Elementium - Volume 1 - A Ascensão escrita por Sophia Jackson


Capítulo 3
Me Junto aos Golfinhos




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Sempre imaginei como seria morrer. No porque de tantas pessoas tem medo desse momento da vida, afinal não é simplesmente um ponto final? Em um momento você está lá respirando, andando e  vivendo, então seus órgãos vitais decidem que se cansaram de você; ou então uma doença resolveu que seu período de oxigênio acabou; ou, ainda, um outro alguém acha que tem o direito de ditar quando seu relógio vai parar de andar. De qualquer forma tudo se resume a isso, não é? Um fim. Sem luz no fim to túnel, só escuridão e então você deixa de existir.

Bem, se as coisas realmente são assim, algo na tentativa que aquela flecha fez de me matar deu errado. Não tenho certeza do que realmente aconteceu, mas acredito fielmente que mortos não sentem seu corpo doer e muito menos conseguem ouvir vozes.

Não lembro qual foi o exato momento que cheguei a conclusão que estou parcialmente consciente. Digo parcialmente porque não acho que a visão de olhos verdes enormes me encarando da escuridão tenha sido real. Seja como for, me concentro em tentar voltar totalmente a consciência, pois, talvez, eu ainda esteja naquele maldito asfalto com tudo queimando a minha volta e todo o resto não tenha passado de um sonho muito estranho.

— Ela já acordou?

A voz corta o silêncio dolorosamente e minha cabeça pulsa em protesto. Talvez eu esteja de fato completamente consciente. Por um momento tento me convencer de que estou no hospital, que fui socorrida do acidente e que médicos estão me rondando nesse momento, mas a ilusão não persiste por muito tempo.

— Não, ela não acordou. — a voz forte de Max ecoa pelo local — Cara, você tem que tomar mais cuidado quando está com um arco e flecha na mão.

Ele não parece irritado ou pelo menos não demonstra na voz. Refaço as cenas na minha cabeça tentando visualizar o homem com quem ele conversa, mas tudo o que consigo lembrar é um rápido borrão de cabelos negros.

Respiro fundo sentindo meus órgãos internos reclamando como se eu os tivesse tirado de um sono profundo. Eu sofri um acidente. Fui resgatada por elementistas. O colégio é real. A flecha é real.

— Eu sei, já pedi desculpa. Cara, a culpa não foi inteira minha, ela que entrou na sala de combate. — ele parece entediado, talvez por, possivelmente, estar repetindo essa frase.

— Sim, mas mesmo assim, metade da culpa ainda é sua. Já pensou se ela não fosse uma elementista? — agora Max parece transtornado e não tenho certeza em como me sinto em relação a sua preocupação repentina.

Ele nem me conhece.

— Então ela não estaria aqui. Relaxa, ela vai ficar bem e, a propósito, eu aprendi aquela nova manobra com o arco quando a acertei. — o garoto diz entusiasmado.

— Sério? — a animação é perceptível na voz de Max.

— Sim.

Sinto a raiva vindo a superfície, preciso me conter para não levantar e direcioná-la para o garoto.

Pois o senhor conseguiu a merda de uma manobra? Que ótimo, posso lhe dar um soco como recompensa?

A dor intensa na minha cabeça e a pressão esquisita no peito não, ajudam a diminuir a antipatia que já estou sentindo em relação ao homem das flechas desgovernadas.

— Isso é muito legal! — Max responde alegre. Ótimo, assim tenho motivos para dar um murro nele também — Ninguém do primeiro ano tinha conseguido, o professor Ricardo deve estar orgulhoso. — posso imaginar meu punho indo de encontro a sua bochecha — Mas isso não muda o fato de que você atingiu a garota. 

Certo, talvez eu não precise agredir ele, parece realmente se importar com o fato de ter um corpo na sala.

Não seja idiota, você não está morta.

Como tem certeza?

Você está consciente sua anta!

Não tenho certeza, por que estou ouvindo você?

Você sempre me ouviu, eu sou você.

Isso não faz sentido.

Cale a boca e levante porque, se não percebeu, está mexendo os dedos descontroladamente.

Vai ver é porque estou imaginando eles na sua garganta.

Fecho as mãos em punho sentindo minhas bochechas esquentarem, mas não acho que nenhum dos dois tenha percebido minha inquietação. Testo pequenos movimentos para ter certeza que a letargia passou antes de me preparar para voltar a realidade.

— Está bem. Já entendi, eu atingi uma pessoa inocente e eu já pedi desculpas por isso, mas parece que ninguém se lembra desta pequena parte. — mais uma vez ele parece cansado e tenho certeza que possui uma expressão semelhante — Qual é Max! Dá para esquecer este assunto um pouquinho? Eu acabei de aprender um dos ataques mais difíceis com o arco.

— É, me usando como alvo. — murmuro abrindo os olhos e automaticamente levando uma mão a cabeça, parece que falar ainda não é uma ideia muito bem-vinda.

— Oi. — direciono meu olhar para o dono da voz, encostado no batente na porta.

Ele é um pouco mais alto que eu, com cabelos negros bagunçados, olhos castanhos escuros, até poderia dizer pretos e a pele é bronzeada. Parece descontraído vestido com uma calça jeans e uma camiseta branca, nela existem dois símbolos, mas não me interesso tanto ao ponto de tentar entendê-los.

— Você está bem? E, a propósito, foi mal pela flechada, não foi minha intenção. — ele leva uma mão ao cabelo bagunçando-o mais, parecendo envergonhado.

— Acho que sim, só um pouco de dor de cabeça e você devia tomar mais cuidado em que lugar mira suas armas. — respondo mal-humorada, tento desviar de seu olhar intenso. Por que ele está prestando atenção mim?

— E você não devia sair por ai abrindo portas. — encaro seu rosto que apresenta uma expressão irritada, fecho os olhos e massageio o lado da cabeça tentando aliviar a dor.

— Para sua informação, eu só estava conhecendo o lugar e, só para constar, não parece ter uma população muito amigável. — estou começando a ficar irritada também e Max parece perceber, mas antes que possa intervir a garoto retruca.

