Quanto é necessário para amar? escrita por Yuui C


Capítulo 1
Eu definitivamente não sabia dizer.


Notas iniciais do capítulo

A história foi escrita ao som de "Aru ga Mama" da Anamu & Maki, segundo encerramento de Nabari, para os curiosos. A história tem o compasso da música. Boa leitura!



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Ainda estávamos no inverno.

— Por aqui! – Gritei, virando-me para trás e acenando. Ele vinha um pouco mais atrás a passos lentos.

O vento frio nos atingiu, balançando algumas árvores. Ele olhou para elas, os cabelos negros balançando com a brisa. Seus olhos tinham um brilho levemente melancólico; era como se o cenário em volta lhe desse uma sensação amargamente reconfortante.

Pisquei, chateado. Não gostava de ver essa expressão impressa em seu rosto. Mas às vezes parecia inevitável.

Tão logo ele aproximara-se, virei-me, continuando pela pequena trilha. Pulava sobre algumas pedrinhas, equilibrando-me nelas, fazendo graça. Por pouco não caio, quando uma escorregara sob minha sola; ele riu baixinho com a cena.

— Ah! Logo ali! – Apontei para um parapeito logo à frente. Corri até ele, não esperando resposta do outro. Sorri ao debruçar-me ali, admirado com o cenário. – Yoite! Vamos, venha logo! – Acenei uma vez mais para ele, correndo para uma pequena escadaria que estava ao meu lado.

Conforme descia pelos degraus, ia arrancando os sapatos e as meias, segurando-os nas mãos. Quando cheguei ao último, saltei, deixando que meus pés encostassem na areia fina e macia. Afofei-a um pouco, deixando que os grãos entrassem pelos meus dedos, sorrindo.

— Yoite, venha! – Chamei-o, já correndo para a beira da pequena praia. Parei próximo ao mar, virando-me e assistindo-o descer os degraus com certa cautela.

Yoite não imitou-me, entrando na praia com os sapatos. Eu o compreendia, afinal, ainda estava muito frio. O vento era cortante e, ainda que o Sol batesse ali com frequência durante os dias, a areia continuava fria.

Percebi que seus olhos azuis sempre tão solitários agora pareciam brilhar uma vida que ele não aparentava. Sorri mais aberto, dando meia volta e começando a correr pela orla da praia, chutando a água às vezes.

— Né, Yoite, eu disse que esse lugar era bonito! – Gritei para ele, parando para sentir a brisa que levantava o cachecol. Ficava imaginando aquele lugar no Verão, o quão belo seria. – Yoite! – Voltei-me uma vez mais para ele, encontrando-o sentado, observando o horizonte.

Seus olhos pareciam perdidos e um leve sorriso desenhava seu rosto pálido. Meu peito se aquecia. Era essa expressão que faltava em seus dias.

Caminhei até ele, sentando-me ao seu lado. Yoite não moveu-se; as safiras mantinham-se no mar fundindo-se com o céu.

Ah, o céu.

Imitei-o, tentando captar a beleza que parecia tocá-lo. Ainda assim, o que de fato me trazia essa sensação calorosa era estar ao seu lado. O silêncio caiu sobre nós, sendo apaziguado pelas pequenas ondas quebrando à nossa frente.

Yoite estava perdido na paisagem. Olhava-o de relance, adorando a forma que seu semblante assumia. Desci o olhar por seu corpo, percebendo sua mão próxima à minha. Troquei leves fitadas entre seu rosto e sua mão, incerto do que faria.

Devagar, fui tamborilando os dedos pela fina areia até tocar os seus. Senti-o se assustar, mas não retirar a mão. Mais um pouco e eu consegui entrelaçar todos os nossos dedos, apertando sua mão contra a minha.

E assim ficamos, sem nos encarar. Sentia meu rosto arder de leve; fitava o chão, as pernas encolhidas, a bochecha encostada no joelho. Por mais que tentasse, Yoite tinha os dedos frios. Apertei mais sua mão contra a minha, esperando transmitir meu calor para ele.

Certas coisas eu não entendia, por mais que eu tentasse. Ainda assim, não deixava de ter certeza do que sentia. Perguntava-me até qual ponto tudo isso poderia ser recíproco – e se seria, algum dia.

