Capítulo 7 - Amizade

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Aya perdeu o sono naquela noite. Aquele pássaro e tudo que acontecera durante o dia pareciam um filme se repetindo em sua mente. E tinha Akemi ainda. Nenhuma garota que ela conhecia era como ela... perdida, estranha. Essas eram algumas das palavras que Aya achou apropriadas para descreverem a menina.

Porém, havia algo mais. Algo que Akemi não demonstrava: se aquele pássaro significava tanto para ela, por que ela não derramou nenhuma lágrima por ele?! Por que ela parecia tão fria enquanto as duas o enterravam?! Por que...

Aya caiu no sono antes mesmo de encontrar as respostas.

–Bom dia, Akemi-chan! - Aya disse na manhã seguinte, ao mesmo tempo nervosa e ansiosa.

–Bom dia - Akemi mantinha a mão no queixo, e só desviou o olhar da janela quando Aya chamou por ela.

Silêncio.

–Hm, você se lembra, Akemi... - Aya começou. Ela tinha que falar, tinha que tirar aquele nó da garganta - Do que aconteceu com seus pais dois anos atrás, não é...? Eu estava naquela multidão.

Se Aya pudesse prever o que aconteceria em seguida, talvez ela pensasse duas vezes antes de ter dito aquilo. Num segundo, os olhos de Akemi foram invadidos pelo medo; não somente o medo, mas uma mistura macabra dele com o ódio e a fúria. Ela levantou-se como se o mundo a sua frente fosse o caos do fim do mundo, e ela parecia que não iria parar. Iria destruir tudo até não sobrar nada, cada objeto daquela sala era como uma lembrança que Akemi queria destruir.

A mesa da garota já estava no chão, juntamente com a cadeira que ela tentara arremessar ao longe. Na mente dela, a sala de aula se tornou o cenário de dois anos trás. O grito dos pais, as faces cobertas dos assassinos, era tudo que Akemi via.

–Pare!

Akemi tinha sido parada por alguém e não conseguia se mover. Ela não via nada. As lágrimas a deixaram cega.

–Me desculpe - era uma voz gentil e arrependida que sussurrava ao seu ouvido - Eu só queria conversar com você, ser sua amiga. Mas não sabia que isso a deixaria assim. Me desculpe, por favor...

A fúria de Akemi tinha sido sugada e desaparecia junto com seu medo à medida ela ouvia essas palavras.

Ela não fugiu daquele abraço. Um abraço de alguém que se importava com ela.

Era a primeira vez depois de muito tempo que uma pessoa se aproximava dela assim.

Um amigo...

Quantas vezes ela já quisera isso?! Mas foi pelo medo de se machucar que ela desistiu de todos.

Isso até aquele momento.

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Capítulo 8 - Pesadelo

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–Promete que não vai abrir os olhos?

–Prometo, Akemi...

Protegidas pela sombra de um pessegueiro, Aya e Akemi se divertiam juntas, um dia antes do início do ano letivo da oitava série.

Som de papel de presente. Era a única pista de Aya.

–Pode abrir agora.

Lentamente, Aya abriu os olhos e viu um papel rosa embrulhado repousando em suas mãos.

–Abra, abra - Akemi tinha um sorriso bobo no rosto. Era raro vê-la tão contente assim.

Uma xícara.

–Que desenho é esse!!? - Aya olhou da xícara para a amiga sem acreditar.

–É aquele que a gente fez ano passado na aula de desenho.

Um gato brincando na grama com uma joaninha no nariz.

–Nós que o fizemos - Akemi sentou-se ao lado da amiga - Não existe no mundo outro desenho igual a esse.

–Ele é só nosso - Aya finalizou.

As duas sorriram.

Ficaram ali, sobre a sombra daquela árvore que exalava um aroma tão cálido e convidativo.

–As flores estão lindas esse ano... - Akemi disse, numa voz nostálgica.

Aya se esparramou pela grama e olhou para a árvore. Ela suspirou devagar.

–Tem razão.

Quando o sol se pôs no horizonte, cada uma das garotas foi para sua respectiva casa.

Era o momento de arrumar os cadernos, separar o uniforme e dormir mais cedo. Porém, por mais que Akemi tentasse, ela não conseguia pegar no sono naquela noite. Alguma coisa a atormentava, a corroia por dentro. E ela mesma não tinha certeza do que podia estar causando aquilo.

Somente no instante em que Akemi deixou sua mente vagar sem rumo, o mundo dos sonhos a chamou...

Um arco e flecha dourado. Foi a primeira coisa que viu.

Uma mão trêmula o segurava. A flecha estava pronta para ser lançada, mas ela permanecia junto ao arco, numa indecisão sem fim. Pelo formato da silhueta, era uma garota que estava ali lutando.

Akemi não conseguia ver seu rosto. Por mais que tentasse, era a escuridão quem tinha tomado posse daquele rosto.

A garota misteriosa desviou de algo parecido com espinhos de gelo que caiam do céu. Akemi olhou para cima e, não, não havia nenhum céu ali. Somente uma mancha cinza e um guarda-chuva preto gigante flutuante - era dali que os espinhos saiam.

