Todos os dias que são meus escrita por Yuki Max


Capítulo 1
Todos os dias que são meus - Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

A todos que desejarem, indico a música "The luckiest" do Ben Folds e um chá pra acompanhar.



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Todos os dias que são meus




Meu dia é 28 de abril de 2015. Meu. O meu único.

E eu sei como soa estranho quando digo que é meu dia. O meu único. 28 de abril de 2015. Assim tão firmemente marcado, dia mês ano. As pessoas nunca se apegam a datas. Não, ao menos, de forma significativa. Não da forma como eu abraço meu 28 de abril de 2015. Não que elas não sejam importantes, elas o são, em definitivo, mas não por elas mesmas. Datas perdem facilmente seus significados para os eventos que guardam consigo. O dia do nascimento, o dia do casamento, o dia do abandono, o dia da morte. O número no calendário é coincidência ou conveniência. O espaço temporal é apenas suporte para o que verdadeiramente importa.

E eu sei, eu seria mais um dos que não se importam e sei que quando te contar minha história e o que trago comigo por trás do meu 28 de abril de 2015 você me julgará imediatamente como parte deste grupo. Mas, por favor, não se engane. Note o meu tempo verbal. Eu disse que seria uma das pessoas a quem datas são apenas números. É um futuro do pretérito. Um condicional. Isso significa que tenho, portanto, uma condição: eu seria uma destas pessoas, se eu pudesse ser uma delas.

Eu não posso.

28 de abril de 2015 e meu evento importante são indissociáveis. Ambos, os números e os sentimentos que sinto no espaço temporal por eles marcados, são tudo o que tenho.

Literalmente.

Eu não tenho mais nada que seja, verdadeiramente, meu. Eu tenho, claro, muitas outras coisas. Eu tenho meu nome, tenho meus olhos, tenho minha voz, tenho minhas cores. Mas tudo isso não é, de verdade, meu. Não, ao menos, da forma como é meu o meu único dia, 28 de abril de 2015. A diferença essencial entre o que tenho e o que é meu é o quanto eu os sinto em mim. Nem meu corpo nem minha voz nem meu nome eu pude escolher como meus, quando dei por mim já os tinha. Eu não escolhi nada do que carrego comigo. Nada, exceto meu dia. Meu 28 de abril de 2015 é verdadeiramente meu porque escolhi que seria tudo o que teria e tudo o que seria. Meu dia, meu único.

E não me pergunte como escolhi meu dia. Afinal de contas, eu tinha uma – e apenas uma – escolha a ser feita e o escolhi. Meu 28 de abril de 2015 e não minhas memórias. Meu 28 de abril de 2015 e não meus motivos ou minhas explicações. Eu não sou capaz de te contar, portanto, como acabei por fazer uma escolha que me levou a acordar todos os dias no meu 28 de abril de 2015. Mas a verdade é que nunca precisei de explicações para saber porque escolhi este dia, e somente este, para ser o meu. Soube o que me levou à minha escolha no momento no qual acordei para meu segundo 28 de abril de 2015.

Eu escolhi, dentre tudo o que poderia ter escolhido, conhecê-lo.

Conhecê-lo todos os dias.

Conhecê-lo repetidas vezes.

Eu não sei, porém, porque o conheci e o que fiz após conhecê-lo. Não sei como são meus 27 e 29 de abril de 2015. Não sei o qual caminho trilhei para tomar aquele trem e também não sei por qual caminho segui após desembarcar. Não sei se ele me amou ou mesmo se eu o amei nos dias que se seguiram. Ou até se nos amamos juntos. Não sei nada disso. Tudo o que sei é que amo todos os 28 de abril de 2015 que são meus e dos meus repetidos primeiros encontros com ele.

Como retribuição a meu amor, 28 de abril de 2015 é sempre um bonito dia de sol. Mas, infelizmente, nem sempre acordo cedo o suficiente para recebê-lo com o respeito e admiração que ele merece. Não só uma vez tive que correr para não perdê-lo. Ao dia e, claro, a ele.

Não só uma vez perdi a ambos.

Perdê-lo tornou-se tão constante que, às vezes, mesmo sabendo ser inútil, me questiono o quão incrível foi meu primeiro 28 de abril de 2015 para me fazer escolher a ele, e somente a ele, como tudo o teria de meu. E então eu me lanço em uma busca desenfreada por fazer cada 28 de abril de 2015 e cada primeiro encontro o melhor.