Fitei Yoite uma vez mais, todavia ele continuava admirando o infinito além de nós. A brisa era leve, quase imperceptível à pele, mas ainda balançava seus cabelos e a ponta de seu cachecol. Quanto mais eu o observava, mais encantado ficava.

Não sei exatamente o que me moveu naquele instante, porém eu aproximei-me lentamente de seu rosto, até que meus lábios colassem em sua bochecha. A pele era macia como uma seda e estava fria pelo tempo, contudo era uma sensação extremamente agradável.

Afastei-me instantes depois e, tão logo, seus olhos encontraram os meus, surpresos, questionadores. Tentei desviar o olhar para outro ponto, apertando mais seus dedos contra os meus, desconcertado.

— Miharu. – Yoite me chamou naquele tom suave que somente sua voz tinha.

Fitei-o, incapaz de não obedecer ao seu chamado tão doce. A primeira coisa de que tive visão fora de seus olhos, estupidamente perto dos meus. Senti sua testa encostar-se contra a minha, fazendo aquelas íris azuis ficarem a um palmo de mim; eu conseguia perder-me nelas como se fossem o céu do verão.

Os narizes se roçavam, as respirações misturavam-se. Como se por instinto, começamos a fechar os olhos. E o rosto de Yoite aproximava-se mais e mais, até que...

O vento soprou forte, fazendo nossos cachecóis levantarem, acertando-nos no rosto. Tudo fora tão repentino que nos assustamos. Encarávamo-nos, piscando, ainda tentando entender o que acontecera naquele instante.

Foi quando Yoite sorriu, meio incrédulo, meio constrangido. Não conseguia entender a razão daquilo.

— Eu acho que devemos voltar. Está ficando ainda mais frio. – Fora sua afirmação enquanto levantava-se, retirando a areia do sobretudo preto. Em seguida, estendeu a mão para me ajudar.

Aceitei seu gesto, ainda que meu rosto ardesse e meu coração palpitasse descompassadamente, e o segui de volta à trilha.

Porém, a primavera estava próxima.

Caminhava tentando me equilibrar pelo meio fio. Yoite, ao meu lado, somente observava com leves ares de preocupação. Quando percebeu que eu me desequilibrava, segurou-me pelo braço.

Pude perceber ao pé do pequeno morro, onde começava a trilha, que um carro estava estacionado. Lá, duas pessoas louras esperavam: um homem e uma moça.

— Kazuho-san já está aqui. – Comentei, descendo do meio fio e parando. Yoite prosseguiu a caminhada em direção a mulher que viera busca-lo. – Yoite!

Ele parou, virando-se para mim. Ficamos longos instantes nos encarando, eu perdendo-me naquelas íris azuis que tanto me remetiam ao céu.

— Você... Vai voltar para Tokyo amanhã, não é? – Ele anuiu. Suspirei, voltando meus olhos para o céu. Estava nublado, escurecido pelo toque do anoitecer. – ... Podemos ir à praia no verão? – Questionei.

— ... Podemos? – Voltei-me para ele, assistindo-o piscar, como se não entendesse.

— Então, iremos à praia no verão! – Corri até ele, erguendo a mão e o dedo mindinho. – É uma promessa!

Quando entendeu meu propósito, Yoite sorriu, descrente. Levantou a mão e o dedinho, apertando-o com o meu.

— Sim, é uma promessa.

— Yoite! Vamos logo! – Kazuho-san o chamou. Yoite fez um leve cafuné em meus cabelos, virando-se e descendo o morro em direção à ela.

Acenou para mim antes de entrar no carro e, tão logo eu devolvi o gesto, eles partiram.

E eu só podia ansiar pela chegada do verão.

— Miharu-kun, não fique muito na varanda, o vento está frio! – Era Hanabusa-san entrando no quarto. Virei-me para ela, vendo-a com uma bandeja em mãos. Ela a deixou sobre o criado mudo.

— Né, Hanabusa-san... – Chamei-a, voltando meus olhos para o céu noturno novamente. Sorri, admirando a imensidão de estrelas que se desenhava por ele. – Quantos meses faltam para a chegada do verão?

— O verão? – Seu tom era surpreso. Voltei-me uma vez mais à ela, pegando-a pensativa com a mão no queixo. – São uns cinco meses, Miharu... Mas por que isso logo agora?

— Eu... – Fitei o chão de madeira da varanda, o vento frio fazendo os cabelos e as mangas da minha blusa voarem. – Espero que o verão chegue logo.