— Pelo jeito não vai melhorar muito com você por aqui. — sua voz aumenta algumas oitavas fazendo com que cada palavra entre dolorosamente pelos meus ouvidos.

— Não se preocupe, pretendo ir embora bem rápido. — tento sair da maca, mas minhas pernas estão um pouco dormentes, mantenho os olhos fechados e me apoio na cama.

— Não vai fazer falta. — aperto minhas mãos firmemente na borda do colchão, tentando me acalmar.

— Ótimo! — minha voz se altera um pouco e minha mente protesta.

— Fica quieto Austin. — Max repreende preocupado e sinto ele se aproximar — Você está bem? — assinto levemente respirando fundo mais uma vez — A enfermeira disse que você vai sentir dor por mais algumas horas, mas que deve ficar bem em breve — me endireito e encontro os olhos de Max sobre mim mais uma vez. Já estou cansada dessa atenção toda — Eles limparam seus machucados e trouxemos algumas roupas para você. Vamos te esperar do lado de fora.

O menino o encara por um tempo, parece estar em um conflito interno. Por fim se aproxima de mim e estende uma mão.

— Desculpe. — ele desvia os olhos enquanto aperto sua mão, sua expressão indecifrável — Austin Lee Clarck. Seja bem-vinda.

— Obrigada. — sua mão está gelada em contato com minha pele, faz com que um arrepio atravesse minha espinha — Thais Windchest.

Nos encaramos por um tempo. Consigo ver traços do castanho em seus olhos, mas não continuo avaliando seu rosto porque ele parece ter a mesma ideia e seu olhar intenso me deixa desconfortável.

— Ótimo, agora vamos — diz Max e agradeço mentalmente pelo afastamento do garoto — Você precisa fazer seu cadastro e se aprontar para a escolha.

A escolha. Não sei se quero participar de alguma escolha, mas Max não parece flexível em relação a isso. Olho para a pilha de roupas que ele aponta antes de caminhar para a saída e repentinamente me dou conta do ar frio da sala. 

Tento conter o pânico ao perceber que meus braços estão nus. Nenhum pano. Nenhuma manga. Nada está cobrindo a região das minha veias, mas elas não estão brilhantes, não estão chamativas. Estão normais.

Eu até poderia ter deixado a onda de alívio me dominar, mas algo gelado está subindo pela minha coluna, impedindo qualquer sentimento de conforto. 

— Onde está a minha jaqueta? — falo alto quando consigo encontrar as palavras. Meus olhos percorrem meus braços, esperando que de alguma forma o objeto se materialize ali.

— O que? 

— Onde está a minha jaqueta? — repito encarando-o. Max parece confuso por um momento antes de responder.

— Eles devem ter jogado fora, já que provavelmente estava estragada.

— Eles o que? — minha voz sai esganiçada, em um misto de surpresa e raiva.

Minha cabeça pulsa dolorosamente, mas o sentimento de traição (irracional, eu sei) que está surgindo dentro de mim, impossibilita que me lembre da simpatia que tenho por Max. Não deviam ter mexido com a minha jaqueta. Ela estava fora de qualquer direito que eles tenham sobre mim. Isso é errado.

Ele só está tentando ajudar.

Agora não!

Sabe que é verdade.

Quieta.

Era apenas uma jaqueta.

Não era apenas uma jaqueta e se é quem você diz ser deveria saber disso.

Não preciso entender suas loucuras.

— Cala a boca!

— Eu não disse nada. — meus olhos voltam a focar em Max, ele parece assustado e confuso, obviamente alheio a minha discussão interna.

— Relaxa, era só uma jaqueta! — Austin me analisa com uma expressão divertida e isso me irrita ainda mais.

Dereciono um olhar assassino em sua direção. Eu odeio esse lugar. Não quero ficar aqui. Quero ir para casa.

— Não se mete! — ele revira os olhos e sai da sala, volto minha atenção para Max, ele ainda parece muito confuso — Por que fizeram isso? Não tinham esse direito.

— Desculpe. Acho que eles não pensaram que podia ter valor. Só estavam tentando cuidar de você. — ele parece compadecido, mas isso não diminui minha raiva. Não quero sua pena.

Fico em silêncio encarando a cama onde estava deitada. Enxurradas de memórias me dominando fazendo meus olhos arderem, mas me nego a deixar que qualquer lágrima abandone meus olhos. Se acostume Thais, vai ter que ficar sem ela, isso tudo é passado agora.

— Não devem jogar as coisas das pessoas fora. — falo meio engasgada quando ele volta a se dirigir para a saída, se ele percebe a carga emocional não comenta, apenas acena e sai do quarto. 

Me permito tomar dois minutos para respirar e tentar me blindar de alguma forma para aguentar o que me espera do lado de fora.

Eu sofri um acidente. Fui resgatada por elementistas. Eles são reais. Esse mundo é real. 

Quando estou certa de que Max está no auge da impaciência do lado de fora, a julgar pela forma como sua silhueta sem move no vidro fosco, decido que chegou a hora de me arrumar.

As roupas não tem nada de especial, apenas uma calça escura e uma camiseta cinza. Meus tênis que estão me esperando próximos a porta. Olho para o montinho que eram minha roupas momentos atrás, estão sujas e rasgadas, mas ainda são objetos que me ligam a minha vida.

— Já terminei. — digo em resposta ao leve toque na porta.

Uma mulher morena entra no quarto. Suas roupas hospitalares são excessivamente brancas, se destacando na fraca luz do cômodo. Ela tem uma expressão bondosa, os cabelos cacheados presos firmemente em um coque no topo da cabeça, mas o que mais me chama atenção são seus olhos. Cinza metálico. Aposto que são muito intimidadores quando ela precisa, mas no momento me olham com carinho.

Não posso deixar de me sentir grata e parcialmente irritada. Vai ser difícil odiar eles se continuarem a ser bondosos comigo.

— Como você se sente? — seus olhos me analisam em busca de ferimentos e parecem contentes em não encontrar nenhum.

— Bem no geral. — dou a resposta mecânica que sempre funcionou com a minha mãe, mas acho importante informá-la do meu desconforto — Dor de cabeça, pressão no peito e um pouco de desequilíbrio.

