A GAROTA

Apesar de todas as mudanças, a escola continua normal como sempre foi. Há relatos antigos que mostraram que a escola não influencia a heterossexualidade, então o governo não fez mudanças em relação a isso. Nossas aulas, entretanto, são diferentes das antigas. Temos todos os dias sobre a história do Teste e como o governo conseguiu controlar a epidemia de héteros no ano de 2030. Fico imaginando como eram as escolas nesse tempo, com matemática, português, geografia. Meu irmão mais novo disse que sua professora levou um livro de matemática em uma das aulas sobre o governo, e mostrou para eles como as pessoas faziam contas antigamente. Devo concordar que é um jeito bem ultrapassado, já que agora com nossa tecnologia não precisamos de folha e caneta para resolver o que eles chamavam de ‘’equação’’.

Nos horários em que não há aula, entretanto, há mudanças. Meninos e meninas não ficam na mesma mesa, ou juntos na saída, pelo menos até passarem no Teste. Nossos cientistas comprovaram que esse tipo de socialização na infância pode influenciar nos resultados futuros. Irmãos de sexos opostos são exceções dessa regra.

Sempre reparo na mesa das meninas, em especial na que ela senta. Pra falar a verdade, eu nem sei porque isso acontece, não sei o nome dela, de onde ela vem, como ela é, minha única certeza é que sempre que olho para seus olhos verdes e seus cabelos negros me sinto completo, feliz, como se todas as coisas ruins do mundo ao me redor desaparecessem e só me restasse ela. Ela ainda não tem 17, disso eu sei. Ainda não é seguro tentar conversar.

O CENTRO DE REABILITAÇÃO

Acordo meio tonta devido aos soros usados em mim em meu Teste. Continuo sem concordar com o método criado para o governo em relação aos filhos de casais héteros, como se as crianças fossem culpadas pelos erros dos pais perante a sociedade. Não importa o quão bem você se saia, eles te mandarão para o centro de reabilitação. Comigo não foi diferente.

Naquela manhã,meus pais adotivos receberam a carta do centro que me ‘’convidava educadamente’’ a participar da reabilitação para jovens com defeitos genéticos.

Para Marcus Lenis e Luiz Martin.

Pedido realizado levando em conta as origens de sua filha adotiva, senhorita Clary Loss. Os senhores devem apresentá-la ao centro de reabilitação da cidade para devidas correções genéticas. O descumprimento dessa solicitação aplicará multa aos senhores.

Margareth Nith, gerente dos resultados do Teste.

Nicollas Martov, gerente administrativo do centro de correções genéticas.

Meus pais não queriam me deixar ir, eles pagariam o que fosse preciso para me manter em casa. Consegui convencê-los de que seria melhor para todos não ter a polícia em nossa casa por minha culpa. Isso pegaria mal com os vizinhos e com o pessoal do trabalho deles, e eu não quero que eles se prejudiquem mais. Eles não me falam, mas eu sei que a maior fonte de desgraça dentro de minha casa é por minha culpa. Eles perderam muitas oportunidades de emprego por terem acolhido a ‘’filha de um casal não registrado’’. Já fui convidada a me retirar de várias escolas infantis pois os professores me consideravam uma má influência ás crianças menores.

O amor deles por mim é tão grande, eles enfrentaram tantas coisas só para me ter, para me criar. Antigamente, quando a sociedade podia viver como quisesse e amar quem bem entendesse, as pessoas consideravam que família não era apenas sangue, era amor também. Isso define muito bem a nossa.

Essa ida ao centro será minha forma de retribuir tudo o que eles fizeram por mim. Sei que eles não querem isso, porém é o melhor a ser feito,