— Algo especial acontecerá no verão? – Ouvi os passos e, logo, Hanabusa-san estava ao meu lado. Seu semblante transmitia serenidade e seu sorriso era maternal.

— Uma promessa... – Desviei o olhar, envergonhado. Voltei a apoiar os braços no parapeito da varanda, retornando o olhar para o céu. – Eu prometi reencontrar um amigo no verão. E estou ansioso.

— Esse amigo... É o Yoite-kun? – Arrepiei-me, ficando ainda mais envergonhado. Hanabusa-san riu, doce. – Ele está indo para Tokyo amanhã, não é mesmo? Quando está marcada a cirurgia?

Pisquei, descendo a visão para a rua. Poucos carros passavam, mas aquilo não era de se estranhar. Kushiro era uma cidade tranquila na maior parte do ano, de toda forma. Durante as férias de inverno ainda mais.

— Na metade da primavera, acredito eu. – Fora minha resposta, minutos depois. Deitei a cabeça sobre o parapeito, um sentimento estranho apertando meu peito.

— Ah, entendo... Eu acredito que tudo ficará bem. O verão não está tão longe assim, Miharu. – Ouvi seu passar afastar-se. Olhei e percebi que ela já estava quase saindo do quarto. – Ainda assim, não fique aí! Entre e tome o copo de leite, acho que ainda deve estar quente. Sua promessa não terá propósito se você adoecer, né? – Seu sorriso cruzava o rosto e, tão logo terminou, saiu, encostando gentilmente a porta.

Pisquei, fitando a madeira talhada. Em seguida, um suspiro quase derrotado. Hanabusa-san estava certa, afinal.

Entrei, por mais que eu quisesse ficar em companhia do céu estrelado. Encostei as portas, para o vento não entrar. Apaguei as luzes, acendi um pequeno abajur e, com o copo em mãos, fiquei a observar a noite através da transparência dos vidros.

Eu realmente queria que o verão chegasse.

— Tem certeza de que vai entrar sozinho? – Kumohira-sensei perguntou-me, enquanto eu fitava o enfeite de mil tsurus que havia dobrado durante quase toda a primavera.

— Uhum. – Foi o meu murmurar em resposta. Ele suspirou, apoiando o queixo no volante do carro.

— Só tenha cuidado. – Advertiu-me, endireitando-se e saindo do carro.

Acompanhei-o, esperando que travasse as portas. Kumohira-sensei ainda seguiu ao meu lado até a porta do hospital e disse que me esperaria ali. Anui, respirando bem fundo e dando um passo para dentro do estabelecimento.

Suava frio. Não tinha costume de entrar naqueles lugares sozinho. Trazia-me recordações um tanto desagradáveis... Chacoalhei a cabeça e segui em direção ao balcão da recepção.

— Por gentileza, onde fica o quarto 344-A? – Questionei à atendente, sentindo a boca seca. Ela olhou-me surpresa e foi consultar algo em seu computador em seguida.

— Você é parente do paciente?

— Eu sou... Amigo de escola.

— É no terceiro piso à direita do corredor. Pode seguir reto e pegar o elevador. – Agradeci-a com um gesto singelo de cabeça e dirigi-me exatamente para onde ela havia dito.

Enquanto o elevador subia, eu sentia minhas mãos suarem frio, o coração palpitar rápido dentro do peito. Ainda que Kazuho-san tivesse me dito, via telefone, que estava tudo bem com ele, não podia conter minha ansiedade.

“Preciso vê-lo! Só assim vou ficar plenamente tranquilo!” fora o que eu afirmara a Kumohira-sensei e à Hanabusa-san para convencê-los a trazer-me até Tokyo. O sensei ainda reclamou, dizendo que eu perderia muitos dias de aula, mas não recuei.

A porta abriu-se e, com um passo, eu estava no terceiro andar. Andei calmamente, procurando em cada porta o número que precisava. Pé ante pé, meu coração parecia que sairia da boca.

Então, finalmente, ela mostrou-se. A tal 344-A.

— “Kodou Sora”. – Pisquei. Seria esse mesmo o quarto? Duvido muito que Kazuho-san tivesse se enganado. Em todo caso, aproximei-me e ergui a mão para dar uma leve batida, quando algo me surpreendeu.

