Elementium - Volume 1 - A Ascensão escrita por Sophia Jackson


Capítulo 25
Às Vezes Se Apoiar Em Escamas Não É Uma Má Ideia


Notas iniciais do capítulo

Olá Pessoas lindas do meu coração...
Primeiramente, feliz natal e ano novo atrasado.
Gente nem sei como pedir desculpas pelo meu sumiço então nem vou tentar fazer isso.
Só posso dizer que estar na faculdade significa não viver kkkk, consequentemente, significa não escrever também.
Mas aqui estou eu com mais um capítulo, espero que gostem.



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— Como exatamente você pretende fazer isso? Os portais, até onde eu sei são monitorados. – Austin está assustadoramente calmo hoje o que me deixa confusa com sua mudança repentina de humor.

Se eu aceitei a proposta maluca dele? Sim, eu aceitei. Você deve me achar bem idiota por concordar com algo assim depois de quase morrer, mas ele parecia perturbado e não pude negar. Até porque as chances de ele morrer estando sozinho são bem maiores do que se estiver acompanhado. Mas mesmo assim, não vou mentir, eu sinto um pouco de medo daquele lugar.

   – Iremos por uma passagem... digamos... mais convencional. – novamente seu sorriso me faz hesitar, ele não está agindo normalmente.

   – Outra cortesia de mercenários?                       

   – Não vai dar uma de Lilian agora, vai? – Ele nunca fala da Lili assim. Semicerro os olhos tentando entender o que está acontecendo, mas não consigo registrar nada.  

   – O que exatamente vamos fazer lá?

   – Apenas quero tentar entender uma coisa. – reviro os olhos. Odeio respostas pela metade.

   – Que coisa? – não consigo esconder minha irritação e ele me encara divertido.

   – Não se preocupe Thais, não estou tentando te matar. – reviro os olhos novamente fazendo-o rir – Tudo bem, quando chegarmos lá, eu te explico tudo. Vem, a entrada é aqui.

Ele não me da chance de responder, apenas me arrasta até atrás de uma árvore onde não tem nada além de mato.

Eu disse para pensar melhor sobre ir com ele.

Não posso deixar que ele vá sozinho e morra.

Você é o que? Babá?

Não. Mas é o que amigos fazem.

Então agora são amigos?

Quase isso. Eu acho.

Se não confia nele, porque está seguindo-o sem pensar duas vezes?

Nunca disse que não confio nele.

Você não precisa, conheço seus pensamentos.

Austin anda lentamente até uma pequena fenda no tronco da árvore e depois se afasta observando o terreno vazio a nossa frente. Eu confio nele, não confio?

   – O que você...

   – Tenha calma, confie em mim. – Eu confio?

   – Mas...

Sou interrompida por um leve tremor sob meus pés. Observo a grama, mas ela continua inanimada abaixo dos meus tênis. Encaro Austin, novamente insegura quanto a minha decisão, mas antes que eu possa falar qualquer coisa, algo surge do chão me fazendo recuar. Posso confiar?

Minha opinião. Não.

Por?

O cara tem contato com mercenários, então, não.

Austin me estende a mão, mas não me movo. Ele está estranho, não sei se posso confiar nesse Austin. Seus olhos tem um brilho diferente do habitual, estão escuros e ao contrario dos outros dias, não consigo ler nada neles, nem um único sentimento.

   – O que foi? – tento me lembrar se aconteceu algo no caminho do ginásio até aqui. Nada. – Thais?

   – Eu... – encarando-o, começo a sentir falta do garoto triste na arquibancada, ele não me causava medo ao contrário desse sem emoções.

   – Ei... Não confia em mim? – analiso seus olhos. Escuros e frios. Eu devo?

Não.

   – Você... – engulo em seco, desviando os olhos para a coisa as suas costas, se assemelha a uma porta. Nunca gostei de portas. – O que aconteceu?

   – Nada. – ele suspira e consigo captar irritação em suas íris. Mas que diabos... – Thais não tem nada de errado, só preciso checar uma coisa. É importante, mas se não quiser ir comigo, não tem problema, eu vou sozinho.

