Um Breve Suspiro de Felicidade escrita por Migaylangelo


Capítulo 22
Não Morre Na Praia Quem Se Joga Aos Tubarões


Notas iniciais do capítulo

... pois é
ainda to aqui né
tamo na luta né
o fandom já morreu
já tá na hora dessa fanfic morrer também
nem me preocupei em revisar muito porque ja sei que nem tem mais gente lendo :v
aliás eu percebi que me baseei muito pra Bielo nessa fanfic numa musica do Evanescence "Everybody's fool" caso alguém queria ouvir.
só deixando aqui
tem mais ninguem lendo mermo



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Natália observou a neve cair na janela. No finzinho do inverno não havia mais tempestades, apenas flocos calmos acinzentando o céu. Ela preferia o caos das tempestades, mas não poderia controlar o tempo. Não poderia controlar nada. 

Ela sempre se achou forte. Sempre se achou rainha. Capaz de algo grande, capaz de liderar seu país nas mãos. No final, tudo era falso, Natália nunca teve nada além dos fantasmas que a assombravam. As lágrimas começaram a borrar sua visão, violentas como uma tempestade de inverno. Sua infância voava por seus olhos, o rosto de todas as pessoas que ela já matou. Agora era hora da última delas.  

Pois a vida era uma coisinha inútil e em vão, era um poço de infelicidade, e todas as suas tentativas de ir contra isso tinham piorado tudo.  

Ouvia sua irmã gritar na porta e bater, mas sua voz não chegava em seu coração. A única garantia de que tinha um é o quanto sentia ele quebrado. Sua bochecha ardia. Ivan tinha torturado muitas pessoas, mas nunca tinha encostado nela. Ele sempre soube seu lugar e a respeitava. Entendia que ela estava abaixo dele porque assim queria, não o contrário. Ela sentia que, do jeito turbulento deles, eles se amavam.  

Talvez tentar matar Toris tivesse sido precipitado, mas era tudo por culpa dele. Se Ivan simplesmente os deixasse serem uma família sem mais ninguém, e os viadinhos felizes bem longe deles, tudo estaria bem. Se Ivan... 

Se Ivan se casasse com ela... 

Se Ivan a amasse... 

Se Ivan, se Ivan, se Ivan. 

Ela queria poder fazer o que Feliks sempre disse, deixar tudo pra trás e viver sua própria vida, mas não podia. Não era forte o bastante. A chamavam de rainha de gelo, mas no final, era um frágil cubinho no sol, que se quebrava em mil pedaços no chão.  

Por um minuto, pensou em tacar fogo em tudo. Botar o grande casarão todo abaixo e deixar as chamas consumirem todas aquelas pessoas de suas vidas, a vingança final da grande rainha do gelo. Grande, grande, grande, isso sim seria lindo. Mas não conseguiu, suas mãos tremiam, suas lágrimas estragavam os fósforos, nem para isso servia. Também não se importava o suficiente. 

Se olhou no espelho. A vida toda diziam o quanto era linda, mas agora parecia apenas um monstro, com o rosto vermelho e inchado, os olhos cheios de tristeza e ódio. Aquela não era ela, ou melhor, era exatamente quem era, a figura mais crua e real de Natália Arlosvskaya. Um monstro como seu irmão. Como aquele país, como aquele mundo.  

Com um soco, seu reflexo se desfez em centenas de cacos. Pegou um maior no chão e se encarou de novo. Talvez uma de suas facas fosse uma escolha melhor, mas não, queria morrer olhando para seu rosto deformado. Aquilo bastaria.  

Riscou o pulso num movimento rápido. Natália conhecia cada veia de seu corpo e sabia exatamente onde cortar, mas estava tudo tão borrado. Tinha errado. De novo.  

Mais um corte. O sangue começou a brotar. E mais outro. Que sangrasse até tudo ficar preto. Mais um, mais um. Gotas vermelhas manchavam o carpete branquíssimo de seu quarto branco. Não seria o bastante. 

Natália só queria um descanso daquele pesadelo que chamou de vida. Não tinha um amor nem mesmo de família, nunca conheceu nada que não fosse o ódio. Num último movimento de desespero, enfiou o caco em sua barriga, sentindo ele rasgar sua pele, seus músculos e seus ossos. Poderia até ouvir o som.  

