Lissa parece estar sempre a ponto de fazê-lo perder sua paciência.

Ela sabe que o único motivo dele estar lá é pelo fato de que Chrom tinha pedido para ele ser seu guarda costas, mas a mesma parece continuar seu pequeno jogo de explorar seus limites, de espreitar devagarinho por entre suas defesas e desviar habilmente de suas tentativas de mantê-la longe.

Lon’qu não sabe lidar com isso. Porque para alguém que passou quase a vida inteira fugindo e fugindo de qualquer mulher que pudesse se aproximar o suficiente, ter uma agora que tinha por obrigação ficar próxima dele o máximo de tempo possível era algo terrivelmente novo e que estava desafiando sua compostura.

Ainda mais ela, que parecia iluminar uma sala inteira só sorrindo. Ela, que parecia achar graça em todas as pequenas coisas mesmo tendo nascido em uma família nobre. Ela, que sabia ser forte apesar de sua aparência e podia ser tão tão tão diferente mas mesmo assim tão igual à...

Ele não pode fazer isso. Lissa é brilhante demais, preciosa demais para todos dali. Ele não pode deixá-la ser afetada pela maldição que ele carregava consigo desde aquele dia.

- Ei, Lon’qu, olha ali-!

- Não chegue perto de mim.

O sorriso dela desaparece, e Lissa desvia os olhos para o chão.

Mas ele sabe que é melhor assim.

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Ele inevitavelmente para na frente da barraca dela no dia em que Ylisse perde sua rainha.

Aquele dia fora longo demais para todos, ele sabe. Lon’qu não fazia parte dos Sheperds, não passara nenhuma parte de sua vida naquele reino desde que chegara ao continente há tantos anos atrás, mas sabia suficientemente sobre Emmeryn para saber que aquela não era uma perda fácil.

Ele pôde ver nos olhos das pessoas por quem passara naquele dia. Podia ver em como seus movimentos estavam desorientados durante sua escapatória, em como o acampamento antes cheio de vida ficara quieto demais naquela noite.

Mesmo sabendo que nada poderia ser feito, Lon’qu sente como se tivesse falhado com eles.

E com ela, também; pois seus ouvidos são perceptivos o suficiente para ouvir os soluços vindos de trás da tenda. A garota estivera assim desde antes, rosto molhado de chuva e olhos tão vazios que ele não conseguira olhar duas vezes para ela enquanto lutava.

E ele sabe o que é uma perda, pode imaginar o que ela está sentindo no momento. Mas aquela garota havia fugido de qualquer conforto que poderia receber para chorar sozinha em sua barraca tarde da noite, fugido de perto dos outros mesmo sempre querendo a proximidade deles antes.

Talvez fosse por isso que ele tivesse parado lá, naquela noite, e não pelo motivo de que poderiam ir atrás dela em seguida no qual tentara convencer a si mesmo.

Lon’qu para na frente da entrada.

(Ele não pode chegar perto não pode não pode e se ela for a próxima e se-)

Ele a encontra debruçada sobre o travesseiro, seu choro sendo abafado pela fronha.

(Não não não não toque nela você vai perder ela também você não pode-)

- ...Lissa.

A cabeça dela levanta num susto, olhos hesitantemente virando em sua direção.

Ela parece tão destruída, tão quebrada, que as vozes que gritam que ele não pode fazer isso no fundo de sua mente desaparecem por um momento. Ele não quer que ela se vá, não quer que sua maldição chegue a ela também, mas também não quer que ela tenha que passar por isso sozinha.

Ele fora encarregado de protegê-la, então aquilo era mais do que sua obrigação.

Seus braços sobem para abraçar Lissa hesitantemente, finalmente, e ele sente a surpresa da garota no modo como seus ombros se enrijecem. Lon’qu retira as suas mãos, aquilo fora uma péssima ideia, mas é pego de surpresa quando ela atira seus braços finos para envolvê-lo pelo torso e afunda seu rosto no peito dele.

Ela chora durante horas e horas, mãos pequenas prendendo-se ao tecido de sua roupa. E por mais que seu estômago desse reviravoltas e sua pele parecesse estar pegando fogo, ele descobre que não é um sentimento ruim.

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O fato de que ele havia a abraçado naquele dia não mudara muito as coisas, parcialmente porque ele não queria que mudassem. Aquilo fora um acontecimento de uma noite só, é o que Lon’qu diz para si mesmo enquanto tenta evitar da garota que está cada vez mais próxima.

E ela está cada vez mais próxima, realmente. Não é todo dia que ela pede casualmente para segurar a mão dele quando estão andando.