Ele vira as costas, caminhando calmamente até a porta de madeira. O que há de errado com ele?  Meu corpo parece petrificado enquanto meus pensamentos discutem internamente.

O que devo fazer?

Já disse minha opinião, mas sei que você não ficará bem, então é melhor ir.

Eu quero ir, mas...

Está com medo dele.

Não tenho medo dele, só não entendo.

Vá com ele.

    – Espere. – ele para, ainda de costas, paro ao seu lado. Está com uma mão na fechadura. Droga. – Não faça eu me arrepender.

Um sorriso de canto. Um sorriso de canto frio e sem emoção. É tudo que consigo ver em seu rosto antes de ele abrir a porta. Meu corpo retesa. Odeio portas.

Se acalme.

Estou calma.

Eles não estão aqui.

Balanço a cabeça, tentando afastar os pensamentos ruins, não é a melhor hora para isso. Austin me oferece novamente a mão, seguro-a e ele me puxa para dentro. Primeiro vem a escuridão e no segundo seguinte meu corpo se choca contra algo duro. Gelo.

Sinto minha pele formigar quando entra em contato com o vento gélido. Encaro meus braços, analisando as veias vermelhas deixando minha pele rosada. Poder Fênix. Fico grata pelo calor que me envolve, mesmo com a temperatura crítica. Observo o terreno, tudo igual, céu acinzentado, dia escuro, vento de congelar, nada colorido a vista. Olá Alasca.

Onde está o marginal?

Para de chamá-lo assim.

É o que ele é.

O que tem contra ele?

Quer os motivos em ordem alfabética ou cronológica?

Nenhum dos dois. Fique quieta.

Varro o local novamente, mas meus olhos não focam nada vivo. Onde ele está? A neve dificulta minha visão, tornando ainda pior me localizar em meio à imensidão branca. Me atrevo a dar alguns passos hesitantes, parando logo em seguida quando um calafrio percorre minha coluna.

 O que foi isso?

Sexto sentido.

Certo, mas o que é?

Não sei.

Fecho os olhos tentando conter o turbilhão de lembranças que chegam ao mesmo tempo. Pare de ser doente Thais, não são eles. Nem ela.

Disse que não era uma boa ideia.

Que tal ajudar em vez de me dar sermão?

Vá para a esquerda. Tem movimentos daquele lado.

Como sabe?

Você não tem tempo pra isso. Ande.

Sigo as “ordens” me focando apenas no caminho a frente, não tenho tempo para me distrair com sensações que não são bem vindas. Aos poucos consigo distinguir uma silhueta em meio a cortina de neve, porém ao me aproximar não encontro exatamente o que esperava.

Lhe disse para não confiar.

A minha frente se encontra um homem alto, magro, com uma armadura negra. O soldado.

No lado oposto está o cara que eu decidi ajudar e que provavelmente acaba de me enfiar em outra situação de possível morte. Como posso confiar? Que droga.

Observo a cena tentando compreender o que está acontecendo, mas os dois estão apenas parados ali sem fazer nada, se encarando. Austin com a espada em punho e o homem com mascara e arma na bainha, aparentemente despreocupado. Noto que um tipo de aura está a sua volta, deixando o lugar próximo a ele mais escuro. Como? Eu não sei.

   – Eu sei quem você é. – encaro o adolescente com um olhar venenoso. O que? – Pare de ser um covarde e tire a máscara.

Quase sinto meus olhos faiscarem e arrancar a cabeça daquele idiota me parece uma ideia muito tentadora. O que ele pensa que está fazendo? Uma gargalhada ecoa por entre o gelo e mais um arrepio sobe minhas costas. Quando o som para, os dois ficam imóveis, mas a aura em torno do soldado fica mais forte e consigo vê-la em volta de Austin também.

Estática, assisto a espada do garoto ir de encontro ao chão e o mesmo abaixar a cabeça. Quando me dou conta já estou ao seu lado chamando-o. Seus olhos estão perdidos em um ponto no chão e ele parece confuso, sentimento que eu compartilho. O homem de preto não se moveu nem um centímetro, mas sua aura está mais forte e quase posso visualizar um sorriso por trás da máscara.