Sua irmã ainda gritava seu nome do lado de fora, e foram seus gritos que Natália ouviu até o último minuto. De repente, tudo tornou-se ainda mais turvo, meio escuro, meio pesado. Era o fim. Doía, sentia os litros de sangue abandonado seu corpo no chão, seu quarto ficaria inteiro vermelho. Era o fim da rainha do gelo. Quem sabe, quando encontrasse o capeta, pudesse se tornar a rainha do inferno. 

... 

— Até quando vai ficar com essa cara pra mim? 

Toris estava encostado no batente da porta do banheiro da casinha rosa, enquanto Feliks abotoava a camisa preta em frente ao espelho, cobrindo os curativos em seu abdômen. Tinha acordado de mau-humor e mal trocaram uma palavra.  

— Não é pra você, bobão. — Feliks silvou, sem tirar os olhos do espelho. — Minha amiga acabou de se matar, então me dê um tempo. 

— Você sabe que ela tentou me matar também, né? — Toris tinha um olhar meio triste.  

Poderia se sentir mal por ver Feliks e Ivan de luto, mas não sentia nada pela morte de Natália. Ela não era exatamente uma pessoa amada por ninguém além das duas únicas pessoas do mundo que Toris amava.  

— Assim como seu precioso Ivan tentou me matar, muito mais vezes. — finalmente Feliks o encarou, com olheiras profundas, de quem não tinha tido um único minuto de sono. — Mas eu tenho certeza que se tivesse sido ele ontem, você estaria agindo feito uma viúva coitada por semanas. Então nem venha me culpar por querer ir no velório da minha amiga antes de ir pra Itália. 

Toris suspirou e decidiu não retrucar. Queria estar em um trem a essa hora, mas sabia que parte de ainda estarem na Rússia era culpa dele. Tiveram pelo menos a sorte de poder dormir na casinha cor-de-rosa, porque Katyusha não queria ficar perto de Ivan nem do quarto de Natália. Ela pediu para dormir na casa de Feliks e garantiu que Toris fosse também, pois depois de tudo que tinha acontecido, Ivan não arriscaria contrariar a única família que sobrara. Ela e Feliks dormiram na cama de casal, enquanto Toris dormiu no sofá. Logo cedo ela foi embora cuidar dos preparativos para o velório, enquanto os dois continuavam não conversando direito. 

Antes da notícia do suicídio de Natália, eles estavam grudados, apenas felizes de estarem vivos e juntos. De repente, tudo parecia cinza e distante de novo. Feliks estava ali, lindo em sua frente como sempre, mas não tinha aquele sorriso branco que fazia Toris querer pular nele e jogá-lo no ar, e dizer que ele era o rapaz mais precioso da Terra, que ele era seu mundo todo. Porque, pela primeira vez em quase um ano, ele não parecia seu mundo todo, porque não era recíproco. Ele só pensava em Natália, só olhava seus desenhos e encarava o resto de neve no chão. 

— Eu não gosto de ver assim... — Toris disse depois de alguns minutos, trazendo sua gravata preta para ajudá-lo a se vestir. Colocou-a ao redor de seu pescoço e começou a dar o nó, agradecido por Feliks não resistir. — Eu sei que é triste, mas daqui a pouco nós vamos estar na Itália e tudo vai ser diferente... Eu quero começar tudo isso com um sorriso. 

Toris tinha seu próprio sorriso esperançoso, mas não ganhou um que estava esperando. Pelo contrário, Feliks se afastou e o olhou com desprezo. 

— Quando você ficou tão arrogante? — estreitou os olhos, com um sorriso cínico. — Escuta, Liet, eu te amo, mas minha melhor amiga acabou de morrer. Eu estou pouco me fodendo pra você. 

Chocado com tamanha indelicadeza, Toris murchou e aceitou, saindo do banheiro. Olhou sua própria camisa preta esticada na cama, que ele não tinha decidido se vestiria ou não. Queria ser um marido solidário e apoiar Feliks nessa hora, mas era tão difícil só recebendo coice, ainda mais considerando o rancor que começara a guardar da garota por quem um dia foi apaixonado. Se questionou até se estava com ciúmes, afinal não sabia a relação que Feliks tinha com ela, o quão próximos eram, mas afastou esses pensamentos porque nunca fariam sentido. Talvez de fato estivesse se tornando arrogante. 

