Ela sente o desejo emanando dos olhares masculinos, enquanto caminha até o elevador. Em outras circunstâncias teria forçado seu maior sorriso e lançando um olhar malicioso ao grupo de rapazes, apenas para lhes mostrar quem está no poder. Mas está cansada demais para isso. Após um dia inteiro no Centro de Treinamentos, Glimmer não está realmente em seu melhor momento. Os cabelos loiros e amarrados de qualquer jeito, se grudam a sua testa, o suor torna todo seu corpo pegajoso e não há qualquer sinal de maquiagem em seu rosto. Ainda assim, de alguma forma que ela nunca vai entender, continua bela aos olhos de qualquer um que se interesse por mulheres.

Às vezes ela acha que quando nasceu lhe jogaram algum tipo de maldição, a condenando a estar sempre linda. Talvez fosse ridículo reclamar daquilo, já que sempre soube se aproveitar muito bem de sua beleza. Ainda assim, em alguns momentos isso se torna exaustivo.

Linda!

Linda!

Linda!

É isso, e apenas isso, o que Glimmer é. Uma menina bonita. Nada mais. Pelo menos, é isso o que pensam sobre ela. Reparam em seus cachos dourados, seus olhos azuis e em suas belas curvas. Reparam em seus lábios carnudos, bochechas coradas e seios fartos. Reparam em qualquer coisa, menos na pessoa que ela é.

Eles não a levam a sério. Não a acham capaz, ou perigosa o suficiente. É claro, que por pertencer ao Distrito 1 e ser declaradamente uma Carreirista, tem chances muito maiores que todas aquelas crianças que nunca pegaram em uma arma. Mas entre Marvel, Cato, Clove e até mesmo a garota ridícula do Distrito 12, ninguém acredita que ela tinha realmente alguma chance. Ninguém a enxerga como a lutadora que ela é. Ninguém enxerga sua inteligência, força ou habilidade. Olham para ela e só vêm uma garota bonita.

Uma garota bonita e superficial, que gosta de joias caras e admira o próprio reflexo incessantemente. Uma garota bonita e ambiciosa, que deseja glória, fama e fortuna. Uma garota bonita que querem em suas camas. Fora isso, ninguém percebe que ela está assustada, ninguém percebe que ela sente medo de morrer e mais medo ainda de matar.

Tenta parecer que nada a importa, mas há crianças ali, crianças pequenas e inocentes e quando chegar a hora ela terá que mata-las.
Terá que matá-las para sair dali viva e conseguir tudo o que deseja. Ela sabe que é necessário e, mais do que isso, sabe que é capaz de fazê-lo, mas isso não quer dizer que não tenha uma consciência, ou que goste da ideia.

Não inventou os jogos, não os acha justos, mas Glimmer é uma garota ambiciosa, foi criada a vida inteira para ser assim, e jamais medirá esforços para conseguir o que deseja. Não a fama, não o dinheiro, não o luxo. Glimmer quer o reconhecimento, quer que a olhem e vejam mais do que a menina bonita, quer que vejam do que ela é capaz. Quer provar ao mundo que é uma guerreira e não uma princesa de contos de fada.

Está tão perdida em seus pensamentos que mal percebe a figura masculina que se aproxima. Ele não diz nada e apenas se coloca a observar a porta do elevador ao seu lado. Não que seja uma novidade, afinal Cato está longe de ser a pessoa mais falante do universo. Glimmer, por sua vez, demora alguns instantes para perceber presença do rapaz, mas não se incomoda. O garoto continua sem dizer uma única palavra e também parece ignorá-la.

De certa forma, ela gosta daquilo. Cato a olha com o mesmo desprezo que reserva para qualquer outro ser humano que cruze seu caminho. E só lhe dirige a palavra quando é essencialmente necessário. Ele não lhe faz perguntas imbecis, se esforça pela sua atenção ou demonstra qualquer interesse especial por ela ou em qualquer coisa que lhe diga respeito. Nesse ponto ele é muito melhor e mais tolerável que o idiota do Marvel, que está sempre enviando sorrisos safados e cantadas patéticas a loira, na vil esperança de que ela se jogue em sua cama antes deles irem para a Arena.Glimmer cortará seu pescoço na primeira oportunidade que tiver e não sentirá nenhum remorso, afinal Marvel não é uma criança inocente, é apenas uma criatura repugnante, que a enxerga como um objeto, existente unicamente para satisfazer seus desejos mais depravados.

Mais detestável que Marvel apenas Clove, que insiste em se achar superior. A pirralha realmente pensa que é muita coisa com suas facas patéticas. Ela tem aquele nariz em pé irritante e adora insinuar que a loira é apenas uma boneca fútil e descerebrada. Glimmer não ver a hora de enfiar uma daquelas malditas facas no coração da vadiazinha, mostrando a todos que ousaram subestimá-la o quão errado estavam.

Mas, diferente de todos os outros, Cato a enxerga como uma Carreirista. Não como a princesa, não como objeto, não como uma garota estúpida, mas como uma aliada letal e perigosa. Ela sabe que ele não a subestima e estuda secretamente cada um de seus passos, pensando na melhor forma de matá-la quando a hora chegar. Aquilo não a incomoda. Na verdade, ela já pensou em mil maneiras de matá-lo. Só que sabe que não sentirá nenhum prazer com isso. E para ser honesta, espera não precisar fazê-lo.

O elevador finalmente chega e os dois entram ainda calados. Não precisam dizer nada e o silêncio é estranhamente reconfortante. Há um espelho em frente a eles e a garota se pega fitando o reflexo por alguns instantes. Cato permanece impassível, a expressão fria e os olhos mortíferos. Olhando de perto ele é um rapaz bonito: alto, musculoso, dono de feições endurecidas e exalando perigo por cada poro de seu corpo. De alguma forma, aquilo faz o coração de Glimmer acelerar e ela precisa dizer a si mesma para deixar de se comportar como uma garotinha imbecil.

Cato volta seus olhos para ela por meio segundo e a loira pode jurar que há malícia em seu olhar, um quase sorriso se forma nos lábios do rapaz. A menina daria tudo para saber o que ele está pensando, mas mais uma vez ele não diz nada e ela logo chega a seu andar. Está prestes a sair quando escuta a voz do rapaz.

— Sabe, às vezes eu acho que você é a mais perigosa de nós, Glimmer.

A garota se volta para ele, interessada.

— Apostaria em você, se estivesse assistindo a essa edição. Mas espero que não se sinta ofendida quando eu te matar antes do Marvel e da Clove.

A menina ri.

— Espero que você não se sinta ofendido quando eu te matar primeiro.

O garoto solta uma gargalhada de puro deboche.

— Que vença o melhor, Glimmer.

A menina sorri maliciosa, o desafio claro em seus olhos.

— Que vença o melhor, Cato. – ela diz antes de se afastar presunçosa.

Cato abre um meio sorriso. Glimmer é uma garota interessante e ele não sentirá prazer algum em matá-la. Para ser sincero, e por alguma razão que nem ele entende, espera não precisar fazê-lo.