— Seu coração parou duas vezes. — olho fixamente para ela esperando ver se é algum tipo de brincadeira, mas ela parece muita séria (e assustadoramente calma) em relação a tudo — A dor vai passar em breve, talvez a pressão permaneça por mais um tempo e o desequilíbrio vai melhorar conforme você for se movimentando. — nem me dou ao trabalho de protestar enquanto ela joga minhas roupas em um compartimento na parede. Meu coração parou. Duas vezes — Está liberada para ir. Boa sorte com sua Escolha.

Assinto confusa com o olhar de conhecimento que ela me lança e ando a passos lentos para fora da sala ainda insegura sobre meu equilíbrio. A claridade é consideravelmente mais intensa do lado de fora. O fluxo de pessoas também é grande, muitos outros trajados como a moça no quarto, alguns com jalecos, tocas e outros trajes hospitalares.

Sigo Max e Austin até o fim do corredor, em direção a um elevador. Tem quatro deles, enormes caixas de aço. Esse também não tem espelhos, nem música, só paredes frias que me deixam claustrofóbica. Sinto falta da minha jaqueta, me sinto exposta sem ela.

O silêncio é ensurdecedor. Max ainda parece constrangido com o que aconteceu no quarto, é como se tivesse medo de falar alguma coisa errada. Não posso culpá-lo, não fui exatamente uma pessoa muito racional antes. Austin apenas parece entediado.

— O que... — Max vira a cabeça na minha direção de forma quase sobrenatural e sinto minhas bochechas esquentarem — O que é o cadastro?

Ele parece aliviado quando eu termino a pergunta. Talvez por ser um questionamento plausível que ele pode responder sem problemas ou apenas está feliz por eu não estar gritando com ele.

—  É apenas um registro oficial no governo para você ser reconhecida como habitante de Wirdgewt. — ele dá de ombros e parece mais calmo — Daqui alguns dias você vai precisar ir no cartório para assinar uns documentos e então vai ser de fato uma Wirdgan.

— Uma... O que? — ele ri da minha expressão confusa.

— Wirdgan. São as pessoas que moram em Wirdgewt. 

— Claro. — me encosto na parede do elevador, insatisfeita com o tempo que ele demora para descer — Onde preciso fazer esse cadastro?

— No prédio do governo. — Max responde e, assim que estou prestes a protestar, ele já parece saber qual vai ser minha pergunta — Quando te levei lá mais cedo, Martin ainda não tinha organizado sua chegada. Ele nem sabia na verdade.

Volto a encarar as portas impaciente, preciso respirar fora dessa caixa. Quando as portas finalmente se abrem estamos em um salão amplo muito semelhante a entrada de um hospital. Passei muitos anos da minha infância esperando minha mãe sair do trabalho, por isso a sala de espera e todas aquelas macas do pronto socorro são muito familiares.

O salão é semelhante ao prédio do governo, mas bem mais acolhedor e aconchegante do que imponente. Ao contrário de toda a correria comum dos hospitais que conheço, esse é assombrosamente calmo. São poucas as expressões preocupadas e a sala de espera está quase vazia. Mesmo estranhando tudo isso, o eco da voz de Max dizendo algo sobre elementistas serem imortais ameniza meu espanto.

Solto um suspiro satisfeito assim que atravessamos as portas de entrada, respirando fundo o ar puro. Toda a beleza da praça está mais uma vez em meu campo de visão. Pelo que posso perceber estamos relativamente afastados do prédio do governo, talvez esse edifício seja uma das construções que percebi quando cheguei.

Observo o hospital com mais interesse agora. É uma construção muito bonita, também de mármore, com tantos andares que o sol quase me cega quando tento ver o topo. Uma enorme cruz vermelha está gravada na entrada.

Percebo que fiquei tempo demais analisando o prédio quando Max, já a alguns metros de distância, chama minha atenção. Acompanho os dois para a região do chafariz-que-não-é-um-chafariz e estamos nos aproximando do colégio quando um assobio alto ecoa pela praça. 

— Max! Espera!

Direciono meu olhar para a origem do som e vejo uma garota correndo até nós. Ela tem cabelos castanhos um pouco mais claros que os de Max...

Você não disse como o Max é.

Não disse?

Não.

Certo, hãm... pense em um cara de um metro e setenta, moreno, cabelos castanhos e olhos de um azul profundo. Esse é o Max. A menina tem cabelos compridos e ondulados, vestida com uma calça jeans e camiseta branca, uma pulseira larga azul está enfeitando seu pulso. Está usando um colete preto, igual ao de Ethan quando me resgatou e consigo ver o mesmo símbolo gravado nele. Ela tem mais ou menos a minha altura (por volta de um metro e sessenta e cinco), pele clara e olhos verdes.

— Oi Líli. O que aconteceu? — Max lhe direciona um sorriso.

  É impressão minha ou ele tentou arrumar os cabelos e e as roupas quando ela chegou?

A menina respira de forma irregular como se tivesse corrido uma maratona para chegar aqui.

— Oi Max. Oi Austin. — toma mais um pouco de fôlego, seus olhos passando por mim curiosos — Max, eu preciso de sua ajuda — respira profundamente mais uma vez — Adam derrubou veneno no laboratório.

— De novo! Ele não cansa não? — Max parece mais entediado do que bravo, mas seu sorriso ainda permanece.

— E por que o Max tem que ajudar? Porque não pediu ajuda ao Jack? Ele está lá no colégio. — Austin a encara com um sorriso malicioso, fazendo a menina corar.

Certo, agora faz sentido. Max e a garota, Líli, gostam um do outro. Isso está claro agora e obviamente, na posição de amigo dos dois, Austin não pode perder a oportunidade.

Gênia. Estou orgulhosa.

Calada.

— Eu não consegui encontrar o Jack, provavelmente está dormindo em algum lugar ou está com a Mari. Você, eu não iria chamar, provavelmente pioraria as coisas, então vim atrás do Max. — Diz Líli aparentemente tentando demonstrar indiferença, mas o leve rubor em suas bochechas provam que o comentário teve o efeito esperado por Austin. Este não parece ofendido com o comentário sobre piorar as coisas.