Meus olhos se voltam para o shark ainda na mesma posição. Me aproximo nervosa, não tenho ideia do que fazer, mas sigo meus instintos e toco seu ombro, imediatamente sentindo um choque percorrer meu braço me jogando alguns metros para trás. Mas o que?

Isso doeu. Até eu senti.

Agradeço a informação.

Respiro ofegante e levo uma mão até minha costela que, acidentalmente, foi perfurada por uma estaca de gelo. Um grunhido escapa por entre meus lábios. Ótimo, mais um para a coleção.

Me levanto com dificuldade tentando ignorar as pontadas na lateral do corpo. Olho ao redor percebendo que estou mais longe do que eu esperava. Droga.

Você pode pedir ajuda.

Pra quem? Só tem duas pessoas além de mim aqui, uma quer me matar e a outra eu não tenho mais certeza de que lado está.

Obrigada pela parte que me toca.

Ah! Você estava se referindo a você?

Quem mais seria gênio?

Tudo bem espertinha me responda, como você vai deixar de ser minha consciência e virar uma coisa real para me ajudar?

Eu sou real.

Não, não é. Agora fique quieta e me deixe pensar.       

Respiro fundo novamente sentindo um líquido quente molhar minha mão. Ignoro a dor e o sangue, começo a andar em direção dos dois sujeitos que ainda estão parados. Agora mais perto, percebo que Austin está de joelhos, encarando as mãos. Seja lá o que esse cara está fazendo com ele, não é uma coisa boa. Tento apressar os passos, mas meu corpo está começando a perder calor devido ao ferimento, me tornando mais lenta.

Pare!

O que foi?

Não se aproxime mais.

Como assim não se aproxime? Ficou louca? Eu preciso ajudá-lo.

Não faça isso. Tem alguma coisa errada.

Do que está falando?

Você não aprendeu nada sobre seus instintos? Você está arrepiada.

É o frio.

É medo. Animais instintivos, principalmente caçadores têm o sexto sentido aguçado.

Está me chamando de animal?

Você já devia ter percebido. Por que não entende o que eu digo?

Agora está me chamando de burra?

Junte as peças Thais. O que eu sou?

Alguém muito intrometida e abusada. Agora se me da licença, eu tenho mais o que fazer.

Não se aproxime!

Fique quieta!

Você pediu.

O que...

Sou interrompida por uma pontada extremamente forte em minha cabeça. Por um momento penso que fui atingido por algo, mas não tem nada a minha volta. A dor aumenta e perco a força nas pernas, ficando de joelhos no gelo. Levo as duas mãos à cabeça e aperto, tentando de alguma forma amenizar a dor. Mesmo com os pensamentos nublados, sei que tenho que continuar andando.

Me ponho de pé sentindo lágrimas nos olhos, minha visão está embaçada e me movo mais lentamente, a cada passo a dor aumenta, mas continuo o caminho até eles. O espaço envolta deles está escuro, não sei dizer se efeito da dor ou se é a aura do soldado que está mais espessa.

Pare de andar!

Não me diga o que fazer.

Não me obrigue a desmaiar você.

É você quem está fazendo isso?

Sinto muito, estou tentando te proteger.

Quase explodindo a minha cabeça? Estou muito agradecida, pode acreditar.

Vai me agradecer um... Essa não.

O que?

Eu disse para parar de andar.

O que quer dizer?

Ele vai parar você.

Como assim?

Peça ajuda!

De quem?

Peça!

Você não é real!

Sou mais real do que imagina. Peça!

Não vou pedir ajuda a mim mesma, não seja idiota.

Eu não sou você! Peça-me para protegê-la!

Proteger de que?

Nesse momento um barulho ensurdecedor toma conta do lugar. A dor se vai e consigo focar minha visão. Minha mente não entende o que meus olhos vêem e começo a desconfiar que desmaiei. Não posso estar vendo isso em plena consciência. O que é aquilo?

O que você acha que é idiota?

Confuso? Eu explico. A aura, fumaça negra, sombra, você escolhe como deseja chamar, que estava envolta dos dois homens não está mais espessa, se tornou uma coisa. Uma coisa gigantesca e reptiliana. As patas são enormes, com garras afiadas. O corpo coberto de escamas negras e os olhos cor de rubi estão me encarando.