— Eu não faço questão de estar aqui e você sabe muito bem disso! – Era uma voz adulta, extremamente alterada. Agucei os sentidos para poder ouvir melhor: – Eu vim unicamente para acompanhar o Tsukasa. Não esperem nada mais além disso da minha pessoa.

— Você deveria ser menos insensível! E mais comportado, também. Estamos em um hospital. – Reconhecia a voz de Kazuho-san. Definitivamente, esse era o quarto de Yoite, mas então por quê...?

— Você não tem de me dizer o que fazer, senhorita. Tampouco se intrometer na minha relação com os outros. – Outra vez, a voz masculina, irritada. – Você tem muita sorte de estar vivo, Sora! Fique feliz que alguém ainda gosta de um moribundo feito você.

Nesse instante, a porta abriu-se de supetão. Pulei para trás, encontrando justamente o dono da voz irritada. Fitamo-nos, um tão surpreso quanto o outro. Foram cerca de três minutos que pareceram eternos, até que aquele homem desviasse de mim e seguisse seu caminho para fora.

Ainda observei-o desaparecer pelo corredor, entrando no elevador. Perguntava-me quem seria e o que levaria uma pessoa a tal atitude.

— Não se chateie, Sora. Você sabe que aquele homem sempre foi desse jeito. – Outra voz, dessa vez de um jovem. Virei-me e pude ver um menino, mais ou menos da minha idade, cabelos bem curtos e negros.

— Por favor, não me chame assim, Tsukasa. Eu... Não gosto desse nome. – Finalmente, a voz de quem eu tanto procurava. Ele estava deitado no leito, a cabeça baixa. Sua aparência estava boa, porém parecia abalado.

— Boa... Tarde? – Perguntei, relutante, dando um passo para dentro do quarto. Todos os olhares voltaram-se para mim, o que me obrigou a baixar a cabeça, envergonhado.

— Miharu-kun! Que surpresa! – Era a voz de Kazuho-san. – Não esperava que você viesse até aqui.

— Eu... Precisava ver o Yoite... – Murmurei de uma maneira praticamente inaudível. Ouvi uma leve gargalhada por parte dela, o que me fez corar ainda mais.

— Você ouviu, Yoite? Não precisa ficar triste!

Levantei o rosto lentamente, encontrando Yoite fitando-me diretamente nos olhos. Em seu rosto, eu via a surpresa, a incredulidade. Talvez ele não me esperasse aqui. E eu também pude ver algo preso em seus olhos...

Lágrimas.

Mordi os lábios e aproximei-me lentamente do leito, oferecendo a ele o enfeite. Senti suas mãos esbeltas pegarem-no e o colocarem sobre seu colo.

— Você fez tudo isso...?

— Desde que você partiu, ainda nas férias de inverno. – Percebi que ele sorrira, esbanjando extrema felicidade.

— Obrigado.

O silêncio fez-se presente. O clima não estava pesado, porém eu me sentia levemente deslocado. Além de Kazuho-san, estavam no quarto Yukimi-san e o garoto chamado Tsukasa – que eu não sabia quem era.

— Bom, eu vou retornar ao trabalho. Qualquer coisa, me chame, sim, Yoite? – Kazuho-san anunciou, piscando para Yoite. Ele anuiu. – Até mais, Miharu!

Acenei em despedida e, no mesmo instante, Yukimi se levantou, espreguiçando-se.

— Eu vou sair para comer algo e mais tarde eu volto, já que eu sou acompanhante dele. – Apontou Yoite, meio chateado. Ele sorriu baixinho. – Até mais pra vocês. – Saiu, encostando a porta do quarto.

Novamente, o silêncio permaneceu entre nós. Puxei um pequeno banquinho, sentando-me nele. O tal Tsukasa permaneceu em pé, ora encarando-me, ora encarando Yoite.

— Você é amigo do So– – O senti hesitar. – Do “Yoite”? De onde você é? Nunca o vi por aqui.

— Eu... Moro em Kushiro atualmente. – Respondi, sem muita intimidade. Percebi os olhos de Tsukasa-kun arregalaram-se, surpresos.

— E você veio de lá até aqui sozinho?!

— Não... Meu pai adotivo me acompanhou. Viemos de avião e então alugamos um carro. – Murmurei. Não gostava de ser muito questionado, principalmente por quem eu não fazia muita questão de ter intimidade. Yoite percebeu o meu incômodo.