— Primeiro, Líli, esta é Thais Windchest — Max aponta para mim — foi trazida hoje de manhã e estava no hospital por causa do incidente Austin.

— Eu estou ouvindo, sabia? — Austin encara o amigo de forma indignada e, sou obrigada a admitir, preciso evitar o pequeno sorriso que quer se alastrar pelo meu rosto. 

— Olá, seja bem-vinda — ela sorri estendendo a mão — Sou Lílian Scolter. 

— Oi. — algo nela me faz retribuir o sorriso sem nem perceber.

— Líli, eu queria ajudar, mas tenho que levar ela para fazer o cadastro e depois para a escolha. — A decepção no rosto de Max é evidente.

— O Austin não pode levá-la? — Lílian olha rapidamente para o garoto esperançosa.

Eu e Austin automaticamente nos encaramos e depois Max, aposto que ele consegue entender o pedido claramente: Por favor, não!

— Não é uma boa ideia. — ele responde após analisar a situação, provavelmente chegando a conclusão que não daria nada certo.

— Por que não? — pergunta Lílian e depois se dirige a Austin — Você pode levá-la, Austin? É sério, o Adam vai estar com sérios problemas se a professora descobrir, você deve entender muito bem uma situação dessa.

Austin olha para ela e consigo ver o conflito interno que ele está enfrentando. Me encara por uns segundos e então suspira derrotado. Lança para Max um olhar que entendo como: Você me deve uma.

— Tudo bem, eu levo, mas não me responsabilizo por nada. — reviro os olhos ao perceber seu olhar acusador sobre mim.

— Tá, só... Se comportem. — Max nos analisa novamente, talvez ainda ponderando sua escolha.

Ele e Lílian saem correndo em direção ao colégio e estou quase propondo a Austin um acordo onde eu cuido desse tal cadastro sozinha e ele pode fazer seja lá o que ele tem planejado para o seu dia. Ou resto de dia. Como o sol chegou no horizonte tão rápido?

— Vamos. 

A voz de Austin me tira dos pensamentos. Ele está andando a passos rápidos e pesados em direção ao prédio do governo, mas não o acompanho. 

Cruzo meus braços sem a mínima vontade de mover meus pés, minha cabeça ainda dói e andar não está ajudando em nada. Por um instante tento encontrar o ponto em que "aterrissei" mais cedo. Quem sabe eu consiga voltar se achar o portal, mas meus planos de fuga são frustrados mais uma vez. Não há vestígios de nenhum portal.

Ele demora mais tempo do que eu esperava para notar que não dei nenhum passo em sua direção e, ao perceber, para bruscamente em frente ao edifício. Até posso imaginá-lo revirando os olhos e respirando fundo antes de me encarar.

— Se você quer saber o que aconteceu com seus amigos vai ter que fazer o que eles querem primeiro. Confie em mim.

— Confiar no cara que quase me matou na primeira vez que me viu? — ele ergue as sobrancelhas e, mesmo sem pronunciar uma palavra, entendo a mensagem. Eu não tenho escolha. — Devo estar completamente louca.

Me aproximo dele como novas perguntas surgindo em meus pensamentos. Como ele sabe sobre meus amigos? Max contou a ele? Ethan contou a ele? De qualquer forma encaro-o desconfiada e desconfortável por saber que ele sabe mais do que eu imaginava.

Andando mais uma vez no saguão de entrada do prédio não me impeço de ficar novamente surpresa com sua beleza. Me perco na elegância das luzes flutuantes enquanto Austin se dirige a moça de cinza que conheci mais cedo.

— Olá. Viemos solicitar o cadastro de... — ele olha na minha direção hesitante e então percebo que ele talvez tenha esquecido meu nome. Dessa vez sou eu quem revira os olhos.

— Thais Windchest.

Assim como Max e Austin, eu mantenho um tom de respeito, mas não sem me questionar sobre o que está mulher representa.

Ela assente sorridente e checa seu computador (que parece muito com um holograma) antes de colocar uma pequena máquina na minha frente, parecida com aqueles aparelhos de digital que tem em bancos. Apesar de seus movimentos parecerem espontâneos, tenho a leve impressão que são totalmente calculados, como se ela estivesse seguindo um protocolo de comportamento ou algum tipo de programação.

— Coloque o dedo indicador direito aqui senhorita. — faço o que ela pede e quase pulo para longe quando sinto uma picada na ponta do dedo — pode retirar.

Afasto minha mão encarando o pequeno furo na digital. Olho para a moça acusadoramente, mas ela não está prestando atenção em mim, voltou a mexer em seu computador. Depois de mais alguns cliques por parte dela e uma foto que sou obrigada a tirar, ela finalmente diz que meu cadastro foi efetuado e que serei informada quando minha certidão estiver disponível no cartório. Fico tentado a dizer que já tenho uma certidão, mas tenho certeza que isso só iria render mais discussão desnecessária sobre o fato de eu não poder voltar para a Terra e ainda estou bastante chateada com a primeira, portanto, apenas agradeço.

— Vocês precisam de mais alguma coisa?

— Acho que... — Austin olha para o relógio de mesa da mulher e me observa de esguelha antes de responder — O quarto andar está disponível?

— Um instante — mais alguns cliques em seu computador e ela da a resposta acompanhada de mais um sorriso — Está livre, use o elevador da esquerda.

— Obrigado.

Encaro o elevador que não tinha notado antes, é exatamente como o que entrei com Max mais cedo. Austin aperta o botão do quarto andar e o elevador começa a se mover.

— Então, foi o Ethan quem te trouxe? — sua voz corta o silêncio de forma hesitante, ele não parece confortável com a falta de diálogo, mas também não parece se sentir bem falando comigo. 

Analiso-o tentando compreender a tensão que está fazendo desse pequeno espaço da caixa de metal ainda menor. Não sei exatamente o porque disso, quero dizer, eu não fui com a cara dele e ele não gostou de mim também, é simples, não precisamos interagir um com o outro. Então, por que diabos ele quer conversar comigo? E por que tentar justamente com esse assunto?

