"Minha gata, minha sina do meu condomínio" escrita por Pedro Henrique Sales


Capítulo 1
Capítulo Único




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Uma década morando naquele condomínio que completara trinta e cinco anos desde que fora construído, repleto de moradores antigos e poucos de sua idade, aquele lugar não se enquadra aos seus desejos. Cinco torres, um playground, duas quadras, uma churrasqueira. No verão, era um horror! Todos os moradores clamavam por uma piscina, ou um solário com duchas – pelo menos – para refrescarem-se daquele calor seco e rígido da bela São Paulo.

Carlton Scott passou toda sua infância no condomínio. Divertiu-se imensamente com seus fiéis amigos Steven, Michael e Allan jogando futebol ao chegarem da escola, brincavam de pique-esconde, pega-pega, bolinha-de-gude, peão, trocavam figurinhas, jogavam videogame. Entretanto, esta fase passou. Logo, a adolescência bateu em sua porta. Hormônios à flor da pele. Os desejos da descoberta o inundavam de curiosidade. Apenas na escola Carl podia sentir o gostinho do amor. Aquele sentimento puro, verdadeiro e inocente de um pré-adolescente. A vida estava começando a mostrar-lhe suas reais características. O conto de fadas surreal da infância estava deixando-o para trás. A dor da perda e rejeição começou a se demonstrar.

Steven, Michael e Allan começaram a distanciar-se. Cada um exilou-se em seu quarto e tornou o computador como única forma de divertimento e prazer, enquanto Carl questionava tal feito de seus amigos, sendo obrigado, também, a exilar-se. Porém, de uma maneira diferente: procurou consolo nos estudos diários e em livros.

Sua relação com as garotas da escola não era muito bom, pois elas conheceram seu lado infantil e assim concretizou sua imagem mesmo após ter amadurecido. Sua única saída era, realmente, sair.

Após algum tempo, começou a haver mais liberdade, o que lhe permitiu conhecer novas pessoas. Festas juninas, shoppings, aniversários, casas de amigo. Cada lugar uma pessoa nova entrava em sua vida, com o porém de todas elas morarem a léguas de distância, até o dia em que soube, pela sua irmã, Laila, que uma garota havia se mudado para o seu condomínio. Os olhos de Scott reluziram diamantes ao ouvir tamanha boa notícia como esta.

Como nos aplicativos de relacionamento daquela época, Laila enviou uma foto de seu irmão para Mary que, por sua vez, era amiga mais próxima da nova vizinha, com o intuito desta enviar à garota. “Que lindo!”, disse ela. Após a aprovação, houve o processo reverso, visto que Carl também a aprovou sem hesitações. Hannah havia caído do céu na vida do garoto, como um meteorito que atravessa a atmosfera inesperadamente. Por conseguinte, seu sonho tornou-se realidade e, nem em seus mais profundos e confidenciais pensamentos imaginara uma garota tão bela e tão perfeita quanto Hannah.

Com uma ajudinha de sua irmã, marcaram um dia para encontrarem-se no pátio do condomínio. Era uma noite de vinte e seis de junho castigado pelo frio supremo do inverno paulistano. Os batimentos de Carl aceleraram logo ao desembarcar do elevador. Havia se produzido inteirinho para conhecer a tão sonhada garota. Tomou banho, colocou uma calça skinny preta, uma jaqueta de couro, desodorante neutro, um perfume da Calvin Klein e tênis All-Star.

Ao chegar atrás de uma das quadras, foi de encontro com Hannah – uma menina linda, dos cabelos negros e encaracolados, um pouco mais baixa que ele; deslumbrante, encantadora; vestia um short jeans naquele frio rigoroso, deixando nua boa parte de sua coxa até seus pés, que estavam vestindo um lindo par de alpargatas.

Seus olhos brilhavam como o Sol, seu coração vibrava como uma britadeira, e suas mãos tremiam mais que uma cristaleira num abalo sísmico. Aquela garota o encantou. Sua fé fora restaurada após aquele dia. Há meses esperando por alguém que não fosse fútil; alguém que não fosse mais jovem que ele; alguém que se encaixasse às suas opiniões, aos seus gostos. Hannah foi, realmente, um meteoro que atravessou a atmosfera do mundinho de Carlton.

Entreolharam-se diversas vezes, embora Carl estivesse morrendo de vergonha – o que desencadeou sua feição demasiada brava, fechada. –, mas, mesmo assim, conseguiram manter um longo papo naquela noite invernal.