Não se mexa.

Por quê?

Ele é um caçador, quer diversão, se você se mexer, ele ataca.

E o que eu faço então?

Me peça ajuda.

Isso não faz sentido.

Vai fazer.

Encaro a criatura, não ouso mexer um músculo. Ele é familiar, mas não consigo me lembrar de onde o vi, quer dizer, não tive muitas experiências com lagartos super desenvolvidos, mas a dor na costela e o espanto não me deixam pensar direito.

Você está suando frio.

Estou com dor.

Eu sei, estou sentido, mas ele encara isso como medo.

Como sabe disso?

Vai saber se me pedir ajuda.

O que isso tem a ver?

Peça.

Não.

Ele se mexe. Meu sangue gela (figuradamente dessa vez). Sua cabeça inclina levemente para a esquerda como se estivesse se decidindo entre me atacar ou não. Talvez eu tenha sorte e ele ache algo mais interessante para comer, tipo um rato gigante.

Ele não come ratos.

Cale a boca.

Meu corpo estremece, sinto suor escorrer pela minha testa, a dor na costela está pior. Ele dá um paço, o chão treme. Como devo me sentir com uma criatura de no mínimo quinze metros me encarando?

O que ele está fazendo?

Está curioso.

Sobre o que?

Novamente, se pedir ajuda vai saber.

Por que simplesmente não me diz?

Você não acreditaria.

Por quê?

Junte as peças.

Que peças?

Observo com pavor o animal continuar dando paços até estar entre mim e os dois homens, escondendo-os por completo. Seus olhos se fixam em mim de uma forma ameaçadora, fazendo com que eu me sinta mais próxima da morte.

Ele vai atacar.

Jura? Nem percebi.

Me peça ajuda.

Não.

Outro barulho escapa da boca da criatura, fazendo uma memória tomar conta da minha mente. Salão de julgamento. Um rugido de dor e um grito. Sei o que ele é, mas ao contrário do outro, esse é de uma pessoa que me quer morta. Ele já tentou matar antes, mas foi impedido por um cão. Ele incriminou uma garota inocente.

Peça!

Não!

Ele se aproxima lentamente. A cada passo sinto como se meu coração estivesse em minha cabeça. Ouço cada batida, mas por alguma razão estranha é como se tivessem dois corações dentro de mim. É como se eu não estivesse sozinha.

Você não está sozinha. Por favor, peça.

A voz está mais alta, como se estivesse falando no meu ouvido. Minha cabeça pesa, como se algo estivesse sobre ela. O que está acontecendo?

Ele vai matar você. Vai nos matar se não me permitir ajudá-la.

Como eu faço isso?

Basta me pedir.

Ele acelera os passos, cada vez mais perto, cada vez mais ameaçador. Agora consigo ver suas presas, brancas e pontiagudas. Se eu não estivesse aterrorizada até poderia descrever a beleza do animal. Já consigo sentir o cheiro que emana de sua boca, fecho os olhos e abaixo a cabeça.

Ajude-me.

Em um segundo estou certa da morte, escuto o barulho de suas patas sobre o gelo e seu fôlego ansioso. No outro o chão treme mais forte, sou atingida novamente por uma dor de cabeça excruciante que deixa minha visão turva.

Sinto muito pela dor, mas não tem outro jeito.

 Não consigo raciocinar para respondê-la. Só quando a dor diminui percebo que os barulhos de passos pararam. Tudo está estranhamente silencioso, com exceção de um barulho reptiliano, diferente do que o dragão faz. Levanto a cabeça devagar, a visão ainda comprometida, mas consigo ver duas siluetas, semelhantes, mas diferente de alguma forma que não consigo definir.

Sinto algo se mexer as minhas costas e só então noto que estou encostada em alguma coisa. Levo minha mão até a estranha parede e sinto escamas. É úmido e seco ao mesmo tempo. É quente. A superfície se contrai com o meu toque me fazendo perceber que se trata de uma coisa viva e grande. Não consigo controlar o pânico ao me imaginar encostada na criatura negra.

Ele não vai tocar em você.

Como tem certeza?