— Sim, por quê? — não consigo evitar a expressão confusa o que parece deixá-lo mais desconfortável.

— Por nada. — da de ombros tentando demonstrar indiferença, falhando miseravelmente, já que seus olhos o entregam totalmente  — Você sofreu um acidente, certo?

— Sim. — respondo de forma hostil — O que mais te contaram? 

Toda a minha confusão é esquecida, dando espaço à raiva. Não gosto de fofoqueiros e pensar que muitos já devem estar sabendo de tudo que aconteceu dificulta cada vez mais a tentativa de aceitar essa nova realidade. Se queriam especular a minha vida, precisavam pelo menos se certificar de que eu não iria me importar.

— Nada, eu só ouvi o Ethan dizer isso ao Martin. — semicerro os olhos diante sua confissão.

— Então você estava escutando atrás da porta? Sabia que isso é falta de educação? — posso sentir meus lábios se curvando em um sorriso irônico quando suas bochechas se coram de rosa.

— Eu não estava escutando atrás da porta, eles estavam conversando no refeitório. — ele está irritado mais uma vez — Sabe, seria mais fácil conversar se você tivesse o mínimo de educação.

Isso é sério?

Aparentemente.

— Eu não tenho educação? — minha voz soa incrédula, provavelmente imitando a expressão em meu rosto.

— Tem mais alguém nesse elevador?

— Idiota — cruzo os braços e me escoro no metal. Sinto seus olhos queimarem em mim enquanto encaro as portas. Elas nunca vão abrir?

— Escuta aqui garota, você não...

Nesse exato momento ele é interrompido pelo movimentos das portas e um homem parado do outro lado. Ele é alto, moreno e está de terno marrom, tem olhos intimidadores que não combinam com sua expressão calma. Ele olha para mim e depois para Austin que endireita o corpo, como se fosse um soldado demonstrando respeito a seu comandante.

— Algum problema por aqui? — seus olhos verdes nos analisam detalhadamente como se tentasse ler algo.

— Não, senhor. — a resposta vem imediatamente e programada do garoto ao meu lado.

O homem olha para mim novamente e observa minhas roupas. Diante de seus olhos me sinto exposta, é como se ele conseguisse ver o fundo da minha alma e sempre odiei pessoas assim. Desencosto do metal, me mexendo desconfortável com toda a atenção.

— Recruta? — ele parece tão seguro da resposta que a pergunta pode ser facilmente considerada um afirmação.

— Sim. — novamente Austin não demora nem um segundo para responder o que me faz encará-lo confusa. Quem é esse cara?

— Qual seu nome? — passam-se segundos até perceber que dessa vez a pergunta é dirigida a mim.

— Thais Windchest. — o nome deixa meus lábios sem que eu tenha tempo de impedir.

Assim que pronuncio as palavras me sinto estranha por estar me expondo mais ainda ao homem desconhecido. Não costumo falar meu nome de cara para alguém que eu não conheço, talvez só em circunstâncias esquisitas como hoje de manhã, mas não sei bem o porquê de sentir que posso confiar nele.

Por um pequeno momento consigo registrar surpresa em sua expressão, antes dela voltar a extrema calma. Seus olhos me analisam mais uma vez, agora curiosos. 

— Uma Windchest! Faz um tempo que não vejo alguém de sua família — ele parece ainda mais curioso quando o encaro confusa — Seja bem-vinda. Acho que posso dizer que estou ansioso para a sua escolha.

Ali está novamente, o olhar de conhecimento. O mesmo que a enfermeira exibiu no hospital. O mesmo que Ethan e Max trocaram na praça. O que diabos está acontecendo aqui?

— O que quer dizer? — não posso deixar de usar um tom mais defensivo. Não quero que ele tenha interesse nenhum relacionado a nada sobre mim.

— É, o que o senhor quer dizer? — Meus olhos não se desgrudam do homem, mas sei que Austin tem uma expressão parecida com a minha. Algo como: Mas o que?

— Austin, Austin... Você devia prestar mais atenção nas histórias antigas. — ele coloca uma mão no ombro do garoto. — Mas não cabe a eu dizer o que tem que estudar, então, continuem, não quero atrapalhá-los. — ele entra no elevador e se dirige a mim uma última vez — Boa sorte, Thais Windchest.

Antes que eu possa colocar meus pensamentos em palavras e perguntar um belo "Que papo é esse?", ele simplesmente desaparece. Não, isso não foi uma forma de dizer que as portas se fecharam e ele foi embora, quero dizer que ele sumiu. Poof! Em um segundo estava na minha frente e no outro não estava mais. Acho improvável que o elevador seja um portal, então o homem só pode ter feito algum outro truque.

— Como...?

— Histórias antigas... — Austin encara o chão confuso — Mas como assim? Windchest...

— Desculpe atrapalhar seus incríveis pensamentos, mas...

— Espere! — seus olhos assumem um brilho de entendimento — Windchest! A guerra! — seus olhos se voltam para mim incrédulos e olho rapidamente por cima do ombro para ter certeza que a coisa toda é comigo — Como é o nome dos seus pais?

— Por que você...

— Apenas diga.

— Alequen e Lia Windchest. — então é como se estivéssemos em câmera lenta, consigo ver cada mudança de sua expressão, primeiro espanto, depois confusão e por último se estabelece admiração. Acredito que não preciso dizer que a minha permanece na "Mas o que?".

— Você... Você é...

— Dá pra parar com o "você é" e me dizer o está acontecendo? — minha paciência se esvai assim como a confusão, deixando somente a irritação por não entender nem metade de toda essa esquisitice.

— Você não tem ideia de quem é o seu pai, não é? — ele exibe um sorrisinho debochado o que só contribui para minha raiva.

— Meu pai é um capitão do exército. — respondo hesitante. Por que isso não parece verdade?

— Deixa pra lá. — ele revira os olhos ainda com o sorriso — Vamos.

— Tudo bem, mas quando quiser bancar o esquisito avisa primeiro. — tento afastar a sensação de insegurança enquanto o sigo.

