Um Breve Suspiro de Felicidade escrita por Migaylangelo


Capítulo 5
Artistas são malucos e problemáticos. E também as melhores pessoas.


Notas iniciais do capítulo

ENTÃO.
UM MÊS, NÉ?
DE NOVO.
DESCULPA.
E trago más noticias: Vou passar julho inteiro longe do país. Logo, longe do pc. Ou seja, mais um mês sem fic. Choremos Ç.Ç Vou tentar postar o próximo capítulo antes, mas, no quinto capítulo já deu pra perceber que eu não sou lá muito bom com datas.......... Sorryyy D:
E bem... capítulo filler hoje :v Na verdade não, tem uma coisas bem importantes no meio, mas acho que é assim que vocês vão o ver, julgando pelos comentários do último capítulo. Tá todo mundo se mordendo pra saber o que tá acontecendo com o Ivan e a Natália, aparentemente... E NÃO VÃO DESCOBRIR PORRA NENHUMA HOJE, PORQUE HOJE É DIA DELE, A BICHA LOUCA FABOLOSA DO FELIKS. Pra compensar que não dou tantas cenas pra ele quanto ele merecia, esse capítulo é pra ele aproveitar com o Toris... Tá bem... alegrinho, comparado ao normal dessa fic, já que geralmente é tudo suspense e tristeza, hoje daremos "um breve suspiro de felicidade" antes de continuarmos /AIMEODEUSQUEPIADARUIMSTEREOSEMATA'
Mas é verdade. Aproveitem, porque to sentindo que pelo menos os próximos cinco capítulos serão... tensos...
Foi mal.
Detalhe: Esse capítulo tava pronto a séculos, mas meu pc quebrou e não me deixou revisar de jeito nenhum. Ele voltou ao normal hoje, então eu tive que correr pra revisar e postar antes que quebrasse de novo. Só que eu já contei que praticamente reescrevo quando eu reviso? Então, eu fiz isso, e não dava pra revisar de novo ou o capítulo não saia hoje, por isso perdoem os errinhos de coerência e tals, okay? Vou tentar revisar direitinho depois.
Tô falante hoje, né? Chega disso, comecemos o capítulo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/606673/chapter/5

Do lado de fora, se ouvia música de um rádio pequeno. Alegre, despretensiosa, dançou pelo ar até os ouvidos de Toris, parado sobre o capacho da casa de Feliks. A melodia provava que, apesar de ser bem mais cedo do que costumava aparecer, tinha gente em casa, provavelmente pouco ocupada, que então poderia vê-lo. Espiou pela fechadura para se certificar, notando uma pessoa de costas no fundo do único grande cômodo, parecendo cantarolar ao ritmo da música. Sabendo que ele raramente trancava a porta quando estava em casa, Toris girou cautelosamente a maçaneta e entrou.

O reflexo das lâmpadas na parede deixava todo o quarto num tom amarelo-rosado de pôr-do-sol. Em seu canto em frente a uma longa tela, com um avental e o cabelo amarrado, ele pintava. O que era não dava para ver, mas com certeza era bonito. Feliks estava tão concentrado em seu trabalho, deslizando o pincel poeticamente pelo quadro, que não pareceu reparar na presença de Toris. Na beleza da cena, Toris não resistiu a ir até ele e envolvê-lo de surpresa, como ele costumava fazer consigo, abraçando-o forte por trás.

Ele deu um pulo de susto com o abraço, que empurrou sua mão com o pincel errado, sujando seu rosto de tinta vermelha. Óbvio que ele não ficaria nada feliz com isso, mas só a proximidade já era um motivo para felicidade imediata, resultando numa risada agridoce quando seu rosto virou para o de Toris.

— Surpresa... — cantarolou, sabendo que ganharia sermão.

— Você me assustou, seu merda. — reclamou, passando o pincel em seu nariz também para se vingar. Agora os dois estavam sujos. — Onde já se viu entrar assim na casa dos outros sem mais nem menos?!