Ao chegar em casa, Scott desnudou-se, vestiu um pijama e jogou-se em sua cama de costas, dando uma profunda inspirada no ar, soltando-o lentamente e dizendo para si mesmo, num baixo, mas bom tom:

- Que noite maravilhosa! – Sua mente reorganizou cada momento, cada instante com que estivera junto de Hannah naquele primeiro encontro. Não conseguia esquecer de seu olhar marcante, seu nariz arrebitado e seu lindo sorriso. Também havia ficado admirado com tamanha resistência ao frio, por um usar um shortinho jeans naquelas condições. E estava preocupado, pois não sabia qual fora sua primeira impressão deixada.

Laila já havia passado o telefone de Hannah para o irmão, entretanto, para mostrar-se decente e não parecer um maníaco desesperado, resolveu não chama-la no dia em que obteve seu número, e sim esperou o primeiro encontro para passar seu próprio telefone diretamente à garota, para que ela o chamasse.

Após alguns minutos refletindo em sua cama e seu coração ter sossegado um pouco, pegou seu celular e lá estava uma mensagem de sua amada. Aprofundaram ainda mais o papo que tiveram pessoalmente, conversando bastante sobre fotos. Ambos amantes da fotografia. Ela, uma surfista praieira e urbana. Ele, um desenhista urbano e selvagem. Ela, futura cirurgiã. Ele, futuro engenheiro aeronáutico.

- “Curti muito te conhecer!” – escreveu Hannah, arrancando um longo suspiro de Carl, que respondeu como um bobo.

- “Ah eu também adorei, muito! Amei!”

E foram dormir...

Noutros dias, curtiram juntos os jogos da Copa do Mundo, vibrando incondicionalmente para o tão amado Brasil. Já em outros, desciam para o pátio e ficavam durante à noite sentados numa mesa pertinho da churrasqueira – que sempre estava fechada, exceto quando algum morador a alugava. Quando ficavam conversando, o frio os castigava. Laila também ia, acompanhada de Mary. E lá ficavam os quatro conversando, protegidos por duas mantas. Ele dividia com ela. A outra, ficava com as duas amigas. E por lá ficavam até altas horas ouvindo música, sentindo o vento cortante no rosto, observando as estrelas no céu e um se aquecendo com o calor do outro.

Passaram-se apenas seis dias desde o primeiro encontro e Carlton resolveu abrir seus sentimentos a ela, enviando-lhe uma mensagem:

- “Desde o dia em que vi tuas fotos já fiquei extremamente fascinado pelas coisas que fazes, pelas coisas que gostas e tudo mais. Finalmente nos conhecemos. No primeiro dia estava morrendo de vergonha, estava muito tenso – afinal, era a primeira vez –. Mas fui me soltando cada vez mais. Amo conversar contigo. Seu jeitinho, seu sorriso, suas opiniões, seu caráter – embora te conheça há pouco tempo, suponho que seja maravilhoso pelas conversas que já tivemos – me deixam deslumbrado. Hannah, quero ficar com você. Me segurei até agora para dizer-te isto com medo de estar precipitado, mas estou vendo que não estou. Não consegui me segurar. Me dá uma chance?” – Ele temia chegar nela desprevenida. Carl via tal ato como uma imposição à garota, a qualquer garota. E tudo que menos queria era impor que Hannah o beijasse. Teria de ser natural. Com o consentimento dela.

A resposta não poderia ter sido outra diferente de um espanto. Hannah, assim como ele, achava que nessas situações tudo deveria acontecer naturalmente – não com confirmação ou negação por mensagem. O que deixou Carl extremamente alegre.

Lera esta mensagem na manhã de seu terceiro dia de férias, uma quarta-feira gelada e cinzenta – nada diferente dos outros dias. E, no mesmo dia, ao entardecer, encontraram-se no pátio do condomínio.

Como de praxe, Carlton havia se produzido por completo. Tomara banho, colocara uma roupa bonita, se perfumara e descera ao encontro de sua donzela. Nesse dia, ela estava de calça.

Cumprimentaram-se normalmente, começaram a conversar e andar pelo pátio. Até o momento em que sentaram num banco atrás de uma das quadras. Ele a envolveu pelos braços – Carl estava extremamente desconfortável, pois havia uma mureta mais alta atrás do banco, e não tinha encosto. Porém o desconforto não lhe incomodara, pois o preferia naquele estado que ela. –. Estavam tão juntos que era possível um sentir os batimentos do outro. Os calores trocados entre ambos neutralizou aquele frio insuportável e hostil, embora Scott estivesse frio e trêmulo de tensão. Trocaram algumas palavras para terminar o assunto da hora, ele tornou a olhar para ela, que o fitou veementemente. Carl posicionou sua mão esquerda – então quente pois estava em seu bolso, enquanto a outra estava nos ombros da garota. – no rosto de Hannah, aproximaram suas cabeças, seus lábios estavam quase se encostando quando, finalmente, beijaram-se lentamente, curtindo cada segundo daquele beijo romântico, carinhoso, doce e gentil, que ficaria então guardado na memória eterna de cada um.