Ele nem ao menos da bola para o comentário e continua andando. O cômodo mantém o padrão do saguão e da sala da pedra, chão de mármore, janelas de vidro âmbar e colunas dos dois lados do corredor central. Ela é consideravelmente menor do que a sala da pedra e na parede do fundo vejo um painel de vidro. Preciso admitir que é meio sem graça se comparada com o resto do prédio.

Austin anda até o final do corredor e fica ao lado de uma placa de ferro (ao que parece) que está no chão.

— Tire os tênis e suba. — arqueio as sobrancelhas diante seu tom autoritário.

— O que? — mantenho minha voz controlada mesmo odiando seu sorriso debochado.

— Sobe na placa. — parece mal-humorado, me fazendo ter menos vontade ainda de fazer o que me diz.

— O que é isso? — Pergunto apontando para o painel de vidro.

— Só sobe. 

Tiro meus tênis bufando, vou até a placa desconfiada e subo nela. É gelada e plana. Contorço meus dedos nervosamente esperando que meu corpo irrompa em chamas ou algo assim.

— O que supostamente era para acontecer? — pergunto encarando-o hesitante.

— Isso é uma placa de julgamento, você é obrigada a dizer a verdade enquanto estiver em cima dela, ou morre. — analiso seu rosto em busca de sinais de zoação, mas ele está muito sério. Estou prestes a descer da placa quando ele acrescenta — Não pode descer até que o julgamento acabe.

— Quem foi que disse que estou em um julgamento? — indago irritada, mas não desço da placa, já vi coisas demais para duvidar completamente do objeto.

— Eu disse. — ele exibi um sorriso debochado mais uma vez e então seu rosto assume uma expressão curiosa. Isso não pode ser bom — Quem te deu a jaqueta?

Por alguns segundos não entendo exatamente o que ele está me perguntando, então me lembro do incidente do hospital. A forma como agi quando descobri que minha jaqueta tinha sido jogada fora. Meus olhos perdem o foco momentaneamente, minha mente sendo invadida por lembranças. Encaro-o com toda a hostilidade que consigo juntar.

O fato é que o objeto era valioso para mim, ganhei de uma pessoa muito importante, alguém que eu amava e que nunca mais vou poder ver. A jaqueta era uma forma de eu me sentir próxima a essa pessoa e lembrar que vou ser privada disso para sempre, não melhora meu humor.

— Não é da sua conta.

— Cuidado, você pode morrer a qualquer momento.

Olho assustada para o painel de metal odiando essa versão ridícula de verdade ou desafio, onde, aparentemente, só tem a parte da verdade. 

— Você não pode fazer isso. — digo, mas a verdade é que não faço ideia do que ele pode ou não fazer.

— Não posso mesmo. — encaro-o surpresa percebendo um segundo depois o sorriso divertido em seu rosto — Só queria saber se ela realmente tinha valor.

— Você é ridículo! Seu... — desço da placa furiosa, mas ele não parece nem um pouco preocupado — Idiota!

— Calma, foi só uma brincadeira. — ignoro-o completamente enquanto pego meus tênis — Eu pensei que fosse querer sua jaqueta, mas se isso não te interessa, podemos descer.

— Como assim? — mesmo evitando olhá-lo preciso saber do que ele está falando.

— Sobe na placa.

— Pra que? — observo o painel meio incerta, ainda não entendo o que isso tem a ver com a minha jaqueta.

— Dá para fazer isso sem ficar fazendo perguntas? — sua voz aumenta, encaro-o com um sobrancelha erguida, sinto a irritação voltando.

— Dá para parar de ser um idiota e responder essas perguntas? Ou elas são demais para sua inteligência? — dessa vez nem tento disfarçar a raiva, não vou me esforçar em ser calma com um cara que não faz o mínimo de esforço para ser legal.

— Você é insuportável, sabia?

— É um dom não apreciado que você também tem. — o sorriso debochado rasga meus rosto.

— Dá pra fazer o que eu pedi? 

— Primeiro, você não pediu, você mandou — digo e ele revira os olhos — e segundo, não me explicou o que é essa coisa.

— Se quer que eu peça por favor, pode esperar sentada. 

— Ótimo, já estava cansada de ficar em pé mesmo. — digo me sentando no chão.

Ele está perdendo a paciência.

Eu também.

Não se pode perder algo que você não tem.

Ele me lança um olhar de raiva que eu devolvo com o maior prazer.

— Eu não vou pedir por favor!

— Tudo bem, eu não pretendo fazer o que falou mesmo. — dou de ombros me encostando na pilastra atrás de mim.

Alguns momentos se passam e ele parece perceber que não vou ceder. Respira fundo como se estivesse tentando se acalmar. A coisa é, se ele for estúpido comigo, eu vou estúpida com ele e não vamos para frente nessa conversa. Austin parece chegar a mesma conclusão.

— Tudo bem, levanta daí. — ele fala e levanto uma sobrancelha — Eu vou explicar. É um equipamento para design, ele é capaz de produzir objetos a partir da imaginação. Isso — ele aponta para a placa — é o receptor de ideias. Suba nele e imagine sua jaqueta. 

— Obrigada.

— De nada. —seu sorriso é tão falso quanto meu amor por matemática.

Fico de pé e tento visualizar cada detalhe da jaqueta, mas depois de alguns minutos sei que não está funcionando, os detalhes se embaralham na minha mente. É difícil se concentrar quando tem uma pessoa olhando pra você.

— Funciona melhor se fechar os olhos. — ele comenta se apoiando em uma coluna com as mãos nos bolsos.

— Tá de brincadeira né?

— Não, feche os olhos, concentre-se e imagine você vestida com ela. 

Me concentro de olhos fechados, tentando ignorar o fato que tem alguém me encarando a poucos metros.  Após alguns minutos ouço um barulho semelhante ao de uma impressora.

— Pode abrir os olhos agora. — Austin chama minha atenção e o encontro segurando minha jaqueta — Satisfeita?

— Como? — caminho até ele embasbacada. Seguro-a para ter certeza que é real. É perfeita.