Eu não vou deixar.

Você não é real.

Se não sou real, em quem você está encostada? Juste as peças Thais. O que eu sou?

Não sei o que você é.

Você sabe. Bem no fundo da sua mente, você sabe.

Você mora no fundo da minha mente.

Tem razão, mas isso não significa que eu não existo.

Consciências não costumam sair andando por ai.

Então chegamos à conclusão que não sou sua consciência.

Quem é você?

Eu sou uma parte de você. Uma parte que você ainda não conhece.

Não me lembro de ter escamas.

Não, isso é um privilégio meu. Agora, me deixe acabar com esse idiota.

Isso é sério?

Sim. Segure-se e você estará protegida. 

Tento ao máximo me segurar nas escamas enquanto movimentos bruscos acontecem. Ouço barulhos e às vezes sinto como se estivessem furando minha pele. Seja lá o que meu pedido fez, me rendeu uma dor de cabeça enorme e sei que é uma questão de tempo até estar desmaiada. Em um dado momento, um grito corta o ar seguido de um urro, semelhante ao do dragão no julgamento.

Sinto meu corpo enfraquecer e a consciência me deixar aos poucos. A dor de cabaça vai passando e antes de adormecer vejo olhos verdes me encararem. Uma respiração bate no meu rosto e sinto algo molhado encostar-se a minha pele. Não sei se é fruto da inconsciência ou se estou mesmo vendo isso.

Não se preocupe. Te protejo enquanto descansa.

Quem é você?

Uma leve risada toma conta do lugar e me assusto ao perceber que o som se propaga em minha mente, me fazendo gemer com a dor que ela me causa.

Desculpe-me, não queria te causar dor. É melhor dormir um pouco.

Sem forças para protestar me entrego ao sono. Não sei por quanto tempo permaneço assim, mas quando recobro meus sentidos, meu corpo se lança para frente na tentativa de se sentar. Minha cabeça bate em algo e percebo um solo quente sob minhas mãos.

Pisco algumas vezes para focar a visão e percebo que estou dentro do que parece ser uma cápsula. É quente e claro, quase transparente. Lentamente me movo até a saída de onde vem a luz refletida no gelo, me dando conta que ainda estou no Alasca. Quando consigo me livrar do material que me cerca, observo-o, agora do lado de fora.

Arfo, sentindo um arrepio subir pela minha espinha. Não sei como descrever a sensação que sinto ao ver a pele. Sim, eu disse pele. Uma pele gigantesca do que perece ser uma cobra muito grande. Repulsa vem a minha mente quando me lembro que estava dentro dela.

Ainda incrédula, tento afastar a imagem perturbadora dos olhos verdes que me encaravam antes de eu adormecer. Aos poucos as memórias me atingem e rapidamente varro o lugar em busca do dragão, mas a única coisa que encontro são marcas escuras sobre o chão e um corpo deitado sobre o gelo a alguns metros de mim.

 Levanto-me depressa me arrependendo logo que sinto a pontada em minhas costelas. Pressiono o local com a mão praguejando por ter esquecido o machucado. Corro, ou melhor, ando rápido até Austin, constatando ao chegar que temos que sair daqui o mais rápido possível. Seu rosto está pálido e a pele gelada, o que é péssimo se tratando de um Shark.

Ei, você está ai?

Franzo a testa ao notar o silencio em minha mente, para logo depois revirar os olhos ao me dar conta de que estou falando comigo mesma. Preciso pensar em uma forma de sair daqui. Não acredito que possa me teleportar agora, muito menos nos dois.

   – Austin? – coloco a mão em seu rosto com o objetivo de dar um tapa, mas ao tocar sua pele sinto meu braço amortecer. Doação de calor, conheço a sensação. – Está bem, talvez um pouco não faça muito estrago.

Mantenho meus dedos em sua bochecha até não aguentar mais a dor. Me afasto tentando esquentar novamente minha mão. Observo a cor voltar levemente ao seu rosto. Suas pálpebras tremem e ele abre os olhos. Encara o céu, confuso por um segundo e então se levanta rápido demais voltando a cair sentado devido a tontura.