Mas ele não estava bravo, seu sorriso o denunciava, deixando Toris tranquilo para rir e beijá-lo em seguida. Depois de tantos encontros escondidos ali, tinha ficado fácil se desligar das coisas ruins e teorias perigosas anteriores logo que sentia aquele lindo rosto no seu, sujo ou não.

— Chegou cedo hoje... — Feliks ronronou, esfregando a cabeça em seu peito e envolvendo os braços em sua cintura. — E seu trabalhinho?

— Ganhei um dia de folga... — explicou, sem mais detalhes. Feliks não estava interessado neles.

— Hum, dia de folga, é? — os olhos dele brilharam por um único instante, e então tornaram-se turvos, intrigantes. A mão que estava em sua cintura moveu-se para mais baixo, fazendo-o corar num sobressalto. — Então vamos comemorar bastante...

A ponta de seu nariz roçava delicadamente em seu pescoço, na tentativa de seduzi-lo. Não é que Toris não adoraria comemorar, mas ainda era tão cedo. O relógio ainda marcava nove horas e ele não tinha jantado. Mesmo que fosse apenas um sanduíche sem recheio, poderiam sentar e conversar por alguns minutos, pois era isso que Toris mais queria e o motivara a arriscar sair e ser pego, uma vez que estavam todos acordados no casarão. Conversar com Feliks fazia o risco valer a pena.

— Ou... que tal um jantar? — sugeriu, afastando-se um pouco dele.

— Hum... — mas o olhar dele não tinha perdido o brilho sugestivo. Sentiu sua mão perigosamente localizada apertar sua bunda, e teve que se esforçar para sua expressão não mudar completamente. E com certeza não facilitou quando ele mordiscou sua orelha. — Alguém tá com fome...

— Na verdade... — Toris começou a se explicar, tentando conter a vermelhidão inerente em sua face e manter o sorriso natural, mas o ronco de seu estômago falou por si, cortando qualquer clima. —... Um jantar de verdade?

Feliks recuou alguns passos, numa expressão muito séria e incomum. Toris tentou sorrir, mas por dentro estava com medo de ter feito algo errado. Aquela cara nunca era bom sinal, pelo que se lembrava...

— Um... jantar de verdade? — repetiu vagarosamente, como se tentasse assimilar.

Então, um sorriso gigante se abriu nos milissegundos que antecederam ele pulando novamente no pescoço de Toris, num beijo profundo e afogado de animação. Isso só deixou Toris ainda mais confuso.

— Até que enfim! — ele gritou, comemorando. — Sabia que ia me ouvir!

Depois de mais um beijo repentino e consequentemente unilateral, ele o soltou, correndo em direção a seu armário, abrindo e revirando as gavetas, antes que Toris pudesse sequer raciocinar.

— Ai, eu preciso decidir o que vestir! Aonde vamos? Gosta de comida árabe? Eu conheço um restaurante no centro que é, assim, tudo!

Sua fala era rápida demais para acompanhar, então demorou alguns minutos até Toris se dar conta. Feliks não queria jantar, queria sair. Mas tinha um porém: Se saíssem, estava morto. Os olhos de Ivan estavam por toda parte, prontos para denunciá-lo. No caso de Feliks, a poucos metros da casa, já não estava totalmente seguro, quem dirá no centro movimentado da cidade. Contudo, ele jamais poderia saber. Precisava dar um jeito de driblar aquilo. Cautelosamente se aproximou dele de sua montanha de roupas rejeitadas, escolhendo com cuidado as palavras.

— Feliks... estava pensando... — coçou a nuca, nervoso. — Não precisamos sair daqui, precisamos? Eu posso cozinhar alguma coisa pra gente aqui mesmo, só pra nós dois...

— Ora, não seja estúpido. — ele nem olhou. Estava muito concentrado no espelho refletindo mais uma de suas camisas na frente do corpo. — Não que eu não ame a sua comida, mas vamos sair, sim. Você prometeu.

— Eu nunca prometi nada... — murmurou para si mesmo. — É sério, eu não quero sair...