No final, decidiu ao menos comparecer ao velório. Ficaria em silêncio, no canto, não teria outro lugar para ir senão lá. Seria seu terceiro e último passeio pela Rússia. Se vestiu rapidamente no terno velho que guardava desde que chegara no casarão e prendeu o cabelo num rabo de cavalo. Feliks saiu do banheiro pouco depois, inteiro de preto, também com o cabelo preso, sem sorriso nenhum. O encarou por um único instante, como uma forma de deixar claro que aquele era o último momento que queria conversar. Toris respeitou aquilo e o acompanhou para fora da casa, que parecia mais cinza que cor-de-rosa. Queria desesperante arrastá-lo pra dentro novamente, não sair nunca mais, lá onde estavam seguros e vivos. Queria poder voltar magicamente para uma das noites que passou lá e congelá-la, antes de tudo aquilo acontecer. 

Ficaram em silêncio durante toda a viagem de trem, só voltando a trocar algumas palavras sobre a direção que precisavam caminhar para chegar ao velório. Lá, pouquíssimas pessoas se reuniam em preto e silêncio. A maioria, contatos políticos de Natália, gente pequena naquele mundo apenas tentando manter as imagens. Toris viu o desconforto imediato no rosto de Feliks por estar cercado de estranhos, mas quando tentou segurar sua mão, ele afastou. Não era apenas desconforto, era raiva. Natalia merecia mais do que isso.  

No centro da pequena sala, o caixão rodeado por flores dispunha o corpo para o último adeus. Feliks caminhou para ele, enquanto Toris ficou no canto, observando a distância crescer entre eles.  

Feliks parou em frente ao caixão aberto. Natália, ou melhor, seu corpo estava deitado e para sempre quieto, com as mãos sob o peito e os olhos fechados. Era muito estranho vê-la assim porque parecia em paz ao mesmo tempo que parecia presa em um pesadelo. Definitivamente parecia um anjo. Sua pele sempre foi muito clara, mas agora Feliks finalmente percebeu o rosa apagado que suas bochechas sempre tiveram, agora que já não sobrara mais nada. 

Natália sempre teve um jeito de morta. Aquilo era parte do que agradava Feliks sobre ela e a tornava sua musa, ela era uma mulher romancista. Porém, jeito de morta nunca poderia se comparar a estar de fato morta. Não era mais sua musa, era sua amiga com quem não conversaria mais.  

Ela não era uma pessoa fácil, mas era alguém importante. Feliks entendia todas as suas atitudes precipitadas e cruéis, como tentar matar seu Toris, por isso não conseguia culpá-la. Ela era seriamente perturbada e não tinha como se consertar, só tentava fazer o que era melhor para ela e não tinha simpatia por mais ninguém, mas porque não conhecia mais nada. Ela tinha uma mente abençoada, uma visão do mundo como de um deus. Seus defeitos nunca seriam justificativa para o jeito que o mundo a tratou, a ponto de enfiar um caco de vidro na própria barriga e sangrar até morrer.  

Se perguntou se era assim que Toris via Ivan.  

Sentiu uma pequena mão sob uma luva preta em seu ombro. Ao se virar, viu Katyusha abrir um sorriso pequeno e solidário, antes de abrir os braços e convidá-lo para um abraço. Tudo tinha acontecido tão rápido que nem tinha tempo de pensar sobre, mas era grato por ter ela do seu lado. A conhecia muito menos que conheceu Natália, mas seu abraço era quente e era o melhor consolo que teria, ao mesmo tempo que consolaria de volta. Ela tinha os olhos vermelhos e inchados, claramente tinha parado de chorar há pouquíssimos minutos. 

— É tão estranho vê-la assim... — comentou, quando se afastaram, com os olhos fixos no rosto pálido da irmã. — Mesmo que não estivéssemos mais morando juntas, pensar que ela nunca mais vem me visitar, que nunca mais vamos jantar na mesma mesa nem mesmo brigar... 

— É tão vazio. — Feliks complementou, inconscientemente. 

— Sim. — concordou com a cabeça. — É muito vazio. 

Ficaram em silêncio por um longo momento, apenas observando pela última vez os traços do rosto de Natália. Alguns minutos depois, Katyusha voltou a falar: 

— É muito triste. Ela viveu a vida toda tentando correr atrás de algo inalcançável, parece que ela só veio ao mundo para sofrer. Então... para quê?  

Uma pequena lágrima escorreu por sua bochecha e caiu em uma das flores. Feliks queria saber o que dizer, mas nada que pudesse melhorar a situação vinha. Não podia trazê-la de volta, nem poderia tornar os anos que ela viveu melhores. Sem ter palavras adicionais, encarou o rosto morto dela novamente, passando os dedos de leve por sua bochecha, mas recuou imediatamente. Sabia que estaria gelada, mas sentir aquilo tornou tudo... real demais. 

