Tornada escrita por Jane Marje


Capítulo 4
Capitulo 3




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Capitulo 3

20h23, terça-feira, 20 de Outubro.

Nunca conto meus segredos a ninguém, não vejo motivo para fazer isso, quer dizer, ninguém nunca entenderia meus segredos, ou o motivo de serem segredos. Acho uma coisa curiosa às pessoas contarem seus desejos obscuros a outras. Isso é como um pedido de atenção, eu nunca ouço os segredos de ninguém, já que não vou contar os meus. Ou pelo menos eu espero nunca ter que contar os meus.

Estou no ponto de ônibus, e de acordo com o aplicativo no meu celular, o ônibus está atrasado. Porque pelo o que parece ele já chegou ha quinze minutos, e bem eu continuo aqui sentada. Olho para o embrulho de presente que Alexandre me entregou. Isso é bem estranho, ano passado eu já trabalhava no Recanto — nome da lanchonete — e de aniversario ganhei horas extras. Fico-me perguntando se foi ele mesmo que comprou, mas é incomum até ele falar comigo além do necessário. Tudo bem, vou esperar pra ver se esse comportamento diferente dele vai adiante.

Enfim o ônibus chega e está mais cheio que o normal para esse horário. Que ótimo! Há apenas uma ultima cadeira vaga e apesar de correr para alcança-la uma mulher com uma bela pele negra se senta antes. O jeito vai ser ficar em pé mesmo. Guardo o presente na minha bolsa e me agarro a uma barra de apoio no meio do corredor do ônibus.

— Mais o que! — deixo as palavras escaparem em um sussurro quando vejo o mesmo homem que conheci — se é que posso dizer que trocar meia dúzia de palavra é conhecer — no começo da aula mais cedo se levantando e vindo em minha direção. Ainda bem que não o conheço assim posso julga-lo apenas por sua aparência que não é nem um pouco medíocre. E olhando para esse corpo todo estrutural quero saber o que por baixo dessa camisa. Corto meus pensamentos quando me vejo perdida na imaginação de um corpo masculino muito bem cuidado.

— Não é nada educado deixar uma dama em pé — ele diz cheio de orgulho e me olhando com rodeios.

— Ótima observação senhor dono da esperteza — não entendo porque começo falar com ironia, mas as poucas palavras que saíram da boca dele me pareceram um flerte.

— Então com minha esperteza venho convida-la a sentar-se na minha humilde cadeira — sugere para mim com um sotaque britânico falando todo pomposo.

Eu o respondo com um sorriso, fazendo-o pensar que me impressiono com seu humor engraçado. E ele me sorri de volta.

— Sabe apesar de bem tentador vou recusar seu pedido.

Percebo que ele não vai deixar acabar por isso, porque ele me olha de uma maneira desafiadora.

— Pois bem, ficamos os dois em pé então — ele se apoia a uma barra de apoio também. E as pessoas começam a nos olhar, algumas até cochicham alguma coisa.

Ele não diz mais nada, apenas continua em pé ao meu lado. Fico imaginando o que passa na cabeça de uma pessoa assim. O que eu penso sobre ele? Bem imagino que seja um idiota. Olho para ele, que continua com uma cara de paisagem. Como se essa situação fosse a mais comum do mundo.

Assim que percebe o que estou fazendo, ele começa a me encarar também. Apenas devolvo uma cara feia para ele. E como se não pudesse ser mais insuportável ele sorri. Será que não consigo paz nem em um transporte publico?

— Sabe de uma coisa sua atitude não me impressiona — o provoco.

— Que atitude?

— De achar que se ficar em pé vai me fazer ter piedade de você.

— E quem pediu piedade?

É o fim mesmo.

Serro os olhos e o encaro de volta. Ele me imita.

— Você só vai me responder com mais perguntas?

— Isso te incomoda?

— Viu você fez de novo!

Ele gargalha não muito alto. E ficamos assim por um bom tempo. O riso dele fica ecoando na minha cabeça, ficho os olhos e tento esquecer o som da voz dele.

— Uma breve observação, pequena garota, você fica vermelha quando alguém te deixa frustrada.

Lanço á ele um olhar de irritação implorando por paz. É a minha vez de deixa-lo frustrado.

— E você é um idiota por pensar que sabe alguma coisa.

— Porque é tão nervosa?

— E você é um idiota por pensar que sabe alguma coisa.

— Seu joguinho não vai dar muito certo.

— E você é um idiota por pensar que sabe alguma coisa — agora fico cantarolando. Não importa o quão infantil isso possa ser só quero deixa-lo como eu. Frustrado.

Ele me lança um olhar de desafio.

— Já pode parar.