— Seus pensamentos são materializados e impressos por aqui. — ele aponta para uma janelinha que se abriu abaixo do vidro.

— É como uma impressora 3D.

— Quase isso, um pouco mais avançada eu diria. — ele observa a máquina com um sorriso orgulhoso — Nós temos nossa própria tecnologia, evoluímos muito mais rápido do que os mortais e de forma bem menos destrutiva — um brilho de raiva surge em seus olhos — Coisas como comida e roupa nós até espelhamos nas invenções deles, mas tecnologia em geral criamos a aprimoramos como queremos.

— Parece interessante. — digo sem saber exatamente o que comentar, ele parece chateado com alguma coisa, mas a expressão calma vai aos poucos predominando em seu rosto — Obrigada.

— De nada. Claro que não é aquela que você tinha, mas já é alguma coisa.  — assinto e ele sorri levemente. Tenho quase certeza que vejo compreensão em seu olhar — É melhor nós irmos, todos já devem estar te esperando. — ele fala se dirigindo para a porta. Engulo em seco, mas ele está de costas, alheio ao meu nervosismo — Está anoitecendo e não quero perder o jantar. 

— O que é essa escolha? — mexo as mãos nervosamente me xingando por deixar tão evidente minhas inseguranças.

Ele para no meio do corredor e se volta para mim, mas não debochado como antes. Assim como Max na sala da pedra, ele parece solidário, quase como se entendesse como estou me sentindo.

— É a cerimônia onde descobre a que elemento pertence. — responde de forma gentil.

— E se eu pertencer a mais de um? — lembranças invadem minha mente fortalecendo essa ideia.

— Então você é condrow. Não me pergunte o porque do nome eu não sou o Max. — ele acrescenta quando franzo a testa — Se for o caso, vai ter que escolher a qual elemento servir, assim como eu. — arqueio as sobrancelhas em questionamento — No meu DNA existem os genes da água, mas também os de energia. Eu escolhi a água.

— Por isso só usa azul? 

— Sim, azul é a cor dos Sharks que é como chamamos os elementistas da água — ele explica pacientemente — os Fênix são os do fogo; Aires do ar; Lutuns da Terra; Frigids do gelo; Elétricks da eletricidade; Lamps da luz e Shadows das sombras. — ele sorri brevemente e agradeço-o mentalmente pelo momento de descontração — As cores são para manter uma certa ordem.

"Sharks são representados pelo azul; Fênix pelo vermelho; branco é a cor dos Aires; roxo dos Frigds; os Elétricks normalmente usam bege, mas eles também podem ser referenciados pelo cinza; Lamps usam amarelo e os Shadows preto. Cada um também tem seu símbolo que é representado no colete de combate, nas camisetas e nos agasalhos do colégio".

—  Então eu vou descobrir meu elemento nesse negócio, a escolha? — tento agrupar as informações, para tentar parecer menos perdida.

— Sim. — ele sorri mais uma vez e segue rapidamente para a porta — E estamos atrasados.

Pegamos o elevador e descemos até o saguão de entrada. Quando saio para a praça, ela está lotada de pessoas sentadas em bancos de uma arquibancada que surgiu sabe-se lá de onde. Só tem pessoas jovens, acho que o mais velho deve ter uns trinta anos. Nos bancos da frente sentam-se homens e mulheres de roupa social que deduzo serem pessoas de maior importância (ou algo assim), entre eles está o homem de terno marrom que vi a pouco tempo. Mais atrás, estão pessoas de roupas comuns, mas cores diferentes. Sentam-se todos juntos, conversando e dando risadas, perecem uma grande família em um churrasco. Crianças estão brincando em volta do chafariz e adolescentes conversando nos bancos detrás. Alguns deles, vestidos com roupas pretas, estão dormindo e acho que vejo um flutuar, mas seu colega do lado – que deve ser um Fênix, a julgar pelas roupas vermelhas – o acorda.

Austin segue para um banco mais atrás, sentando-se ao lado de Max e Lílian. Não consigo estimar ao certo quantas pessoas estão presentes, mas posso afirmar que são muitas, fato que não contribui em nada para aliviar meu nervosismo.

Todos olham para mim e as crianças, que antes brincavam, vão se sentar ao lado de seus pais, que em minha opinião são meio jovens para serem pais. O lugar é todo iluminado com luzes que vem do chão, como se tivessem lâmpadas embutidas nas pedras brancas.

Um homem se levanta e vem em minha direção. Ele é alto, magro, aparenta estar na casa dos vinte e poucos anos, tem cabelos negros, olhos pretos, pele clara. Está usando roupa social inteiramente preta.

— Olá, Thais, seja bem-vinda ao seu lar. — ele fala sorridente e ouço alguns murmúrios vindos dos bancos — Eu sou Martin Covask, o diretor do colégio Eurocado, onde você vai ficar até se formar e ir para seu devido Meydran. — sua voz transmite calmaria e eu agradeço-o internamente, pois não sei lidar muito bem com todos esses olhares sobre mim.

— Prazer. — é a única palavra que consigo dizer, repentinamente me dou conta que minha garganta está seca demais.

— Agora tem que descobrir seu elemento. Fique em frente àqueles degraus. — Martin aponta para o meio da praça.

— Por quê? 

— Para que possa ser apresentada. Por favor, vá. — assinto voltando a mexer as mãos nervosamente.

Vou até os degraus que estão em frente ao chafariz. Martin se senta ao lado dos políticos. Agora todos na praça me encaram, até aqueles que estavam dormindo a uns minutos atrás.

Olho para frente no exato momento que uma luz irrompe do lugar onde deveria sair à água e uma figura encapuzada aparece diante de mim. É um homem com capa cinza, expressão determinada, olhos de um marrom profundo, pele morena – pelo menos é o que consigo ver pela pouca pele exposta – ele é alto, com quase dois metros. Observa a plateia apoiado em seu cajado e depois me encara.

— Sejam bem-vindos a mais uma Cerimônia de Escolha. — sua voz é reverberante, seus olhos varrem o terreno, atentos — E vamos dar nossas boas-vindas a nossa mais nova recruta, Thais Windchest.