Até eu perdê-lo de novo.

Às vezes eu o perco porque perdi o trem. Às vezes o perco porque perdi a hora. Às vezes o perco porque perdi palavras. Às vezes o perco porque me perdi.

Mas quando eu o ganho... Quando eu o ganho eu ganho o dia! E tudo o que perdi pelo caminho parece estar ali, esperando pacientemente pelo meu encontro. Meu primeiro encontro. Meus primeiros encontros com ele.

E eu já o ganhei tantas vezes.

Não no começo. No começo eu só perdia. Perdia a coragem e o deixava passar por mim naquela estação. Perdia a fala e sentava-me em silêncio à frente dele. Perdia a graça e esperava, quieto, apenas ganhar um pouco da atenção que os olhos cor de mel tão dedicadamente entregava ao livro fino entre os dedos longos. Não sei ao certo quanto tempo demorou para que eu a ganhasse, aquela atenção tão ímpar.

No conheço era sutil, eu ganhava só um olhar de relance. Discreto, passaria despercebido se eu não estivesse atento a cada mínimo movimento que faziam os belos olhos cor de mel. Às vezes era um olhar irritado. Às vezes um olhar curioso. Todos eles absolutamente, absolutamente, lindos.

Conforme eu ganhava coragem, ganhava cada vez mais dele. Um dia ganhei um sorriso. Um dia o sorriso ganhou como acompanhante um desviar envergonhado de olhos. Um dia ganhei um morder discreto, curioso, de lábios e um corar quase imperceptível. Um dia ganhei um comentário sobre o tempo. Um dia ganhei uma linha do livro, lida pausadamente, a voz limpa e divertida. Um dia ganhei um lugar ao lado dele. Um dia ganhei uma conversa por toda a viagem. E um dia – e este é dos meus 28 de abril de 2015 favoritos – ganhei seus lábios sob os meus e seus olhos que primeiro fecharam-se firmes para então correrem assustados pelo trem e não me olharem mais.

Mas se quer saber qual foi, até agora, meu dia favorito, foi o meu 28 de abril de 2015 no qual ganhei uma dança.

Entenda, mesmo entre os dias iguais, sempre alguns são diferentes. Neste 28 de abril de 2015, apesar do costumeiro belo sol, um chuva forte caiu sobre nós. Ficamos presos na estação do destino final, o lugar no qual eu normalmente me despedia dele, dos olhos castanhos mel, da voz baixa e clara. Neste dia não nos despedimos. Ele tinha documentos importantes na pasta e olhou desanimado para a chuva antes de decidir esperar. Esperar comigo.

Eu também estava diferente neste dia, como se também chovesse em mim, como se eu me nublasse tal qual o céu. E eu sabia que poderia perdê-lo quando toquei os dedos longos que seguravam apertadamente a pasta cujos documentos importantes ele devia proteger e sorri apontando um largo banco. Normalmente eu não o faria. Não em um dia no qual eu já havia ganhado tanto durante a viagem, seus sorrisos e algumas de suas palavras. Eu nunca me acostumei a perdê-lo em dias que considerava ganhos, mesmo que isto acontecesse não raras vezes. Mas naquele dia quando toquei sua mão e sorri apontando um largo banco, eu esperava por mais dele.

Quando eu digo que queria mais, entretanto, refiro-me a outros sorrisos, outro toque discreto em suas mãos, um resvalar de dedos, talvez uma linha ou outra de seu livro e mais palavras trocadas. Eu nunca esperei, porém, que as palavras que ganharia seriam “É minha música favorita”. Ou que junto a elas nossos dedos se tocariam de leve quando ele me entregasse um de seus fones de ouvido e se aproximasse de mim o suficiente para que eu sentisse seu perfume sobressair-se ao cheiro de terra molhada. E nunca esperei que ao invés de afastar-se após o toque ele tomaria para si minha mão, pousando-a em seu colo e correndo os dedos longos pela palma, traçando ali calmamente o ritmo da música. Eu nunca esperei ver seus cabelos moverem-se levemente enquanto ele marcava compassos com acenos e sorria para mim seus sorrisos absolutamente lindos. E eu nunca esperei que este sorriso ascendesse a seus olhos enquanto ele trilhava os dedos devagar pelo meu pulso e braço até alcançar meu rosto, acariciando de leve a curva de meu queixo e criando um atrito estranhamente confortável entre seus dedos longos e minha barba por fazer. Ou que o que eu veria antes de fechar meus olhos e apoiar-me relaxadamente em sua palma seria os olhos castanhos mel fechando-se juntos aos meus. “Obrigado pela dança”, ele me disse neste 28 de abril de 2015 e eu, pela primeira vez desde que acordara para meu segundo dia 28, desejei o dia 29.