Claro, ele é rápido para recusar, mas toda aquela distância acabando repentinamente entre os dois é difícil demais para ser ignorada-

Ele ouve um barulho, de repente, e todos os seus pensamentos confusos dão lugar a um, certeiro.

Ele se joga na frente dela sem realmente pensar sobre isso, a flecha mirada antes nela fincando-se em seu ombro. Lon’qu pode sentir a pontada de dor que se espalha rapidamente pelo seu corpo, mas aquele não é o momento para pensar sobre isso; porque Lissa está em perigo e eles estão cercados e aquilo tudo é parecido demais com o que já acontecera antes.

Então ele alcança sua espada rapidamente com a mão e põe-se em posição, estreitando os olhos.

Ele não é mais a criança indefesa que já fora um dia.

Ambos acabam derrotando os supostos assassinos com facilidade; eles eram mais fracos do que pareciam à primeira vista. Lon’qu pausa por um instante, sentindo-se com falta de ar de repente, mas a voz da loira ao seu lado parece puxar sua atenção quase que como um imã.

- Aqui, fique parado. Me deixa cuidar dos seus ferimentos... - A voz dela está vacilando um pouco, e ele nota finalmente que as mãos que seguram o cajado dela estão tremendo.

- Eu estou bem. - Ele é rápido para desviar da mão que tenta alcançar seu ombro, mesmo que a flecha ainda esteja lá e ele tenha começado a ficar um pouco tonto. - Você está ferida?

- Não. - É uma única palavra, pequena e simples, mas ele já pode sentir seu coração bater mais tranquilo depois de ouvi-la.

Lissa dirige um sorriso para ele, um daqueles luminosos que sempre o têm encarando seu rosto por mais tempo do que é devidamente necessário, e todo o tempo parece parar.

- Graças a você.

Lon’qu se lembra daquele fatídico dia na vila em sua infância, do corpo pequeno e frágil da menina à sua frente caído com uma poça de sangue colorindo a grama de vermelho. Ele não pudera salvar a pessoa que mais importava para ele naquele dia.

Mas não mais.

Ele se encontra sorrindo para ela, as correntes que parecem prender todo seu corpo tornando-se um pouco mais frágeis.

- Bom. Isso é... bom.

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Ela o vem visitar quase todos os dias, depois que sua missão como guarda costas acaba. Lon’qu pode jurar que não está dando expectativas suficientes para aquela garota continuar vindo, mas estaria mentindo se dissesse que não gostava de sua presença.

Era estúpido mentir para si mesmo daquela maneira, afinal, quando o mesmo tinha passado a esperar pelo momento que ela fosse aparecer ao seu lado com expectativa.

Lon’qu admite que talvez esteja apto a proteger as pessoas importantes para ele agora, depois da ocasião de alguns dias atrás - mas aquilo ainda era novo demais, assustador demais, para ele aceitar. E se aquilo fora só sorte? E se sua maldição ainda fosse virar verdade?

Ele não pode evitar; está com medo. Lissa se tornara importante demais para ele em muito pouco tempo. Era até um pouco frustrante que alguém que tentava manter-se o mais distante possível dos outros como ele fosse cair nos charmes dela tão fácil.

Mas, com o sorriso que ela está o direcionando agora, quem não iria.

- E então a Maribelle disse que ‘Aquilo era impróprio demais para um sujeito daquele porte fazer’, e bateu nele com uma das luvas! - A loira está falando animadamente sobre alguma coisa, algo que tem a ver com a outra amiga dela que também não parece saber o que é distância e já o mandou uns olhares assustadores mais de uma vez quando ele fora um pouco rude demais com Lissa. - E depois...

Ela para, piscando para o olhar que ele está a dirigindo. Depois, estreita os olhos.

-... Você não está prestando atenção, não é. Eu sinceramente não sei por que eu sequer tento puxar conversa. - Ela suspira fundo, voltando a ajeitar seus braços sobre seu vestido enquanto suas pernas estão esticadas para frente em sua posição. - Eu sei que você me acha irritante e tudo mais, e que eu não deveria vir te incomodar, é só que...

Lon’qu segura o comentário de que você não me incomoda para de si mesmo, porque a loira sentada ao seu lado tem aquele olhar no rosto que ultimamente vêm direcionando a ele e o deixa completamente sem chão.

-... Eu sinto sua falta, só isso. Quer dizer, você esteve comigo por tanto tempo, e agora eu quase não te vejo! ...Mas, eu acho que você não entenderia como eu estou me sentindo, não é.