A expressão séria voltou, mas dessa vez ele duvidava que um sorriso a seguiria. Ao invés disso, um berro estridente:

— Nem vem! Você disse que queria um jantar de verdade e vai ter um! Não vou deixar você estragar isso!

— Feliks, calma... — sussurrou, indo atrás dele conforme andava e círculos com passos pequenos e velozes.

— Não! Eu já entendi tudo! Casais de verdade saem, mas você só quer ficar trancado na minha casa comendo minha comida e dormindo na minha cama, acho que então você nem gosta de mim!

Ele estava fazendo piti. Aquela era sua voz de piti. Teimoso como era, não pararia tão cedo, e Toris sabia que o único jeito de vencer o piti era se rendendo. A discussão já estava ganha.

— Por favor, você sabe que não é assim... — suspirou, cansado.

— Então você vai ou não?

— Comida árabe, né? — mais um suspiro. Não tinha escolha, e por mais que temesse pisar para fora de casa, não poderia suportar perder Feliks mais uma vez. Ele era seu remédio, seu refúgio.

— Yay! — sua expressão mudou por completo, e ele deu um saltinho. — Sabia que você me amava!

Chantagem emocional e manipulação, como Feliks era bom nisso. Os momentos seguintes passaram escolhendo uma roupa para Toris, uma vez que Feliks jamais permitiria que ele saísse com “aqueles trapos” na rua. Infelizmente, todas as roupas de Feliks eram chamativas, curtas, coloridas ou extravagantes demais, mesmo as mais finas. Por outro lado, e isso foi um grande alívio, elas eram um disfarce perfeito. Nem Toris se via direito como Toris em frente ao espelho com a camisa cor-de-rosa social falsificada acompanhada de uma calça social escura da mesma origem e ainda um chapéu com uma fita rosa para combinar e que no total faziam pareceu um cantor de jazz brega. Com um pouco de jeito, conseguiu esconder o cabelo comprido no chapéu de modo a aparecer curto e lambido. Estava ridículo, muito ridículo, mas não só estava diferente como Feliks parecia aprovar o visual.

Com o risco de ser pego diminuído, uma onde de euforia se misturou com o medo. Sair... Ia mesmo a sair! Não para cumprir uma lista estúpida de Ivan e depois voltar, mas para jantar com seu namorado...! Poderiam ir para qualquer lugar! Era surreal... Queria gritar de felicidade, mas para não causar estranhamento apenas sustentou um sorriso silencioso.

Antes de finalmente saírem, ele se lembrou do quadro que encontrará pintando mais cedo. Virou pescoço na direção e vi uma pintura atentamente pela primeira vez. Até tinha reparado, mas sem muita atenção, mas o suficiente para notar que o garoto que rabiscava guardanapos tinha talento para telas a óleo. Impressionismo, se bem lembrava a menção, embora seu conhecimento de artes fosse nulo. Tratava-se da paisagem de um parque amarelo, com uma ponte de pedra sobre um rio muito calmo. Aos cantos, arbustos com pequenas flores vermelhas davam toda a cor ao quadro bastante monocromático. Sobre a ponte, uma mãe de roupas do começo do século, levando filho pela mão para brincar com as outras crianças, uma imagem deveras pacífica no geral, mas no meio do lago um risco vermelho irregular em interrompia a perfeição. Era a contribuição de Toris por ter chegado de surpresa.

— Não vai consertar? — questionou, voltando para Feliks.

— Depois eu vejo isso. A tinta demora a secar. — Explicou, vestindo o casaco rosa com as chaves nas mãos — Vamos?

E foram. Aquela onda de euforia voltou com tudo logo que sua bota afundou na neve da calçada. Sentiu o vento gelar suas bochechas e o calor da mão de Feliks segurando a sua por baixo das luvas. As luzes do casarão ainda estavam acesas, mas não importava. Pelo menos por algumas horas, ele era um homem livre.