O dia 29 de abril de 2015 não veio, em seu lugar recebi um novo dia 28 no qual eu o perdi.

No segundo 28 de abril de 2015 após nossa dança, pela primeira vez eu não fui para nosso primeiro encontro. Eu me sentei do lado de fora da estação de trem naquele dia que era sempre belo de sol e pela minha primeira vez pensei que eu possivelmente tentava corrigir algo.

Entenda, eu sempre pensei que escolher poder conhecê-lo pela primeira vez dia após dia era um presente que eu mesmo me dera. Receber o primeiro olhar que ele me direcionava. Receber as primeiras palavras que ele escolhia para mim. Receber aquelas as reações sinceras que só alguém que não se importa com quem as recebe é capaz de entregar. Sempre achei que era um milagre poder continuamente recebê-lo pela primeira vez. De novo. E de novo.

Neste dia pensei pela primeira vez que era uma punição. Que eu havia feito algo errado a mim mesmo. Ou a ele.

No 28 de abril seguinte eu me perdi. Corri desenfreado pela estação e só parei ao alcançar seus lábios. Não houve nada de bonito na forma como o beijei pela primeira vez naquele dia. Não me pareceu um presente quando ele não rejeitou o beijo salgado de lágrimas. E não me soou como um milagre quando ouvi um “sinto muito” como resposta ao meu “eu te amo”. Porque eu já sabia, mesmo quando eu pensava em milagres, que ele nunca me amaria naquele 28 de abril de 2015.

Tampouco nos outros.

Independente de quantas vezes eu o ganhasse.

Mas, ainda assim, aquele era meu único dia. O único que escolhi e o único que trago em mim. E, independente do lado para qual pesa minha sorte, quando ele sorri para mim como sorriu no 28 de abril de 2015 anterior a este que estou, eu posso acreditar de novo que é um milagre como cada vez que ele me entrega um sorriso pela primeira vez, mesmo que preso à repetição inexorável do tempo, ele parece mais bonito que todos os anteriores.

E assim como nunca poderei me acostumar a perdê-lo, nunca me acostumarei a ganhá-lo. Nunca me acostumarei a ganhar seus primeiros olhares, primeiros sorrisos ou primeiros beijos. Nunca me acostumarei ao frio na barriga ao entrar no vagão e encontra-lo com os olhos castanhos mel atentos sob as linhas do livro fino.

Não que aquela tenha sido a única vez que deixei de encontrá-lo. E não que pense que a última vez foi, em definitivo, a última.

Mas hoje, neste meu tão presente 28 de abril de 2015, eu vou correr até ele e beijá-lo mais uma vez, desta vez sem manchar de sal nossos lábios. Então direi outra vez que eu o amo e beijá-lo de novo quando ele tentar me dizer que sente muito. Porque eu, independente de acreditar ou não em milagres, quero ouvir sua voz clara e risonha me dizendo que todos estão olhando e que sou um garoto estranho. E talvez, talvez, ele cole novamente seus lábios nos meus enquanto me diz isso. Ou me olhe torto quando respondo que posso ser o garoto estranho que ele quiser, o quanto ele quiser.

De toda forma, quando o vejo passar por mim e me apresso a guardar minhas folhas desajeitadamente em meus bolsos, tenho quase certeza que ele é, sim, incondicionalmente, o meu milagre.







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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal,
Agradeço imensamente todo mundo que leu! Mesmo!, do fundo do meu coração!
Esta é minha primeira original e eu adorei escrever cada linha dela. Ao mesmo tempo, não estou acostumada a escrever one-shot. O que significa que foi tudo novo pra mim por aqui: uma história pequena, minha.
E acho que por isso mesmo eu ficaria imensamente feliz se ela conseguisse ser especial para quem leu ao menos um pouco do quanto é especial pra mim. *.*

Obrigada, mais uma vez,
Beijo, =*
Yuki



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