Seu coração falha uma batida, e ele sente sua garganta subitamente ficar seca. Será que pode fazer isso? Seria permitido a ele fazer isso?

Todas as inseguranças que ele poderia ter de repente invadem sua mente. Ela é uma princesa, e ele é apenas um guerreiro do reino vizinho que fora confiado à Chrom como uma ajuda. Ela certamente poderia ter alguém muito melhor. Ela poderia ter alguém que sorrisse quando a mesma fosse o visitar como naquela vez, alguém que a protegesse melhor, alguém que não fosse atormentado por um trauma durante tantos anos...

Ele tem a vontade de guardar aquilo tudo para si mesmo, como sempre faz, mas o olhar que ela tem e o sorriso triste de quem já está se despedindo para ir embora o fazem mudar de ideia.

Aquilo podia não dar certo, mas ela já havia sido sua exceção mais de uma vez. Certamente poderia continuar sendo, não é?

- Eu... gosto de quando você vem me visitar.

As palavras saem de sua boca tão facilmente que ele surpreende a si mesmo, em como ele conseguira ser tão honesto com ela assim tão de repente.

O rosto surpreso e corado de Lissa ao perceber o que ele tinha falado é mais que o suficiente para fazê-lo decidir que valera à pena.

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Ele a pede em casamento horas antes de enfrentarem Plegia, quando consegue ficar sozinho com ela em algum momento. O anel é simples, nada que um membro da realeza normalmente teria, mas ele teve de improvisar um pouco.

Lissa tem lágrimas nos olhos quando ele termina de falar - com palavras guardadas a muito tempo para si mesmo porque mesmo que parecesse haver algo entre os dois, que houvesse algo entre os dois, a distância que ele construíra ainda era grande demais para ele ter certeza - e sorri finalmente, andando para frente e o abraçando sem mais nem menos.

Sua mente para no meio de um curto circuito entre pensamentos conflitantes - uma mistura de “isso é um sim?” e “ela está perto demais-“ - quando a loira de levanta suas mãos para tocá-lo no rosto, dirigindo os olhos dele para os dela.

- Eu espero que você não tenha feito esse pedido para depois ficar se arriscando demais hoje. - A voz dela está levemente trêmula, e os olhos dela são familiares, das vezes em que ela se lembra de Emmeryn ou olha para Chrom depois que ele se esforça demais em uma batalha. - Por que eu não posso-

Eu não posso perder você também, é o que ela provavelmente quer dizer, mas não consegue. Ele sabe, porque é o que o mesmo está pensando durante o dia inteiro.

-... Eu sei. E eu não vou. - As palavras que ele lhe responde são curtas, mas que a asseguram mesmo assim. Lon’qu ainda termina o abraço cedo demais, mas ainda deixa que ela segure sua mão durante todo o trajeto até a batalha de suas vidas.

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As coisas funcionam lentamente, a partir daí. A vitória vem com responsabilidades, como sempre, mas o clima pacífico é uma antítese gratificante para toda a perturbação de antes.

Basílio ainda o tem como lutador principal de seu torneio, mas o mesmo o deixa permanecer em Ylisse nos intervalos entre missões, dizendo que seria bom que ele aprendesse a lutar contra inimigos diferentes. Algo o diz que aquele não fora o único motivo pelo qual tinha o deixado ir, pelo sorriso que o mesmo o dirige quando ele se despede, mas ele nunca entendera muito o Khan que o comandava durante tantos anos, então resolveu deixar isso de lado.

O progresso que ele tem com Lissa é lento, parcialmente pelo seu próprio trauma. Lon’qu não está pronto para simplesmente deixar uma mulher invadir todo seu espaço pessoal assim tão de repente mesmo que não tivesse mais que se preocupar com uma maldição.

Mas sua noiva - esposa daqui a poucos meses, eles já esperaram o suficiente - mostra-se ser bem compreensiva quanto a isso, mesmo que ainda tenha sua mania de se espreitar por suas brechas sempre que possível.

Ela pede para segurar sua mão até que isso se torna um hábito, o abraça por trás quando ele não está olhando e levanta até a ponta dos pés com um olhar de expectativa quando quer um beijo. Depois de um tempo, o toque dela se torna algo comum.

E ele ainda não se sente confortável perto de Maribelle e só se aproxima suficientemente de Robin quando estão treinando lutar um contra o outro, mas Lissa sempre fora uma exceção a todas as suas regras, então está tudo bem.

Depois de um tempo, ele passa a ser aquele que a beija de repente quando estão sozinhos.

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Parece que tudo foi jogado novamente em um caos; uma invasão de Valm, um aparente clone de Robin servindo à corte de Plegia, a filha de Chrom retornando de um futuro lançado ao caos para tentar salvá-los todos.