Sentiu como se estivesse prestes a desabar de novo. Então, lembrou-se de algo importante. No meio de tantas emoções, quase se esquecera da sacola que segurava em uma mão. 

— Trouxe isso pra você. — estendeu o pacote, sem olhá-la nos olhos. — São todos os meus rascunhos da Natália. Ela era minha musa, então... tem bastante coisa... 

Katyusha espiou dentro da sacola e encontrou três cadernos finos, de tamanhos diferentes, e algumas folhas soltas. 

— Ah, obrigada. — respondeu, claramente muito triste. 

— Você estava certa quando disse que ela parecia uma princesa... — tentou sorrir, mas não conseguiu. — Aí dentro também tá um papelzinho pra você, tipo, pegar meu quadro na exposição. Na galeria do centro. O retrato era pra ficar com ela, então... 

Vendo seu nervosismo para explicar, Katysuha sorriu e assentiu, segurando a sacola com as duas mãos.  Pegou o caderno menor e começou a folhear as páginas e páginas do rosto dela a lápis. Alguns pedaços de folhas eram destinados apenas a uma parte específicas, os olhos, o nariz, a boca; outros eram de seu corpo inteiro, tal como estudos de anatomia. Era tão bonito que não parecia ter sido inspirado num ser humano de verdade, mas mesmo os traços talentosos de Feliks não eram capazes de mostrar toda a perfeição que Natália carregou em vida.  

— Como vocês se conhecerem? — Katyusha perguntou após um momento, baixinho. 

— Ah, longa história... — desviou o olhar, tentando achar uma maneira sutil de dizer que invadira a casa dela em busca de seu namorado. — Por causa dele... 

Fez um sinal com a cabeça em direção a Toris. Ela olhou rapidamente e abriu um sorriso curtinho. 

— Ah, sim. E ele, como você conheceu? Ivan não costuma ser muito... flexível em relação aos rapazes dele. 

Feliks mordeu os lábios com aquilo. Os rapazes dele. Pronome possessivo. Porém, sabia que Katyusha só estava tentando não voltar a chorar com conversa boba. 

— Sim, tipo... Ele me visitava. — explicou, tentando não revelar muito. — Tipo, durante a noite. Pro seu irmão não saber. 

— Oh. — sua expressão tornou-se mais suave, deixando bem claro em seu olhar que ela sabia o que estava escondendo. — Eu imaginei. 

Feliks sorriu, olhando seu namorado – não, seu noivo – no canto, observando as pessoas. Graças a Natália, os dois partiriam para a Itália naquela noite. 

— Mas estou surpresa. — Katyusha prosseguiu. — Que ele tenha vindo depois de tudo que ela tentou fazer... Natchenka é.... Era... Problemática. 

O rosto de Feliks fechou, lembrando-se daquela manhã. 

— Tipo, ele não queria vir. Mas ele veio me apoiar, e, sabe... — engoliu em seco. — Apoiar o seu irmão. 

— Entendo. 

Veio mais vários minutos de silêncio. Quando Feliks voltou a se virar para o canto onde Toris estava, ele não estava mais parado sozinho. Estava conversando com Ivan. 

Estavam relativamente afastados, se olhando com o canto dos olhos. Ivan tinha se aproximado devagar quando viu Toris ali, desconfortável. Ao olhá-lo de volta, quieto e  cabisbaixo, tentou ser melhor do que fora com o Feliks.  

— Eu sinto muito. — sussurrou, sem saber se deveria olhá-lo de frente. — Como você está? 

Ivan fez um som pequena na garganta, fitando o chão.  

— Não esperava que você viesse. 

— É meu dever.  

— Não é. Mas eu queria que você ficasse. 

Aquilo veio tão repentino e sem intervalo que Toris se esqueceu por um momento como respondia. Sabia daquilo muito bem, mas do jeito que Ivan falou pareceu tão… Melancólico. Não era uma ordem, não era nem mesmo pedido, era apenas um fato. Ivan agora tinha os olhos fixos em Feliks, conversando longe com sua irmã. Tinha seus motivos para não gostar dele, assim como Feliks para não gostar de Ivan, ainda mais agora com a morte da Natália. Toris, que até o dia anterior nem sabia que se conheciam, ainda estava com dificuldade de aceitar que Feliks se importava tanto com ela, a ponto de tratá-lo como tratou de manhã. Natália tinha tentado matar os dois, mas apenas Toris fora obrigado assistir seu noivo no chão sangrando por horas acreditar que era o fim. Perdoar Ivan por aquilo tudo e perdoar Natália eram duas coisas completamente diferentes.  