Após alguns minutos curtindo voluptuosamente aquelas sensações, eles param e retomam o fôlego perdido. As mãos dele vão de encontro ao seu próprio rosto, abaixando a cabeça, abanando a cabeça e sorrindo intensamente, tanto por dentro quanto por fora. A alegria de realização o tomou por completo. Nada mais o importava senão Hannah do seu lado, junto consigo. Exceto o momento em que sua mãe os flagra totalmente abraçados, quase se beijando, no que arrancou gargalhadas de vergonha de ambos.

O tempo foi passando e os dois curtindo da mesma maneira, até o dia em que Carlton viajou para Poços de Caldas, em Minas Gerais. Distanciou-se por uma semana e, nesse intervalo, só lembrava dos dias em que estivera junto com Hannah. A paixão o estava invadindo. Não era apenas curtição. Aquele sentimento intenso, candente e grandioso estava sendo penetrado em seu coração. Como uma locomotiva à vapor e sem freio, Sir Scott assim estava. Havia entrado com tudo nesta aventura, mas mantendo sempre seu dilema: cabeça nas nuvens, mas com os pés no chão.

Certo dia – ainda em viagem –, Hannah o torpedeou dizendo que iria ao cinema com um amigo. À priori, ele pensou positivo e não encucou com isso. Afinal, eles não tinham nada sério ainda. Se ela quisesse ficar com outro garoto, quem era ele para impedi-la? Mas, certamente, ele ficaria arrasado se soubesse algo.

Chega, então, o grande dia da volta. Após ter aproveitado intensamente aquela uma semana em Poços, Carl retornou a São Paulo com as expectativas a mil!

No dia seguinte de seu retorno, ele chama Hannah para se reencontrarem. Ao descerem, Laila e Mary vão juntas, com mais um monte de crianças, fazendo com que Hannah e Scott brincassem com todas elas. E assim foi. Não tiveram tempo algum para ficarem juntos a sós. Ele queria sair, mas ela não demonstrava interesse algum para fê-lo, no que desencadeou certo pânico em Carl, que resolveu sair da quadra e sentar um pouco, com o pretexto de cansaço.

Passados alguns minutos, toda a galera parou de brincar e cada um subiu para seus respectivos apartamentos, restando apenas os dois.

Carl a acompanhou até seu bloco. Foram conversando. Ele a contou como fora sua viagem, e ela como fora sua semana. Quando Scott aproximou-se de seus lábios para um beijo de despedida, ela vira e abana a cabeça. Ele, não entendendo absolutamente nada, pergunta:

- É sério isso? – E abaixou a cabeça como um cão perdido e sem dono.

- Sim, Carl. – respondeu Hannah tristemente ao ver a feição de seu parceiro.

- Por favor, me dá um abraço. Pelo menos um abraço. – apelou, com o coração na boca e as lágrimas desejando serem jorradas para fora de seu olho.

E abraçaram-se.

Carlton, ao chegar em seu apartamento, logo lembrou do dia em que Hannah saiu com um “amigo” ao cinema, enviando-lhe uma mensagem:

- “Chorar significa amar? Eu não sei. Só sei que tenho um carinho muito especial por você. Desculpa não conseguir controlar meus sentimentos. Eu não sabia. Perdoa-me.”

A desolação o penetrou profundamente. As luzes de um holofote ainda seriam as trevas para Carl naquele momento. Não havia luz. Não havia consolo. Não havia cura alguma senão um beijo dela. Naquele dia, Scott teve a certeza de que realmente estava amando Hannah. Uma garota quase dois anos mais velha que ele, culta, inteligente, linda, delicada. Era a menina dos olhos. Carlton sempre apresentou uma maturidade acima dos colegas de sua idade. Portanto, não tinha olhos para menina alguma de sua idade, a não ser que fosse madura o suficiente para relacionar-se com ele. Mas Scott havia encontrado sua garota, e ela era Hannah!

O real fato que os separou não foi a diferença de idade, e sim a diferença de liberdade. Ele ainda não podia sair para onde quisesse; ela saía frequentemente com amigos para quaisquer lugares. Ela tinha quase 18; e ele ainda quase 16. Querendo ou não, ela já estava com o pé na maior idade e tinha como relacionar-se com outros meninos de sua idade e com a liberdade proporcional à sua. Isso impulsionou o término dos dois. O amigo de Hannah do cinema era dotado de liberdade; Carlton Scott, não.


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