— Tsukasa... Poderia me dar um momento às sós com Miharu? – Ele pediu. Percebi que ele iria contra argumentar, mas desistiu.

— Eu volto depois então. Vou pegar algo para comer também. – Afirmou, saindo do quarto, ainda que a contragosto.

O som da porta encerrou todos os barulhos do recinto. Yoite começou a mexer levemente nos tsurus, um sorriso melancólico desenhando seu rosto. Esperei, pacientemente, até ele começar a falar:

— Aquele homem é meu pai.

— Ah...

— Ele não gosta de mim, como pode ver.

— Eu–

— Relaxe. – Ele virou-se, sorrindo para mim. – Não há o que ser feito. Certas coisas... Não podem ser mudadas.

— “Sora”... – Percebi que ele endurecera a postura, como se estivesse receoso. – É seu nome?

— Sim... – Sua voz continha pesar. – Minha mãe quem escolheu... Para a filha dela.

— Mas você...

— Eu nasci homem. – Uma lágrima escorreu por seu rosto. – E ela morreu no parto. Ainda assim, o nome foi mantido. Apesar de meu pai detestar isso.

— Quem te chamou de “Yoite”?

— Yukimi. E... Para falar a verdade, ele e a Kazuho-san estão tentando tomar a minha guarda. – Yoite chorava em silêncio, a mágoa expressa em seu semblante. – Eu adoro os dois, mas... Mas...

Silenciosamente, levantei-me, sentando-me à beira do colchão e abraçando-o. Apertado. Seus braços me envolveram, seu rosto se encostou em meu ombro e suas lágrimas desceram, descontroladas.

Fechei os olhos, acariciando seus cabelos. Não precisava que ele dissesse mais nada. Eu entendia sua dor. Entendia tão bem que as lágrimas desceram pelo meu rosto, acompanhando as suas.

Ainda era primavera...

As portas abriram-se e a primeira pessoa que eu vi foi Kumohira-sensei. Ele veio até mim, aflito, as mãos encostando-se em meus ombros.

— Está tudo bem? Seus olhos estão inchados. – Perguntou.

— Uhum. Yoite está bem. Vai ficar em observação ainda por um tempo, para se certificarem de que o novo coração foi bem aceito. – Ele respirou aliviado.

Olhei de relance para o lado e vi aquele homem parado um pouco mais distante de nós, ao celular. O pai de Yoite. Kumohira-sensei falava comigo, mas eu não conseguia realmente ouvi-lo.

Eu... Precisava fazer algo.

Soltei-me dos braços do sensei e caminhei, calmamente, até o lado daquele homem. Ele não tardou em reparar minha presença, mas ignorou-me enquanto conversava. Esperei, pacientemente, até que ele desligasse o telefone.

— Kodou-san? – Chamei-o. Ele fitou-me com certa raiva, relutância.

— Você é o menino que estava na frente do quarto do Sora, não é? Quem é você?

— Rokujou Miharu. – Respondi, sem ânimo.

— Não sei qual sua relação com ele, mas–

— Eu – O interrompi, não realmente interessado no que ele iria dizer. – Queria lhe dizer uma coisa.

— Prossiga. – Seu tom era arrogante, o que fazia meu estômago revirar.

— “Se você não tem nada bom a dizer, então não diga nada”. – Ele arregalou os olhos, surpreso. – E... Se você não quer ser ferido com palavras, não fira os outros com elas.

— Menino, o que você quer– Ele ameaçou falar, mas eu o interrompi uma vez mais:

— Eu quero dizer que, se você não tem nenhum motivo para estar próximo ao Sora, então não se aproxime dele. Ele não precisa de pessoas como você!

Percebi que ele iria dizer algo, mas eu virei-me e fui embora. Percebi que, além de Kumohira-sensei, estavam presentes também Kazuho-san e o tal Tsukasa. Eles olhavam-me espantados.

Eu também estava, mas não poderia deixar as coisas como estavam. Se aquele homem não sabia como amar o Yoite, então ele não precisava mais se aproximar dele.

Mas o verão estava próximo.

As praias em Okinawa costumam ser bem cheias nessa época do ano. Entretanto, Yukimi tinha feito questão de reservar um lugar onde não tivesse tanta gente assim.