— Você acha que a culpa é minha?  

A voz dele vão voltou baixa e o atingiu como um caminhão. Não tinha pensado muito nisso, mas sabia que ele tinha. Tudo acontecer tão rápido, como um grande borrão, era difícil julgar friamente. não tinham se passado sequer 48 horas desde que Toris voltou casarão para ver Ivan chorando.  

Toris engoliu em seco. 

 — Eu acho que tiveram vários fatores envolvidos… — respondeu, da forma mais neutro que conseguiu, evitando deixá-lo pior em qualquer sentido.  

Preocupou-se quando Ivan sorriu.  

— Você sempre faz isso. 

— F-Faço o que? — Toris gaguejou, começando a suar. 

 — Dá uma resposta diplomática que não quer dizer nada. Quando você vai me falar alguma verdade, Toris? 

Ficaram em silêncio. Sabia que qualquer coisa que dissesse só confirmaria a observação. Toris de fato fazia isso, além de mentir constantemente, por sua segurança e pela de Feliks. As circunstâncias o obrigavam, mas verdade era.  

Ivan não pareceu importar-se com o silêncio, seu olhar estava ainda perdido em Katyusha conversando com Feliks. Só voltou a falar vários minutos depois, mas com si mesmo.  

— Ela acha que é. 

 Toris arregalou os olhos, pela terceira vez voltando ao mundo, mas não tinha escutado direito. 

— Hã? — disse involuntariamente. Ivan não deu muita atenção. Continuaria falar de uma forma ou de outra.  

— Ela acha que a culpa minha, ela deixou muito claro isso. — ele falava sorrindo, mas não havia felicidade nenhuma nele. — Ela vai embora, você sabe?  

— O que? — dessa vez, era uma pergunta sincera. 

Katyusha tinha acabado de voltar, tudo esteve tão bem por um tempo. Era presença dela que fazia Toris saber que Ivan ficaria bem.  

— Ela não quer mais ficar em casa… — a dor em sua voz era tão evidente que afogava seu sorriso. — Disse que não aguenta olhar mais pra mim…  

Toris sentiu todas suas barreiras desmoronarem. Sabia o quanto Ivan amava a irmã, Tinha inclusive desistido de machucar Feliks e ele por causa dela. Porque queria provar a ela que valia a pena não desistir dele. Mas ela desistiu, e não dava nem pra julgar. Natália irmã dela também.  

Queria saber o que dizer, queria ter o poder dela de deixá-lo bem. Tinha seus motivos para odiá-lo, mas quando o via triste nem se lembrava mais. Se importava com ele, só queria uma vez na vida saber que ele ficaria bem. 

— Eu sinto muito... — foi a primeira resposta que saiu, antes que pudesse pensar. — Esei o quanto você quer a por perto. 

Ivan ficou em silêncio, engoliu em seco e voltou: 

— Agora casa vai ficar vazia. Todos foram embora, Natália está morta, a mana vai embora, até você vai embora… 

 O coração de Toris pesou ao mesmo tempo em que acelerou. Não tinham conseguido conversar depois de Natália se matar, não sabia até então se a permissão para ir embora permanecia válida. Não precisava dela, mas acabava achando fascinante. Tentara fugir vezes antes, teve chances que recusou, teve chances que perdeu, mas se ainda estava vivo então ainda tinha mais uma. Porém, muito mais do que antes, agora estava largando Ivan sozinho, sem nenhuma perspectiva de como continuaria. Ele tinha pavor da solidão, mas ia ser exatamente seu destino. 

— Eu queria… Que pelo menos você ficasse… 

A voz dele veio engolida, abafada, como se estivesse segurando choro. Não estava, pois esse já estava escorrendo lento por suas bochechas gordas. Ivan sempre foi um bebê chorão. Continuou a falar, já sem controle da suas próprias palavras, antes que Toris soubesse  sequer processar a primeira frase. 

— Se quiser continuar com aquele rapaz, tudo bem… — fungou. — Pode morar em casa, tem espaço, eu juro que não vou fazer nada com ele… Não precisa nem morar lá se não quiser, só aparecer lá no almoço e… Não preciso trabalhar… Só precisa ficar… 

Aquilo era um rapaz desesperado tentando negociar o pouco que não tinha. Em algum momento daquele choro, Ivan tinha pegado sua mão e apertado contra o próprio rosto, de forma que seu cheiro e suas lágrimas grudassem na pele de Toris. Seus ombros subiam descompassados com a respiração desregulada, pequenos soluços pulavam de sua garganta. Já  tinha visto Ivan mal, já tinha visto muito pior, mas nunca o vira implorar por nada. Muito menos por ele, alguém que fora o seu servo, inferior, e ainda traidor. Mas era muito mais carente que eu orgulhoso. Ver aquilo deixava Toris sem reação. 

