Havia nove dias que Shaka meditava. Sem comer, sem dormir, sem mover um músculo. Shaka há muito transcendeu as necessidades de seu corpo humano. O transe em que estava variava em profundidade... Às vezes tão conectado com o universo que podia sentir os rios do mundo em suas veias, às vezes leve e sentia o cheiro da chuva que caiu no terceiro e no quarto dia.

Mu o visitou cinco vezes durante aquele período. Shaka sentia a sua presença mesmo na mais profunda contemplação. Na primeira vez, Mu passou rapidamente, Shaka sentiu sua energia elevar-se em surpresa por vê-lo ali entregue mais uma vez ao seu treinamento. Shaka imaginou que tivesse ficado constrangido por interrompê-lo... Na segunda, talvez já sabendo o que iria encontrar, Mu chegou com calma, sentou-se ao seu lado e por algumas horas meditaram em conjunto. Suas energias em uníssono e suas almas conectadas em todas as dimensões do espírito. As duas visitas seguintes foram como esta última, em que Shaka contou os cabelos de Mu um a um em sua mente, por um tempo maior que a eternidade.

A quinta visita foi hoje.

Shaka percebeu uma energia diferente em Mu. Uma que ele já havia percebido anteriormente, escondida com habilidade por anos de aperfeiçoamento da personalidade naturalmente impetuosa dos nascidos sob áries. Mu se camuflava com maestria, e deixava o poderoso Shaka desconcertado e talvez até ligeiramente ofendido.

Mu se sentou a dois palmos de Shaka. Este permanecia em seu transe leve, quase deixando-se desabar pelo que encontrava à sua frente. A imprevisibilidade de Mu o deixou intrigado por muitas e muitas vezes... e isso o atraía. Culpando-se por seu desejo, Shaka abandonava-se em meditação. Sua mente já caminhava para um transe mais profundo quando sentiu dedos macios sobre sua fronte. O toque suave de Mu percorria suas sobrancelhas. O dedos iam de acordo com o crescimento do pêlos e na outra direção, provocando uma sensação estranha. Ele o fez com uma das mãos, e então com as duas. Às vezes pinçava os pêlos e os puxava levemente, e voltava a percorrê-los no sentido do crescimento. Quando cansava-se de brincar com suas sobrancelhas, Mu então acariciava os curtos pêlos que cresciam no rosto de Shaka após tanto tempo sem asseio. Os dedos finos e longos passeavam com tanta delicadeza que por vezes Shaka perguntou-se se não era apenas uma brisa.

Não sabe quanto tempo se passou, pois sua meditação transcendia a dimensão das horas. Quando finalmente rendeu-se à criatura em sua frente e deixou seu transe Shaka permaneceu tão imóvel quanto havia sido todos aqueles dias.

"Aham" pigarreou levemente e franziu o cenho.

As mãos se recolheram rapidamente e Shaka pôde ouvir uma aspiração sobressaltada.

"Fico feliz que tenha satisfeito este anseio que lhe persegue desde a infância".

Mu não disse nada, paralisado. Levantou-se de súbito e Shaka ouviu seus passos correndo apressados para fora do templo de Virgem.

Shaka sorriu. Estava mais contente com esta feita do que toda a experiência conquistada naquele longo período de contemplação. Havia descoberto mais uma faceta da criatura. Mu era curioso.