Ele queria poder deixar Lissa longe de tudo aquilo, mas sabe que a mesma é valente demais para recusar estar com as pessoas importantes para ela numa hora como essa. Também, não é que ele desconfie de sua força; é que ela é importante demais para que o mesmo sequer pense em colocá-la em perigo novamente.

As vozes que ele pensara ter deixado para trás voltam ao pensar que o ele do futuro falhara em protegê-la, mas Lon’qu não pode deixar aquilo afetá-lo agora. Todo aquele tempo com sua esposa o fizera começar a pensar que seria possível acreditar em futuro diferente para todos eles.

Não é realmente uma surpresa que, um dia, eles encontrem um garoto que se mova em posições parecidas demais com as suas e tenha os mesmos olhos brilhantes de Lissa.

Owain é definitivamente estranho, tanto em seu vocabulário quanto em seu hábito de dar nome à suas armas. Ele ainda consegue manter a vivacidade de sua mãe ao andar por aí desafiando pessoas em forma de prosas difíceis de entender, mas Lon’qu ainda desconfia que o seu eu do futuro talvez não tivesse o dado atenção o suficiente além dos treinamentos com a espada.

A descoberta que ele não vivera muito depois que o filho nasceu só comprova sua pequena tese. Ele não pode deixar de observar aquele garoto, de idade não tão distante da sua e ainda assim seu filho de um modo paradoxal que ainda assim parecia fazer sentido em seu peito, enquanto ele desaba em sua frente porque pensou que quase o perdera outra vez.

Talvez, Lon’qu percebe naquele momento, talvez só proteger as pessoas que fossem importantes o suficiente para ele não fossem o bastante. Porque pensar em um futuro em que Lissa tivesse chorado por ele do mesmo modo que fez com Emmeryn e seu filho tenha crescido sem um pai por perto lhe parece doloroso demais.

Ele não sabe o que o futuro lhes aguarda, nem o que terão de enfrentar para mudar o destino, mas promete a si mesmo que não vai apenas proteger as pessoas que são importantes para ele; mas também tentar viver por elas.

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É depois de muito tempo desde a última batalha - depois que todos parecem se recuperar da destruição que Grima fizera no continente, depois que Robin finalmente retorna depois de dois anos desaparecida - que Lissa se muda oficialmente para Ferox com ele.

É um ato bem visto pelos cidadãos de ambos os reinos - uma aproximação ainda maior da amizade que os dois já possuíam - e, por mais que Lissa pareça sentir falta dos invernos não tão intensos de Ylisse, ela está feliz o suficiente com a vida que ambos têm lá, e ele também.

Seu filho recém-nascido terá um reino em paz para crescer pelos próximos anos, afinal. Não há outra coisa no mundo que o possa deixar mais tranquilo que isso.

E Lissa; a garota do sorriso que podia iluminar um lugar inteiro, a tão brilhante e preciosa para todos que tinha se tornado a maior exceção de sua vida, poderá viver em paz ao seu lado para o resto de seus dias. Sem mais guerras, sem mais distância, nada.

O medo de sua maldição torna-se distante, fragmentos de pesadelos que ele tem às vezes de noite. Ela está sempre lá para abraçá-lo quando necessário depois, e ele não se vê mais hesitando em enterrar sua cabeça na divisa entre o pescoço e ombro dela e nem trazê-la mais para perto.

Ela sempre o conforta, todas aquelas noites, mas é numa em especial que a mesma parece ter um brilho diferente nos olhos.

- Eu não sou ela. Você sabe disso, certo?

Lon’qu tem conhecimento de que ela sabe sobre Ke’ri; foi o mesmo que a contara, aos poucos. Ainda assim, ele a pega de surpresa naquele momento, pois Lissa chega a parecer um pouco insegura.

- É claro. - Ele murmura de volta, levando uma das mãos para acariciar o rosto dela e sorrindo.

Porque Lissa continuava lá, ao seu lado, depois de todo aquele tempo. Porque ela era brusca e animada demais como a outra não fora, porque ela era uma nobre que ainda conseguia ver as pequenas coisas do mundo, por que ela era forte e otimista e tinha atravessado as barreiras que ele construíra por volta de si mesmo sem nem realmente tentar fazer isso.

Porque depois de todos aqueles anos, quem o salvara de sua maldição fora ela.

Seu sorriso pequeno aumenta quando ela cora um pouco com suas palavras, e o mesmo usa sua mão para trazer a distância entre os dois à zero.

Como sempre deveria ser.