Quando fala meu nome todos batem palmas, mas algumas pessoas que estão com as crianças e os políticos hesitam por poucos segundos, então aplaudem também, me encarando com curiosidade. Se eu não estivesse tão nervosa e desconfortável com toda a atenção, poderia me lembrar de sentir raiva deles. 

— Suba. — diz o homem de capa me oferecendo à mão.

Mesmo insegura, subo e seguro sua mão. Ele fecha os olhos e quando os abre a parte de baixo do chafariz onde existe uma passagem que pensei ser para a saída da água, é inundada. Do lado esquerdo vejo água cristalina e do direito lava, quente e brilhante.

Os adolescentes da plateia agora estão interessados, os políticos e adultos que hesitaram antes não parecem surpresos, nem mesmo Martin. É como se eles já soubessem que isso ia acontecer. Max e Lílian olham na minha direção animados e posso perceber que Austin tenta parecer indiferente, mas tenho quase certeza de ver um pequeno sorriso em seu rosto.

— Muito Bem. — o homem pondera a situação e parece contente quando se volta para mim — Thais, você tem uma escolha a fazer. Foi lhe dado o dom de dois elementos, você tem que escolher um e aprender a controlá-lo. A escolha só pode vir de você. — seu olhar é intenso e me faz ter a sensação que estou prestes a fazer a escolha da minha vida — Diga-me sua resposta, vai escolher a água, ficar ao lado dos Sharks e abandonar os Fênix, ou vai escolher o fogo e se tornar um deles? 

Olho para o fogo, queimando fervorosamente de um lado, no outro a água que parece estar gelada e calma.  Preciso escolher. Mas qual? Olho para a plateia, todos os de vermelho e os de azul me encaram esperando minha decisão. Olho para Max, Lílian, Austin e Ethan, sentado atrás deles, todos eles são Sharks. Vejo Micael, sentado ao lado de mais alguns Fênix, me olhando com expectativa. Os políticos ainda parecem curiosos a meu respeito, mas em Martin encontro apenas calmaria, parece me dizer para escolher sabiamente.

Viro-me para o homem novamente, agora, em frente a ele, dois símbolos brilham intensamente, um azul e outro vermelho, os símbolos de Shark e Fênix. Um deles será o meu, mas qual?  Antes que a indecisão se prolongue por muito mais tempo como sei que vai acontecer se eu permitir, mudo minha linha de raciocínio.

Qual dos dois eu jamais iria querer que fosse a causa da minha morte? Sei que é um pensamento idiota para uma circunstância como essa, mas eu sempre achei o fogo mais cruel que a água. Quero dizer, quando você cai na água e não sabe nadar, você prende a respiração o máximo de tempo que consegue, isso é natural, você se recusa a abriu a boca, então segura até sua cabeça parecer que vai explodir. Quando você finalmente respira sente uma queimação nos pulmões e só, depois não sente mais nada. Já o fogo mata lentamente, deixando a pessoa agonizando de dor enquanto queima tudo, levando sua vida junto as chamas. Eu prefiro morrer afogada ao invés de queimada.

Olho para o símbolo dos Sharks e o seguro com a mão direita. Imediatamente o fogo se apaga e o chafariz fica contornado de água. A arquibancada é tomada por gritos ensurdecedores de comemoração e palmas. Os Fênix não parecem magoados por eu não os ter escolhido e isso diminui o pequeno sentimento de culpa que estava começando a se tornar forte.

— Bem-vinda aos Sharks — o homem diz e precisa esperar mais um momento quando um nova salva de palmas toma a praça — você servirá a água e ao lado de seus companheiros ajudará a defender os mortais e a natureza dos monstros que vagam pela Terra. Boa sorte, Thais. — e, antes que eu possa agradecer, ele desaparece junto com a água.

As pessoas se levantam e vêm me dar boas-vindas, logo em seguida vão desaparecendo igual ao homem de terno marrom. As crianças, que seguram as mãos dos adultos, desaparecem junto e os adolescentes começam a voltar para o colégio seguindo Martin.

— Parabéns! Você é uma Shark agora. — Max exibe um enorme sorriso de orgulho e não consigo evitar retribuir. Percebo seus olhos curiosos sobre a jaqueta, mas ele não comenta e eu não tento explicar.

— É isso ai, vamos lá golfinhos! — levanto meu punho direito como se fosse um grito de guerra.

— Na verdade, shark significa tubarão. — ele aponta ainda sorrindo.

— Tanto faz, os dois vivem na água. 

— Por que não chama de peixes de uma vez? — pergunta Austin parando ao lado de Max.

— Porque golfinhos são mais fofos e quem disse que a conversa fez curva? — reviro os olhos encarando-o com tédio.

— Você é muito...

— Dá pra parar? Tá irritando. — Max pede cansado.

Ele tem razão.

Silêncio.

Eu e Austin nos encaramos desafiando um ao outro a falar, até que ele se vira e vai para o prédio do colégio seguindo os outros. Lílian vem em minha direção de braços abertos, sorrindo contente.

— Seja bem-vinda a família. — seu abraço é confortável e muito receptivo — Vamos, temos que descobrir qual é o seu quarto e então jantar, deve estar com fome.

— Como você adivinhou? — digo dirigindo-lhe um sorriso.

Ela retribui, engancha seu braço no meu e vamos andando juntas para o que parece ser minha nova casa.

Eu sofri um acidente. Fui resgatada por elementistas. Eles são reais. Esse mundo é real. Meu elemento é a água. Eu sou uma Shark.


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Notas finais do capítulo

Pessoas...
Esse capítulo tem um bônus :)
Para aqueles que ficaram curiosos sobre sua personalidade elementista, eu estou disponibilizando o link do teste para descobrir qual elemento está no seu sangue:
https://pt.quizur.com/quiz/que-tipo-de-elementista-e-voce-3uvZ?nq=1&tm=1516761155
Obs: Ele funciona apenas no computador.
Eu também queria agradecer a uma leitora (a primeira kk) a Alice (que também atende pelo nome de Iris ♥♥♥) por ter feito esse teste, ficou ótimo.
Até mais pessoas.



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