Ainda que eu preferisse passar o verão em Kushiro, não era uma má experiência.

— Vamos! – Gritei, correndo na frente. Logo atrás, Yoite e Yukimi seguiam-me.

— Você tem muita energia, moleque! E esse calor está infernal, meu Deus. – Yukimi reclamava, abanando-se com a mão. – Querem saber? Vão na frente, eu vou comprar uma cerveja bem gelada e já alcanço vocês. – Fez um gesto de desfeita com a mão, indo para o outro lado.

Observei-o se afastar, piscando. Logo, Yoite estava ao meu lado. Sorri para seu semblante satisfeito.

— Nossa promessa... Está cumprida.

— Uhum. – Vire-me e fui descendo os degraus da pequena escada que dava acesso à praia, um por um, em pulos. Arranquei os chinelos antes de pisar na areia, adorando a temperatura dela.

Dessa vez, Yoite acompanhou-me, tirando os chinelos também. Caminhamos, lado a lado, em direção à orla da praia, para molharmos os pés no mar. Paramos, sentindo a brisa úmida do verão, o cheiro salgado do mar inundando as narinas.

Fitei Yoite e, novamente, ele estava perdido no horizonte, onde o céu tocava o mar. Devagar, levei minha mão à sua, entrelaçando nossos dedos, apertando-a junto à minha.

— Né, Miharu. – Meus olhos buscaram os seus. Seu sorriso esbanjava extrema felicidade e as safiras transbordavam um sentimento tão bom, tão puro.

Yoite aproximou o rosto do meu lentamente, nossas testas encostando-se. Ficamos segundos preciosos nos encarando nos olhos, perdendo-se nas íris um do outro, as respirações misturando-se.

E, dessa vez, seus lábios encontraram os meus. Suaves, pressionaram calmamente, movendo-se lentamente, experimentando o gosto, a textura. Sua língua desenhou-os, fazendo-me apertar os olhos. Então, ele capturou meu lábio superior, prendendo-o entre os seus, chupando-o.

Ousei imitá-lo, ainda que de maneira inexperiente. Yoite não se incomodou. Os minutos correram, lentos, a água tocando nossos pés, o vento nossos cabelos. Até que, quando seus dedos encontraram minha bochecha, ele afastou-se.

Encaramo-nos, corados, arfantes. Seu nariz roçava o meu, sua testa encostando-se novamente em seguida. Palavras não eram necessárias. O sentimento estava ali, estampado no olhar, na face.

— Yoite... – Chamei-o, relutante. – Eu... Posso chama-lo de Sora? –Percebi que ele se surpreendera, indagando silenciosamente o motivo daquilo. – Eu... Acho “Sora” mais bonito do que “Yoite”. E... Hmm... É seu nome. E... Você me chama de Miharu, então... – Mordi o lábio, desconcertado.

Ele sorriu, uma risada gostosa, satisfeita.

— Se for você, eu não me importo. – Disse por fim, encarando-me com olhos serenos. – Mas... Eu quero um beijo em troca.

Corei ainda mais, anuindo. Sua boca voltou a aproximar-se da minha, bem lentamente. Eu já podia sentir o roçar dela sobre o meu, quando aquela voz familiar rompeu o ar:

— Hey! Meninos, o que estão fazendo?! – Era Yukimi aproximando-se. Sora, em um movimento rápido, levantou-se, suspirando. Virou-se para o louro, emburrado. – O que houve?

— Yukimi-san... Não sabe ler nas entrelinhas. – Murmurei, extremamente envergonhado, dando meia volta e caminhando pela beira da praia.

— Hã? O que quer dizer com isso? Oe!

Fitei o céu, percebendo que o azul tingia-se com um brilho intenso, misturando-se com o mar bem ao horizonte.

— Sora! O céu... – Olhei para ele, percebendo que as safiras tinham um brilho tão intenso quanto o céu acima de nós. – Ele parece com seus olhos.

Quanto amor é necessário para amar?

Eu definitivamente não sabia.

Ainda era verão,

E nós tínhamos muito, muito tempo até a primavera.


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Notas finais do capítulo

Eu realmente vou apreciar saber a visão de todos que, por ventura, passarem por aqui. Cada opinião é de extrema valia e ajuda no meu desenvolvimento, além do fato de essa história em específico ser extremamente importante para mim! Obrigada a todos que leram!