Pegaram o trem até o centro da cidade, e no caminho Toris viu as luzes. Brilhavam como estrelas, e ele amava as estrelas. Ficou observando o tempo todo até a estação, e então durante a caminhada até o restaurante árabe que Feliks tinha falado. Tantas pessoas ao redor…! Toris queria abraçá-las, conhecê-las, mas estaria arriscando a discrição e Feliks odiava estranhos. Porém só vê-los ali o fazia feliz.

— Para alguém que não queria sair, você está bem animadinho… — talvez pelo excesso de sorriso, ou pelo brilho do olhar, Feliks não demorou para perceber, e sorriu de volta.

Aquele sorriso o fazia feliz. Quando parava para pensar em toda a tristeza com que convivia há tanto tempo, ela parecia distante dos dois se estavam juntos. Era como um monstro maligno os perseguindo na escuridão, mas que nunca conseguia alcançá-los em sua alegre caminhada. A ameaça à felicidade nunca deixava desistir, mas não se preocupa nada enquanto não os devorasse. Estavam felizes correndo desse risco.

A cidade era tão mais linda olhando sem compromisso, não tinha o mesmo cheiro de ilusão. Distraído com olhar disperso pelas paisagens, Toris não percebeu quando chegaram num restaurante de canto, escondido entre as sombras dos postes, com luzes amareladas que mais pareciam escurecer.

— Já que os preços são todos iguais, ao menos podemos comer bem. — Feliks comentou ao entrarem.

Só o cheiro confirmava suas palavras, provocando a fome de qualquer um que chegasse. O lugar era charmoso, elegante, com toalhas finas sobre as mesas enfeitadas por aperitivos e flores modestas. Eram poucas as mesas, porém, o que era ótimo para alguém que não queria ser visto. Feliks provavelmente escolhera o restaurante por ser romântico e escuro, mas acabou sendo útil para ele também. Sentaram-se a mesa mais afastada, e até as poltronas eram mais confortáveis que a cama de Toris, e ele não resistiu a se afundar sobre elas.


— Gostou daqui? — ronronou Feliks, observando a cena.

— O lugar é bem legal... — disse, passando os olhos pelo teto iluminado.

Por baixo da mesa, Feliks segurou sua mão forte, fazendo-o voltar os olhos para ele com uma pitada de surpresa. Mas em seu rosto havia apenas um sorriso sereno um olhar profundo, quase triste, mas que não chegava a isso. Aquela expressão tão calma e compreensiva pegou Toris desprevenido, mas não durou mais que alguns segundos; logo Feliks estava do mesmo jeitinho de sempre. Porém, os poucos segundos que duraram Toris soube interpretar: ele não era muito bom com palavras ou agradecimentos e podia parecer meio mandão às vezes, mas estava muito feliz por estarem ali. Toris estava também.

Passaram a maior parte do tempo conversando, sem conviver sem pensar muito. Quando a comida chegou e Toris deu a primeira garfada em seu prato que se lembrou do quanto sua própria comida era ruim. Ivan poderia achar bom, Katyusha poderia achar bom, mas era nada mais que mediana. Aquilo sim era comida. Seu rosto se contorceu de prazer. Não se lembrava da última vez que comera algo tão saboroso. Não disse nada, sua expressão falava por si só. Feliks pareceu achar graça de sua reação, já que provavelmente estava acostumado àquele tipo de comida, acessível para quem soubesse procurar.

Não conversaram mais. Feliks monopolizou as falas enquanto Toris apenas apreciava a comida. Quem diria que uma coisa tão simples poderia deixá-lo tão feliz? No casarão era ensinado que viviam bem ali, que deveriam agradecer por não estarem morrendo em uma fazenda na Sibéria, mas mesmo as pessoas que viviam na mesma cidade eram capazes de ser felizes com um pouquinho de liberdade.

— Foi ótimo! — exclamou, logo que saíram. Ainda não estava acreditando no que tinha feito.

— Falei que ia gostar! — deu um soquinho em seu braço, arrogante. Adorava estar certo, e era muito bom nisso. — De nada. E vai dizer que não sou o melhor namorado do mundo?

