O Relicário escrita por TWorld


Capítulo 17
Capítulo 17 - Ophidia Heid




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NÍCOLAS FICOU MAIS DE UMA HORA ao lado da namorada e passou esse tempo todo segurando a mão dela. Quando o médico finalmente chegou, o rapaz achou melhor ir embora. Ele saiu andando devagar pela rua sem um destino certo enquanto refletia.

Hipotermia. Helena fria como um cubo de gelo. Era estranho! Na verdade, muitas coisas estranhas aconteceram em Nova Borgeby desde que Elisa e Glaux chegaram à cidade.

Aquele sonho perturbador tinha sido tão realista, tão realista... ele ainda podia sentir o sabor da boca de Elisa e o toque suave dos lábios dela nos seus. Tinha sido o melhor beijo da vida e ele nem existiu de fato... ou será que existiu? Fora tão real! Nícolas ás vezes sentia muita vontade de torná-lo realidade. Mas não era o que ele queria. Ele poderia desejar qualquer mulher, mas ele só tinha sentimentos por uma: era Helena que ele amava, era Helena que ele namorava. Nesses dias ele beijara Helena várias vezes e em cada uma delas ele não conseguiu deixar de se lembrar de Elisa. Mas ele se esforçara para esquecer a inglesa. Não era ela que ele queria, era Helena...

Ah, Helena, Helena, Helena... ele confiava nela. Ele acreditava na bondade dela. O que lhe dava dúvidas não era a suspeita, mas a briga. Ele nunca imaginara que Helena poderia dar um ataque de ciúmes como aquele. Fazer acusações daquela forma e até dar-lhe um tapa. Aquela Helena ciumenta, desconhecida e violenta, poderia trancar Elisa na Sala de Troféus? Ele tinha quase certeza que não... mas havia esse “quase” no meio da frase que o impedia de ter absoluta certeza da inocência da namorada.

Afinal, quem trancara Elisa? Foi maldade ou brincadeira? Crueldade ou criancice? Ele não chegou a nenhuma conclusão.

De repente ele percebeu por onde estava andando. Era a mesma rua do sonho. Mas durante o dia, com a luz do sol incidindo sobre casas e lojas, a visão que tinha era muito mais acolhedora. Não demorou e ele dobrou a mesma esquina e viu a praça do mesmo ponto de vista do sonho, só que agora ele podia vislumbrar o prédio da prefeitura a sua direita, os bancos cinzentos de pedra pareciam quase brancos na luz do sol da manhã. O verde da grama e das folhas das árvores parecia ainda mais verde.

A fonte que jorrava um filete de água fria produzia um som baixo que enchia o ambiente e se unia aos outros sons da cidade para se harmonizar numa música agradável. Nícolas não queria ir para casa e se tornar alvo das perguntas do irmão, embora Adelfo estivesse menos falante nos últimos dias. Motivado pela beleza da praça e a paz que ela trazia nesse momento, ele se largou num dos bancos e voltou a ficar pensativo.

Agora acontecera outro fato estranho: a doença misteriosa de Helena. Como alguém é atacado por hipotermia assim do nada? Não era nem possível. Hipotermia não acontecia normalmente como a febre, que eleva a temperatura do corpo para combater vírus e outros germes. A hipotermia é uma consequência principalmente em atletas aquáticos ou que praticam esportes em áreas abertas em épocas frias. Helena nem saíra do quarto ontem, então como era possível? Não era natural, parecia até... não! Era ridículo pensar numa coisa dessas. No entanto...

Se, e apenas se, num tipo de ocasião super estranha, sua teoria maluca fosse verdadeira, então o sonho precisava ser levado a sério. Até porque parte dele realmente se realizou então não era um sonho comum.

A primeira parte era simples: um aviso que Helena ficaria fria. Traduzindo “morena” como a Helena, então a “flor de ouro” só poderia ser Elisa. Mas então significava que...

Nícolas entendia o sonho perfeitamente, como se aquelas palavras fosse traduzidas em sua mente. Ele sabia o que significava e era isso que mais o assustava: a decisão que ele tinha que tomar era cruel. Ele não sabia se era amor, mas ardia em seu peito um sentimento muito grande. Ela já estava sofrendo tanto e justamente ele, seu namorado, deveria aumentar ainda mais sua dor. Ele sabia o que tinha fazer, mas era triste demais.

Não! Ele não queria aumentar a dor de Helena. Ele não podia fazer isso com ela.

— Foi só um sonho... foi só um sonho... foi só um sonho...