Ele está bravo. Cantarolo de novo. Uma sensação de vitória enche meu peito, paro de cantar a mesma frase. Ele bufa. Tarefa concluída: Deixa-lo frustrado. Fico apenas rindo da situação.

— Eu ganhei! — Aponto para ele.

— Que ótimo não é mesmo? Muito legal.

— Sim é muito, muitíssimo ótimo — digo com redundância.

— Não sabia que você era tão alegre assim — ele revira os olhos.

Paramos nossa conversa por ai. Ficamos lado a lado dividindo a mesma barra de apoio. Paro pra pensar em como essa discursão parece coisa de irmãos. De repente sinto meu rosto esquenta, pensando em como agi igual a uma criança. Por Deus que vergonha. Eu devia ser mais madura e sensata às vezes. Mas todo mundo devia ser, só que afinal qual é a graça da vida se não tivermos nenhum arrependimento?

O ônibus para e varias pessoas saem. Deixando assim bancos livres para sentarmos. Antes de me sentar no banco mais longe o possível do meu parceiro irritador. Dou uma piscada para ele apenas para aumentar sua fúria e me sento lá no fundo.

Para minha sorte ele vem logo atrás de mim. Que ótimo! Mas dessa vez ele não fala nada apenas se sentar no banco ao meu lado. Sei que isso é apenas para me irritar. Digo para mim mesma relevar isso. Então o ignoro.

Finalmente chego ao meu ponto, quando me levanto ele pergunta:

— Para onde vai?

— Quer descobrir?

Não entendo porque fiz isso. Devia pensar antes de falar, mas então passa um pensamento pela minha cabeça. E dai? Agora você já falou. Fico torcendo para que ele tenha algo mais importante para fazer, mas como isso depende da minha sorte. Não acontece, ele se levanta e vem atrás de mim.

A entrada do cemitério é feita de um muro vegetal, com um portão em forma de arco e grades enferrujadas. Devo admitir é um cenário bem se sinistro para se admirar a noite. Meus planos eram de vir a tarde, antes de eu acabar dormindo. Se minha companhia não for um serial killer acaba sendo uma boa ideia ter trago ele comigo.

— Um cemitério? Realmente? Esperava algo mais romântico para nosso primeiro encontro.

Ficamos parados na frente do portão.

— Haha! Muito engraçado.

Entramos.

— Eu nunca venho aqui à noite se você quiser saber, e também não venho acompanhada — comento.

— Eu também nunca fui convidado para um encontro em um cemitério, essa é uma noite de primeiras vezes.

Caminhamos entre os túmulos. Meu convidado fica com um olhar curioso, ou não. Quase não enxergo seu rosto. Ele abre a boca como se fosse fazer uma pergunta, presumo que seja enxerida, mas ele se cala.

— Sabe você podia me falar seu nome agora — ele pede.

— Sabe você podia me falar seu nome agora — ele repete.

Paro de frente com ele.

— Não nada de nomes.

Continuo a andar.

— Então do que eu posso te chamar?

— Me chame de Mar, são as inicias do meu nome do meio — eu pisco pra ele.

— Bem então me chame de Victor, aliás, esse é meu nome mesmo.

Paro de novo em sua frente e deu o belo de um soco em seu ombro.

— Mais que droga! Você não sabe seguir as regras?! — eu grito.

— Cuidado, vai acorda os mortos.

— Uma deles já esta acordada — deixo a frase como um mistério, para minha sorte o deixa confuso.

Caminhamos mais um pouco, ele fica com um olhar cansativo.

— Então você vem fazer o que aqui? Você não esta em um pique de luto, vem visitar os fantasmas ou destruir uns túmulos?

— Será que dá pra esperar? E que ideia é essa de destruí túmulos? Tá vendo alguma coisa destrutível em minhas mãos?

Isso não é importante para mim. Mas o faz rir então eu rio também. Quando chegamos ao meu destino eu o faço parar de andar. Minhas mãos estão suadas eu estou nervosa que droga.

— Bem minha brincadeira com nomes vai acabar agora, você verá meu nome e mais uma coisa que você não vai poder contar a ninguém ok? Se sinta privilegiado ninguém nunca veio ou ficou sabendo disso aqui.

Eu dou um passo e aponto com a palma da mão para um tumulo. Meu tumulo. Nele há apenas uma foto minha, eu devia ter uns quinze ou dezesseis anos e a foto era em preto e branco, com meu nome completo Evanna Marje Evrem, duas datas e uma e um epitáfio:

20 de Outubro de 1967

† 19 de Outubro de 1984.

“Você se foi e não disse aonde ia, desapareceu sem dizer adeus e partiu deixando muitos na esperança de um dia te ver novamente.”


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