Toris resistiu ao impulso torridamente abraçá-lo ali mesmo, contentando-se apenas com o contato de sua voz. Perguntou-se se iriam para casa já, para poderem ficar juntos de verdade, ou se poderiam assistir mais à cidade.

— E agora? — perguntou, olhando os postes.

Feliks procuram um relógio na parede de algum prédio.

— Ainda é cedo. Vem, eu quero te mostra um lugar.

Para sua surpresa, Feliks o puxou pela mão e o levou pelas ruas correndo, sem permitir que ele protestasse. Subiram as pontes, ficaram na ponta dos pés no meio-fio e giraram ao redor de postes no caminho conforme ele quisesse, mas não paravam. Ele estava mais alegre do que o normal, tornando sua luz ainda mais brilhante e difícil de acompanhar. Chegou um momento em que Toris estava tão cansado de correr que teve que parar para respirar, e Feliks teve que esperá-lo, com as mãos na cintura, impaciente.

— Vamos, Liet, não seja tão frouxo! — respondeu, dando um chutinho em sua perna para andarem.

— Estou cansado... — ofegou — Pra onde vamos afinal?

— O melhor lugar da cidade. — ele olhou rápido ao redor. — Vamos, já estamos quase chegando Vou te mostrar um lugar que só as pessoas mais legais conhecem. Não espalha!

Toris não entendeu, mas sequer entendia o suficiente para formular uma pergunta. Logo que recuperou as forças, voltou a ser arrastado pelas calçadas de pedra em ruas cada vez mais vazias e desconhecidas. Onde quer que estivessem indo, estavam com pressa.

— Anda, você vai gostar! — exclamou Feliks entre a corrida, não parecendo nem um pouco cansado. Finalmente, chegaram.

A primeira coisa que Toris viu foram as luzes. Não havia postes altos com fios elétricos, mas pequenos postes de gás, todos em volta de uma pequena ponte redonda decorada com uma escultura de Zaria, deusa da beleza na mitologia eslava no topo, jogando a água que refletia as luzes num show de cores pacífico que combinava com o reflexo das pedras no chão com os postes e com o céu. Casas pequenas ao redor fechavam a praça num círculo, com a fonte do centro, dando uma sensação de lugar secreto. Mas não estavam sozinhos: homens e mulheres, totalizando talvez umas dez pessoas, estavam espalhados por vários cantos da praça, sentado na beira da ponte ou encostados na parede de alguma casa. Estavam todos ocupados, com cadernos na mão, ferramentas variadas ou até um violino, mas se viraram logo que os viram.

Feliks não tremeu nem pareceu desconfortável, logo se concluía que conhecia todos ali havia algum tempo. Ele estava o apresentando para seus amigos.

— Bem-vindo, ao melhor lugar da cidade. — anunciou, indicando a praça com os braços. — Aqui é onde todas as pessoas legais ficam.

— Quem é o do chapeuzinho? — uma moça segurando um pincel com a boça perguntou com um pouco de desprezo, entendendo a mão para bater informalmente na de Feliks.

Ambos olharam para Toris, que assistia a cena com curiosidade. Não sabia como se apresentar, se seria bom dizer seu nome, mas não podia ficar quieto. O sorriso malicioso de Feliks o fazia se perguntar se ele pretendia falar a verdade, mesmo sendo perigoso.

— Toris Laurainaitis, um amigo que precisa sair mais de casa.

— Hm... — ela pareceu interessada, mas a voz desdenhosa não sumiu. — faz o que, novato?

— Ele nunca diz. — Feliks respondeu por ele. Sussurrou, fingindo que Toris não ouviria. — Deve ser algo totalmente chato.

— Ah, então não é um de nós? — disse ela, pouco impressionada.

— Um o que? — Toris se virou para ele, confuso. Feliks bagunçou o cabelo da moça como forma de tchau e voltou a andar pela praça, para exibi-lo para as pessoas.

— Está na praça dos artistas maneiros. — explicou, com um quê de zoação. — O governo não vai ficar perseguindo um monte de vagabundos inofensivos pintando e bebendo numa pracinha, então a gente fica a vontade. Ninguém aqui tem muito lugar pra ir, e a censura não chega aqui.