Quando mais espinhos começaram a cair, a garota do arco e flecha não se mexeu do lugar. “Cuidado!”, Akemi queria gritar, mas sua voz não saiu. A menina foi atingida, e surpreendentemente continuou de pé.

Os olhos de Akemi refletiam o pânico que ela sentia, que crescia dentro dela. Ela olhou em volta - em busca de uma saída ou uma ajuda, talvez - entretanto, não encontrou nada. O guarda-chuva multiplicou-se e se aproximou de algo ao longe que até então Akemi não tinha reparado. Era horrível. Uma figura gigante, coberta com algo que se parecia lodo endurecido, agitava os enormes braços no ar. Ele não tinha olhos, nem nariz ou boca. Um monstro gigante. Era isso que aquilo era. Sem conseguir desviar os olhos, Akemi viu pequenas figuras saírem daqueles braços e irem ao encontro da garota.

“Atire!”, Akemi lutou para libertar sua voz, mas todo seu esforço era sempre em vão. Ela se sentia uma expectadora inútil ali.

O gigante aproximava-se de sua oponente e tudo que ela fazia era desviar. Estava visível que algo a perturbava. Quando o gigante juntou os guardas chuvas para formar um só, Akemi correu até aquela menina. Ela queria ajudá-la. Só que foi tarde demais. Os espinhos caíram sobre ela e a explosão foi tão forte que jogou Akemi para longe.

Akemi abriu os olhos. Ela arfava em busca de mais ar.

Olhando em volta, a garota percebeu que estava de volta ao seu quarto.

Tudo não passou de um pesadelo. Não... era mais que isso; e Akemi sabia disso.

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Capítulo 9 - Contato

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Akemi não dormiu o resto da noite.

Um novo ano escolar era menos significante que aquele sonho. Mas ela não podia ficar em casa - não conseguia. O horror a corroeria outra vez se ela permanecesse presa àquele pesadelo.

–O que aconteceu, Akemi? - Aya só precisou dar uma rápida olhada na amiga para saber que ela não estava bem.

Akemi mordeu os lábios.

–Foi só um pesadelo...

Por mais que as duas fossem amigas há tanto tempo, tinha certas coisas que Akemi preferia guardar apenas para si mesma. Ela não queria preocupar Aya com problemas que não diziam respeito a ela.

–Um pesadelo... que bom que não foi nada pior, né? - Aya abriu um de seus sorrisos que Akemi tanto gostava.

Nenhuma das duas comentou mais nada. As aulas da manhã passaram e o intervalo do almoço chegou.

As duas, juntamente com outras garotas da oitava série, almoçavam numa mesa da cantina.

–Tivemos sorte de chegar cedo hoje - disse Naomi, uma das estudantes.

–Verdade... olha o tanto de gente sem lugar pra sentar ali - outra delas apontou para um canto do refeitório, perto do balcão com as bandejas, onde um grupo de estudantes estava parado em pé.

Enquanto elas continuavam conversando, três garotos se aproximaram da mesa de Akemi.

–Vocês são da sala um da oitava série, certo? Nós somos da sala dois... Podemos nos sentar aqui com vocês?

Era um garoto simpático e sorridente quem dizia isso, e ele olhava diretamente para Akemi, que era quem estava sentada na extremidade da mesa.

–P-podem - ela estava vermelha sem nem mesmo perceber - Vai ficar um pouco apertado, mas cabe todo mundo sim.

Os três garotos eram divertidos - e realmente lindos. Sentindo-se desconfortável diante de alunos com quem ela nunca conversara antes, Akemi só baixou os olhos para terminar o almoço.

–O que é isto? - o garoto que falara com ela apontava para seu obentou. Ela levantou os olhos e piscou.

–Bolinho de salmão - ela não conseguia encará-lo enquanto conversava com ele - Quer provar...?

Os olhos do garoto se iluminaram.

–Posso?!

Akemi sorriu, afirmando com a cabeça.

–Huum, delicioso!

A garota corou.

O sinal tocou quando todos menos esperavam. É incrível como o tempo passa rápido quando todos se divertem.

–Ah, a propósito, meu nome é Hideki Tadashi. E o seu?

–Akemi. Akemi Michiyo. - Que sensação era aquela que a garota sentia toda vez que ele falava com ela?!

–Certo, Akemi... - Hideki se levantava enquanto falava - a gente se vê então!

Akemi acenou, deixando escapar um sorriso.

No mesmo instante em que Hideki e os amigos afastaram-se, Akemi viu um estranho animal na janela do refeitório. Tinha os olhos vermelhos, o pêlo branco e parecia-se, ao mesmo tempo, com um gato e um coelho. Ela nunca tinha visto algo assim antes.

Ele inclinou um pouco a cabeça e parecia estar observando a garota esse tempo todo. Akemi não ousou se mexer.

O animal não ficou muito tempo ali. Durou uma fração de segundo o instante em que a menina o encarou. E, da mesma forma que surgiu, o animal desapareceu de repente.

Um arrepio que gelou toda a pele de Akemi foi o que veio em seguida. Ela tinha certeza que aquela criatura estava olhando para ela.