   – Você está bem? – ele pisca olhando em minha direção, leva uma mão a cabeça assentindo. Sua tranquilidade faz com que uma onda de raiva me atinja – Ótimo, porque você vai nos tirar daqui para eu poder te matar depois.

   – Então, acho que nos tirar daqui não é muito bom para mim. – seu sorriso some assim que lhe direciono um olhar fulminante – O caminho é por ali.

Andamos em silêncio até o tal lugar. Sinto seus olhos queimarem em minhas costas, mas estou concentrada em pressionar o ferimento na lateral do meu corpo tentando evitar mais sangramentos.

   – Sua respiração está instável Thais. – ignoro-o, mantendo meu foco no gelo a minha frente – Você está bem?

   – Austin, a única coisa que consigo pensar agora é quinze formas diferentes de socar sua cara e ouvir sua voz está me dando mais ideias. – respiro fundo, reprimindo um gemido de dor – Portanto, eu aconselho que nos leve para casa de boca fechada.

Ele suspira e volta a caminhar ao meu lado em silêncio. Em algum momento sinto meus dedos úmidos novamente. Droga de corte. Por sorte, finalmente chegamos ao portal.

Assim que coloco meus pés na grama me permito sentar e escorar minhas costas em uma árvore. Ao contrário de onde estávamos, aqui os últimos raios de sol tomam o horizonte e me pergunto por quanto tempo fiquei adormecida no gelo.

   – Posso te ajudar com isso. – mais uma vez sua voz corta o silêncio confortável e não consigo evitar o suspiro de desgosto – Eu sei que quer muito me matar, mas estou falando sério, posso te ajudar.

Analiso-o pelo canto do olho afastando lentamente minha palma do lugar úmido. Ele entende o recado e se aproxima, fecha os olhos e coloca as duas mãos sobre minha costela me fazendo gemer com a ardência.

   – Vai doer um pouco. – assinto, ele pressiona o local e meus olhos pinicam enquanto tempo reprimir o grito em minha garganta, a dor se espalha pelo meu abdome e então desaparece, fecho meus olhos e deixo um suspiro escapar – Isso deve resolver.

Encosto a cabeça no tronco e respiro lentamente apreciando a sensação de não sentir mais dor. Sei que devo agradecê-lo, mas a raiva não permite que meus bons modos sejam dirigidos a ele.

Ele sabia sobre o soldado. Segundo ele, sabe quem ele é. Não consigo parar de pensar que esse tempo todo em que eu temia encontrá-lo em todos os lugares que ia, em que estava praticamente entrando em pânico por não encontrar uma resposta, ele sabia. Não consigo afastar o sentimento de traição, por isso evito encará-lo, pois sei que se olhar para ele agora a única coisa que vou conseguir fazer é odiá-lo ainda mais.

Sei que ele ainda está sentado na grama ao meu lado. Sei também que está me analisando detalhadamente tentando encontrar qualquer coisa para dizer.

   – Por que? – é a única palavra que sai da minha boca antes mesmo de eu perceber.

Sem entender o porque quero tanto saber o motivo daquilo tudo, me mantenho de olhos fechados, confusa com meus próprios pensamentos. Ele suspira, provavelmente mexendo no cabelo como sempre faz antes de explicar alguma merda que fez.

   – No dia do seu acidente – demoro alguns segundos para me dar conta que se refere ao dia em que entrei em coma – Minha equipe estava afastada da sua, mas na hora em que encontraram a marca no chão e todos correram para ver, eu andei na direção oposta porque eu tinha visto uma pessoa. – tento buscar as memórias daquele dia e me lembrar de onde a equipe de Austin estava – Um homem com uma armadura diferente de todos os outros. Eu o segui confiante de que descobriria quem ele era até me dar conta que ele sabia que eu estava lá, foi ai que eu te vi. – outro suspiro, dessa vez exasperado – Eu tive que escolher entre salvar você e continuar perseguindo-o. Eu não podia te deixar lá, então fui até você, mas antes ele tirou a máscara.

Quando ele para de falar, quase consigo ver miniaturas minhas entrando em choque na minha cabeça. Sinto meu corpo tenso ao constatar que ele realmente sabia quem era esse tempo todo.