Toris observou melhor os entornos. Tinham pintores e escultores que traziam suas obras para terminar lá, e o ar cheirava a uísque e inspiração. O violinista, único músico ali, enchia o ambiente de melodia, acompanhado do som da água da fonte. Era lindo.

— Não sabia que um lugar assim existia.

— Aonde você acha que eu vou quando você não aparece?

Fazia sentido. O estilo underground, fugitivos do governo, vencedores da censura, parecia o tipo de lugar que Feliks e toda sua rebeldia gostariam de frequentar. Distante sua estadia, foi apresentado a mais pessoas, e não houve uma que não o zombou de alguma forma. Mas eram todos muito talentosos e ousados nos trabalhos. Roderich, o violinista, também pianista, maestro e mais um monte de instrumentos, era aparentemente um aristocrata que perder a fortuna por azar. Sua namorada, Elizaveta, a menina do pincel, era uma escultora talentosa que gostava de temas dramáticos, guerras e gente morrendo em sua arte, contrastando com sua aparência gentil. Ela parecia ter uma certa competição com um dentuço esquisito da Romênia que também fazia esculturas, só que bem mais modernas e abstratas, que davam a entender que ele não batia muito bem da cabeça. Havia ainda dois rapazes italianos que não estavam presentes, mas que Feliks descreveu como talentosíssimos e de bom gosto, e que o mais novo era seu melhor amigo que o apresentara para o mundo da arte. Queria conhecê-los, mas eles não estavam na cidade.

Toris acabou passando a maior parte do tempo conversando com a escultora, que era mais simpática do que parecia, e assistindo-lhe modelar a pedra com maestria. Acabou ficando muito entretido na conversa com os artistas, sem perceber a quietude e então o sumiço de Feliks. Era tão divertido ver pessoas diferentes e conversar com elas... Ficou até com vontade de aprender a esculpir como Eliza, inclusive não rejeitando de imediato o convite dela para ensiná-lo, mesmo sabendo que jamais voltaria para aquele lugar. A folga de Toris não aconteceria de novo sem um milagre, aliás, mais tinha medo do significado deste dia de folga. Há essa hora, alguém poderia ter entrado em seu quarto onde deveria ter ficado trancado a noite toda e ao encontrá-lo vazio tinha assinado a certidão de óbito dele, mas quanto a isso não tinha nada que pudesse fazer. Ao menos tivera sua última noite sob o céu aberto.

— Feliks fala muito de você. — Elizaveta abriu um sorriso, um claro "eu sei de tudo", trazendo-o de volta à realidade com um calor no rosto. Não esperava ser assunto dele dessa forma.

— Suponho que fale... — sussurrou, olhando para o chão e coçando a nuca. Era para serem segredo.

— Até que você é mais bonitinho do que ele fala... — ela brincou, exclusivamente para irritar Feliks que estava logo atrás deles.

— Ou! — ele reclamou, finalmente dando sinal de vida depois de meia hora em silêncio. Estava sentado na beira da fonte, com um caderno e um lápis em mãos, mas bem percebeu a tentativa de provocação de Elizaveta. — Eu tô vendo! Tira os olhos, vadia.

Ela riu, vencedora. Afinal, ver Feliks irritadinho era uma das coisas mais fofas e engraçadas do mundo, então aquilo devia acontecer com frequência.

— Se continuar deixando seu bofe sozinho, alguém vai roubar...

Feliks franziu as sobrancelhas, fazendo biquinho.

— Toris, vem cá. — chamou, muito sério.

Estranhando, extremamente confuso por alguém saber sobre os dois e vermelho por estar sendo usado como instrumento de provocação, ele obedeceu, se aproximando do namorado na fonte.

— Olha pra mim. — ordenou, pois Toris estava olhando para o chão. — Olha pra mim!

— Hã? — levantou o rosto, estranhando a ordem. Por força do hábito, abaixava a cabeça imaginando o pior quando era chamado tão autoritariamente.