Nícolas voltou pra casa para almoçar. Ele queria se distrair em casa, mas seu pai estava ocupado com a loja de artigos esportivos, sua mãe foi levar o almoço dele e ia comer junto com o marido. O irmão não estava em casa também. Havia um bilhete da mãe explicando onde ela fora. O rapaz teve que se contentar em comer acompanhado apenas dos seus pensamentos.

No final da tarde, ainda mais nervoso e andando ainda mais rápido que de manhã, Nícolas foi para a casa dos Colúber. Mas dessa vez ele nem precisou entrar:

— Ela não está?

A empregada lhe deu a notícia enquanto secava os olhos chorosos:

— O médico recomendou o Dr. Henrique para levar Helena imediatamente para o Rio de Janeiro. O prefeito me telefonou apenas a cinco minutos para explicar que Helena passara o dia todo fazendo exames. Não havia nenhuma causa aparente para a hipotermia. Se ela não começar a melhorar logo a minha menina pode morrer!

A voz dela se quebrou e a mulher voltou para dentro da casa, deixando Nícolas de pé na porta de entrada aberta. Ele olhou a foto de uma Helena sorridente num porta retrato na parede da sala. Era pelo seu bem que ele fazia isso. Ele se decidira.

Nícolas não tinha pressa de sacrificar seu sonhado namoro. Ele caminhou com calma até o Casarão Flint e ficou quase um minuto parado no portão de ferro antes de se aproximar da porta. O rapaz não percebeu, mas ele foi visto por muita gente entrando no Casarão e todos perceberam que o rapaz nem tocara o sino da campainha, ele simplesmente entrara, demonstrando intimidade. Vários deles se perguntaram: mas ele não estava namorando Helena? O que ele ia fazer no Casarão?

É verdade que Nícolas nem bateu na porta nem tocou o sino. A porta nem estava trancada. Ele entrou e seguiu o som. Era óbvio onde ela estava. Ele seguiu pelo corredor, sendo guiado pelas notas do piano. Ele parou antes de abrir a porta da Sala de Música. Era sua última chance de desistir. Decidido, ele abriu a porta.

Elisa tocava o velho piano de costas para a porta enquanto Glaux lia um livro antigo de capa vermelha. As duas se voltaram para ele quando o rapaz entrou. Glaux, como sempre, inexpressiva. Mas Elisa parecia curiosa.

— Eu não sei como... não sei... como fazer isso...

Nícolas achou melhor agir como antes com Helena. Sem falar, só agir. Andando direto para o piano, ele levantou a garota e simplesmente a beijou. Ele foi um pouco frio e não se esforçou muito, mas insistiu para que fosse mais que um selinho. Quando se afastou, ele pretendia manter o silêncio, mas não se conteve:

— Era isso que eu tinha que fazer?

O que aconteceu em seguida foi tão inesperado que Nícolas jamais poderia imaginar. Aquele se tornou um dos momentos mais inesquecíveis de todos, pois a partir dali toda sua vida mudou para sempre!

Ao mesmo tempo em que o Relicário brilhou intensamente, os olhos de Elisa também demonstraram o mesmo brilho esverdeado. Era como se fosse outra pessoa. O rosto de Elisa não era mais bonito e inocente: um sorriso malévolo se formou os lábios.

Quando falou, Nícolas ouviu duas pessoas falando ao mesmo tempo. A primeira era a voz inocente de Elisa, suave e doce. A segunda voz era igual aquela do seu sonho, sinistra e cruel. Mas foi pior porque ele não ouvira aquela voz assustadora gargalhar como agora.

— Finalmente! LIVRE! Eu sabia que daria certo. Essa pirralha é fraca e inútil. Bastaria um simples beijo para que sua mente ficasse frágil para mim. E agora eu estou livre! Tanto tempo, tanto tempo! Oitocentos anos esperando esse momento! Hahahahahahahaha!

Era terrível presenciar. Nícolas se afastou e parecia se encolher encostado na parede. O que estava acontecendo? Aquela não era Elisa. O que era aquela voz sobrepondo a de Elisa?

— E agora todos irão pagar! Essa cidade inteira! Todos irão pagar pelos crimes dos pais dos seus pais, que ajudaram a me manter prisioneira. Logo as trevas, AS MINHAS TREVAS, se espalharão e este maldito mundo irá queimar enquanto pronuncia meu nome com terror: OPHIDIA HEID*.

Quando toda a luz verde desapareceu, Elisa desabou no chão sem sentidos.

Glaux e Nícolas tinham a mesma expressão assustada no rosto.

— Então ela conseguiu mesmo — disse Glaux com uma voz firme, mas suas mãos tremiam — Esse é apenas o começo... o começo do fim!

*Ophidia Heid pronuncia-se “OFÍDIA REID”.


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Notas finais do capítulo

comentem por favor, *-*



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