   – Quem ele é? – minha voz sai carregada de raiva e sei que ele percebe.

   – Ninguém que conhecemos. – abro os olhos e lhe encaro com um sorriso debochado.

   – Jura? Então o “eu sei quem você é” era só o seu jeito de dizer oi? – sinto a raiva em todo meu corpo – Não me insulte com suas mentiras Clarck.

Observo seu rosto se tornar confuso, talvez por ter usado seu sobrenome, mas não me importo, estou cansada de mentiras.

   – Não estou mentindo. – lhe dirijo um sorriso sarcástico imaginando como seria satisfatório um encontro em minha mão e seu rosto – Eu não sei quem ele é.

   – Claro que não.

Levanto-me dando-lhe as costas e seguindo na direção do prédio dormitório. Ele segura meu braço me impedindo de continuar e me encara suplicante.

   – Hoje foi uma tentativa de tentar descobrir quem ele era. – analiso-o ainda irritada, mas consigo identificar sua sinceridade, o que de certa forma aumenta o sentimento de frustração – Eu juro que não o conheço.

Encaro-o por mais alguns segundos antes de soltar meu braço. Me viro novamente, mas chego a conclusão que não posso sair daqui sem antes aplacar um pouco minha raiva. Ando a passos rápidos na sua direção sem dar chances de ele se afastar. Seus olhos se arregalam segundos antes da minha mão em punho encontrar seu maxilar. Ele solta um grunhido levando as mãos ao local atingido e me encara surpreso.

   – Não vou pedir desculpas porque, apesar de ser contra a violência, não posso dizer que não estou feliz em ter feito isso – ele assente ainda com a expressão de espanto – E da próxima vez que decidir me levar com você para um lugar sem me dizer suas reais intenções eu não vou usar a mão. Fui clara?

   – Cristalina. – ele geme ainda pressionando o lado do rosto – Me desculpe.

Dou de ombros e volto a andar para o prédio. Levando em conta a escuridão do céu e a luminosidade do jardim, está na hora do jantar.  Subo rapidamente até meu quarto, tomo banho o mais depressa que consigo e desço as escadas para jantar.

   – Onde você estava? – encaro Lili tentando arranjar uma desculpa plausível para ter sumido a tarde toda.

   – Ela estava comigo. – antes que possa responder algo, uma voz me interrompe e não preciso me virar para saber quem é.

   – Oi pra você também Lili. – desvio o olhar do sorriso malicioso que ela me dirige antes de começar a pegar sua comida e sussurro para o Aire as minhas costas – Obrigada.

   – Não há de que. – ele sorri divertido – Eu pensei sobre aquele favor que te devo.

   – Acho que acabou de pagá-lo – sorrio em resposta sentindo os olhos da Shark nas minhas costas, já sabendo que seria interrogada mais tarde.

   – Certo. – franzo a testa ao perceber o tom incerto na sua voz – Então, o que devo fazer para você tomar um sorvete comigo? –meu corpo se retesa e uma risada nervosa deixa meus lábios deixando-o mais inquieto – Desculpe... Esquece o que eu disse.

   – Não, espera... – Ele me encara ansioso e me amaldiçôo por ser péssima com palavras – Acredito que só precisa fazer um convite.

Meu rosto queima e seu sorriso volta maior ainda, mesmo constrangida não consigo evitar ficar feliz com sua alegria.

   – Amanhã? – penso sobre o dia de hoje e chego à conclusão que mereço sim um pouco de diversão.

   – Amanhã. – ele assente e caminha até a mesa do time Aire.

Sigo a passos lentos até a mesa em que Lili está sentada com os outros. Seus olhares questionadores e maliciosos não passam despercebidos por mim, mas faço questão de ignorá-los. Enquanto eles comem e conversam coisas banais, minha mente se perde nas cenas de horas atrás e acabo perdendo meu apetite ao ter a mente dominada pela visão dos olhos verdes me encarando.


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Notas finais do capítulo

Pessoas...
É isso que tenho a oferecer hoje, espero poder voltar em breve, mas se eu sumir não significa que abandonei a história, só que provavelmente estou sendo um zumbi universitário kkk.
Bjs, até o próximo capítulo.