— É, valeu. — mas, para sua surpresa, ele só disse isso e voltou a rabiscar em seu caderninho, como se ele não estivesse ali.

— O que está fazendo? — ele tentou espiar o papel, mas antes que pudesse, Feliks arrancou a folha e o entregou de bom grado.

— Eu tinha esquecido... Se eram verdes ou azuis...

Toris ficou boquiaberto. No papel estava um rascunho a lápis de seu rosto em semi-perfil, olhando de costas. Parecia bem mais bonito do que era de verdade e era incrível que tivesse sido feito em tão pouco tempo. Mas os olhos, profundos e melancólicos como costumavam ser, estavam coloridos um azul e outro verde, sem cor muito definida. A maior parte das pessoas confundia, até Toris dependendo da luz questionava, mas a solução dele só melhorava o desenho.

— Uau... Feliks... Isso é fantástico! — não conseguia conter a admiração na voz.

— Está, né? — sorriu, orgulhoso e muito confiante, mas estava obviamente agradecido pelo elogio.

— Por que me desenhou?

— Sei lá... — ele se levantou, dando uma volta ao seu redor. — Só achei que você estava, tipo, bonitinho hoje. Gostou da noite?

— Gostei... — disse olhando para as luzes na água da fonte, com um pequeno sorriso desenhado em seus lábios. Discretamente segurou sua mão sob a manga do casaco. — Obrigado...

— Falei que você precisava sair mais...

— Seus amigos são legais.

— Um dia você me apresenta os seus. Quer ir pra casa?

Não.

— Ok...

Se despediram de todos rapidamente. Na caminhada de volta, Feliks não parou de saltitar no meio-fio, cantarolando uma das musicas tocadas no violino de Roderich, e quando não cantava, tagarelava. Tudo bem para Toris não ter voz na conversa, porque vê-lo alegre era muito melhor e ele não tinha muito o que dizer. O desenho que ganhara estava dobrado em seu bolso, encostando de leve em seus dedos escondidos, como um lembrete de que ali estava seu presente, e a prova de que pelo menos para uma pessoa, ele era um pouquinho especial. Estava em paz.

No trem até o bairro onde a viagem terminava, Toris olhou a paisagem como se fosse a última vez que viria os postes e os prédios, e deixava que Feliks conduzisse a conversa a seu bel-prazer, pois sua voz era a melhor trilha sonora. Gostou também quando chegaram finalmente a rua do casarão, que não era temida pois era para a casa cor-de-rosa que iriam, e Feliks segurou sua mão, guiando e dando voltas entre os postes, cantarolando como se estivessem em um musical. Até o fez dançar com ele no meio da rua. E que belo sorriso tinha! Toris, que passou a vida vendo a tristeza ser contagiosa, estava olhando para a prova vivia de que felicidade também era. Quando entraram e puderam finalmente se beijar, sem acanho ou discrição, foi como se fogos de artifício estourassem dentro dele, num show invisível de cores. Foi quando ele percebeu que estava caidinho por Feliks Lukasewivcz.

— Ainda é bem cedo... — ele sussurrou sensualmente em seus lábios. — Temos bastante tempo...

Toris se afastou um pouco, passando o polegar em sua bochecha. Tinham todo tempo do mundo.

— Só vou tomar um ar. — avisou, se separando de vez, mesmo contra a vontade. — Obrigado por hoje.

— Tá... — ele pareceu um pouco decepcionado, e fez biquinho. — to te esperando... — ronronou, ameaçando outro beijo para fazê-lo ficar.

Se soltaram, Toris foi para a sacada respirar. Adorava olhar as estrelas do quintal de Feliks, pois elas eram um sinal de que tudo ficaria bem. Aproveitou aquele momento para refletir sobre tudo que tinha acontecido: atarde, estava morrendo de medo de Ivan ou Natália enfiar uma faca em seu pescoço e o servi-lo no banquete-velório misterioso, mas ao invés disso havia acabado o dia numa praça cheia de artista que interpretavam de outra forma a tristeza. O ar frio em seu rosto nunca fora tão relaxante, e respirou mais fundo do que nunca. Um breve suspiro de liberdade e felicidade, era o que estava tendo.

