa! É realmente muito boa.

- É péssima, Anne. E eu não estou realmente interessado.

- Ora Franny, você tem que conhecer seus concorrentes! Quando seus quadros vierem...

- Anne. Eu já disse que não vou expor aqueles quadros.

Ela se virou para o irmão mais velho e seus lábios se transformaram num grande bico, demonstrando todo o seu aborrecimento para com o irmão. Eles pararam por um precioso instante, suficiente para que Francis conseguisse se livrar do aperto em seu braço que sua irmã causava ao puxá-lo. Ela desviou o olhar de Francis para olhar em volta, até que parou e sorriu.

- Por exemplo, esta tela, eu não vejo o mínimo de...

- Francis! Olha quem está ali!

Algo em Francis murchou enquanto ele grunhia. Sabia que se saísse muito, fatalmente encontraria uma mulher que o procurava, e ele já não tinha mais paciência para lidar com outra além da irmã.

- Não podemos simplesmente...

- Non, não podemos! Olhe logo!

Francis virou-se aborrecido, murmurando um “aonde” e seguindo a direção em que o dedo esticado de Marianne apontava. Uma figura – mais alta que Anne, mais baixa que ele – estava parada ali, de frente para um quadro grande, analisando-o de perto. Tinha cabelos dourados como palha que ondulavam até próximo dos ombros, com uma única mecha cacheada rebelde apontando para cima. Francis não tinha visto seu rosto ainda, mas ao sentir um descompasso no peito, soube.

- Matthieu. - Murmurou.

A figura se virou. Os olhos de cor púrpura, escondidos atrás dos óculos, sorriram um tanto tímidos, com as bochechas vermelhas, e os lábios que se moviam formando uma só palavra.

- Francis.



Você pode até esquecê-lo, mas ele não vai esquecer você.”


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Notas finais do capítulo

Heheheh.
Em primeiro lugar, gostaria agradecer a quem leu tudo isso. Obrigada, você é um verdadeiro guerreiro! Essa one-shot (sei nem se posso chamar assim) tá enorme x-x E estava maior, mas eu cortei algumas partes e tal, então se algo não estiver fazendo sentido...
Em segundo, desculpem pelo final aberto. Eu planejava de verdade fazer eles felizes para sempre no final, mas aí eu tentei me colocar no lugar do Matthew, e eu acho que não me sentiria muito bem dando uma segunda chance muito fácil depois de ver e ouvir o que ele viu e ouviu. Não sei se vocês me entendem x3 Enfim, pra fazer um final com eles se amando, eu teria que desenvolver um pouco mais, e ficaria ainda maior, a ponto de deixar de ser capítulo único. Mas, hey, quem disse que eles não estão se amando no fim que escrevi? Estão, sim. Só que secretamente. (???????)
Em terceiro lugar, apesar de que devia ser em primeiro, ou não, não estou ligando pra ordem, gostaria de agradecer a todos os meus amiguinhos que me incentivaram e me deram força pra postar, principalmente à Juliana e ao Patrick, que me deram ideias quando eu não tinha nenhuma e que tentaram me mostrar que pessoas normais não fariam o que eu escrevi (Ênfase no "tentaram", antes de dizerem que ainda tem coisa sem sentido aqui fdaçshdjk). Vocês são uns lindos ♥

Agora vamos falar de como essa fanfic nasceu. Bom, eu tive a primeira ideia pra ela há um ano e meio atrás, mais ou menos, quando decidi que voltaria a escrever (Uns 5 anos atrás eu postava fanfics aqui. Apaga esse passado, senhor). A ideia veio enquanto eu ouvia "Secret Base", encerramento de Ano Hana. Eu escrevi várias páginas no caderno, só que escrevi em pedaços descontínuos, sem saber como fazer as coisas que estavam na minha cabeça acontecerem. E também, quando eu passei pro word, eu vi que tava grande demais pra uma one-shot e, apesar de eu ter pensado em simplesmente transformar em uma longfic, eu meio que deixei a fanfic quieta. Esse ano, eu decidi chutar tudo e reescrever a história, um pouco menor, pra que conseguisse passar por one-shot q Muitas partes foram cortadas - como eles se conhecem, a noite dos fogos de artifício (que realmente acontecem! São tipo vários países competindo e tal https://www.youtube.com/watch?v=q7qA1VCzDoI ), o acidente e, principalmente, o porquê do título ser "Sunset". Vou explicar, apesar de ter vergonha por achar meio bobo: A ideia pro título veio do trecho de uma música de vocaloid, TwiRight Prank, onde eles dizem que um é a noite e o outro é o dia, e se eles derem as mãos, eles formam um céu laranja (o pôr do sol). Trazendo pro Francis e o Matthew, eu pensei no estilo de vida e personalidades totalmente diferentes dos dois (ou nem tanto). Isso me fez pensar que eles eram opostos, como a noite e o dia, então, se eles se juntarem, eles formam o pôr do sol! :)))) êee
(caraca escrevi tanto que me perdi.)
Enfim, eu me diverti muito escrevendo essa fanfic. É emocionante estar fazendo algo útil e ao mesmo tempo gostar de estar fazendo aquilo fhsdjkagljag (apesar de agora, instantes antes de publicar, eu ainda esteja pensando se deveria mesmo postar hoje, já que ainda tem tanta coisa que eu podia melhorar...) Então, eu espero que vocês também tenham se divertido enquanto liam n-n
Pra encerrar, o clássico: Gosto de reviews, gente. De verdade. Vocês me fariam feliz. E se você é um daqueles leitores que não sabe o que dizer no review, eu te ajudo: O que você mais gostou na história? Qual a sua parte preferida? De qual personagem você gosta mais, ou gosta menos? Você concorda com a decisão dos personagens? Discorda? Gostou do final? -nnnnn Se não gostou de nada, me avisa também. Críticas construtivas são bem vindas uwu
Tá aí. Agora é só me dizer. :3 Obrigada mais uma vez por terem lido ♥ Byebye, até a próxima! n-n (ou não né)

((acabei de perceber que quem leu a história E as notas finais é duplamente guerreiro. beijos.))



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