Muito breve.

Seu erro foi olhar para o lado ao invés de para as estrelas. Viu uma luz acessa no casarão. Era do quarto de Ivan. As silhuetas formadas através das cortinas eram claras: um homem alto de nariz grande é uma mulher pequena de cabelos longos e laço na cabeça, gritando um com o outro com toda a raiva em seus pulmões. Algo voou entre os dois, vindo das mãos da moça e encontrou a parede, se desfazendo em cacos.

Ivan e Natalia não brigavam, até Ivan era sensato o bastante para não fazer isso. Se algo havia acontecido, fora muito feio. A paz de Toris virou desespero, ainda mais ao considerar Eduard e Raivis envolvidos naquilo. Alguém poderia ter se machucado e... Ivan poderia ter procurado por ele. Ele poderia ser a causa daqueles gritos. Não dava para saber, mas enquanto estivesse ali, Feliks estava em risco também. Ivan era bom em encontrar pessoas, não teria nem tempo de se explicar. Saiu correndo do quintal, pegou seu casaco para esconder as roupas de Feliks e correu para a porta.

— Ei! Toris! — Feliks berrou, assustado. — Pra onde você tá indo?!

— Desculpa. Não posso ficar. Obrigado por tudo. Não vá atrás de mim. Não me espere.

Falou tudo aquilo sem respirar ou dar chances de raciocínio para nenhum dos dois, e bateu a porta na cara dele. O susto impediu Feliks de segui-lo, ainda bem. Entrou aos tropeços no casarão, e deu a sorte de não ter ninguém no hall para pegá-lo no flagra.

Praticamente voou até seu quarto, e qual não foi seu alívio ao ver seus amigos deitados e respirando. Largou as roupas ridículas de Feliks e voltou correndo para o andar de baixo. Tudo vazio. Ninguém na sala do banquete, apenas uma bagunça de copos quebrados. Um silêncio ensurdecedor. Alarme falso, na melhor das hipóteses. Talvez Ivan e Natalia discutindo tivesse sido apenas impressão, talvez só estivessem com sono e por isso terminaram o jantar mais cedo. Mas algo lhe dizia que estava sendo muito positivo.

— Toris? — uma voz suave e confusa surgiu de trás. Ivan descia as escadas a passos bêbados e exaustos, seu rosto estava mais acabado do que nunca, ele nem parecia vivo. E Toris achando que mais cedo ele estava mal.

— S-senhor...? — gaguejou, com coração na boca. — Você está bem?

Ele demorou demais para responder.

— Ah... Ham... Aproveitou seu dia de folga? — dava para ver o esforço que ele fez para abrir um sorriso, mas só queria desviar de assunto.

— Fiquei no meu quarto... — mentiu descaradamente, óbvio. — lendo...

— Ah... — ele não pareceu desconfiar.

— C-como foi o banquete? Já acabou...? Ainda é cedo...

— Ahã... Já-já acabou... — ele massageou as têmporas, distante.

— O senhor se divertiu? — sinceramente, ele estava com medo de perguntar. Lembrava-se do medo em seus olhos quando recebeu chá e mencionou o banquete, e aparentemente seus temores havias se concretizado.

— Deu tudo certo?

De novo, a voz de Ivan demorou para formar uma resposta, baixa, nada além de uma brisa muito difícil de captar, parecia arrancar o oxigênio do ar, uma premonição.

— Acho que... Saímos um pouco do planejado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Isso aê, quem odiou comenta "TORIS VIADOOO". Quem gostou também comenta isso. Por favor.
EEeeeenfim, essa foi minha tentativa de um capítulo alegre com foco no Feliks, espero que tenham gostado e que eu não tenha perdido todos os leitores com a demora (de novo --')
Até mais, seus delícia ლ(= з = )ლ ~♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Breve Suspiro de Felicidade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.