Tinha planejado tanto sua fuga com Feliks, Estava tão perto e o amava tanto. Tinha já se decidido que precisava cuidar da própria vida antes de cuidar de Ivan, mas agora estava tudo diferente. Ele tinha acabado de perder as duas irmãs, sua casa estava destruída e seu mundo todo tinha desabado. Como poderia o abandonar agora? Poderia conversar com Feliks, depois de algumas brigas sabia que ele poderia ceder. Ivan não estava obrigando a nada, pelo contrário, estava pedindo, chorando, com toda a genuinidade do mundo. 

— Eu preciso de você… 

 Sentiu o calor do seu sussurro em sua mão quando naquela frase seus olhos se encontraram. Ivan precisava dele. Nada em seu olhar, comportamento voz discordava. Toris queria ajudá-lo, estar com ele naquela hora. No fundo, quer sentir-se  importante também, não lixo que Feliks largava de lado quando estava de mal humor. 

— Eu… Eu fico. — falou num sussurro, com coração acelerado. — Não vou te deixar sozinho agora. 

Os olhos de Ivan brilharam incrédulos, como se estivessem prestes a  chorar de novo. Depois sorriu um daquele raríssimo sorrisos verdadeiros que Toris era uma das poucas pessoas a conhecer. Sentir o que ele iria abraçá-lo naquele momento, e que logo tudo ficaria bem. Teria que adiar a viagem para Itália, mas dormiria anoite sabendo que não abandonaria alguém precisava dele. De certa forma, ajudá-lo, mas com a permissão para estar com Feliks livremente, era como um sonho, um alívio sem tamanho. Era o que queria esse tempo todo. Nunca soube dizer não para nenhum deles, mas agora não precisava mais. Moraria com Feliks na casa cor de rosa e visitaria Ivan quando ele saísse pra pintar. Cuidaria para que seu psicológico permanecesse, embora não soubesse nem como. Fariam dar certo. 

Suas esperanças duraram 20 segundos inteiros. Tudo pareceu se desmanchar quando um 
pequeno o soluço surgiu  atrás dele. Ao se virar, ainda inocente em sua perspectiva, o que encontrou foi a figura de um loiro baixinho, com os dentes trincados, as bochechas tremendo de raiva e choro reprimido. Não esperava por aquilo, não agora, não tão de repente quando sua decisão era tão nova. Queria explicar tudo para Feliks direito, não que ele chegasse no meio da conversa e ouvisse tudo. Porém, no fundo, sabia que não faria diferença. 

 Sem uma palavra, Feliks deu meia volta e saiu em passos rápidos do ambiente. Toris se virou rápido para Ivan antes de sair para o seguir até o meio da rua vazia. Estava garoando, o céu estava muito nublado e triste, raivoso como rosto de Feliks. Em todos aqueles anos, tinha visto Feliks ficar muito puto, mas aquilo era novo. Ele parecia a própria tempestade. 

— Feliks, espera! — tentou chamá-lo para resolver tudo. 

Feliks parou. Seu rosto vermelho estava contorcido em um sorriso cínico. 

— Esperar o que? Seu namorado aparecer e me matar? 

— Você é meu namorado. — apressou-se para corrigir. 

— Ah tá. Me engana que eu gosto. 

Já estava se virando para sair de novo, mas Toris foi atrás dele outra vez. 

— Por favor, ao menos me escuta… 

Feliks cruzou os braços e o encarou, em expectativa. 

— Tá. Se explica. Me convence. 

Toris não esperava por isso, mas não iria recusar. Limpou a garganta e tentou sorrir. 

— N-Não vai ser ruim. Podemos morar numa casa enorme, como você sempre quis… Ou podemos continuar na sua casa, se você preferir. Eu conversei com Ivan, ele não vai nos machucar. 

— E por quanto tempo você acha que ele vai cumprir essa promessa? 

A voz de Feliks o interrompeu, mas mais quieta, séria, até com dó, por baixo de todo aquele rancor. Toris não tinha tido tempo para pensar nisso ainda, mas acreditava na palavra dele. Quando estavam juntos, ele realmente o tratava bem. 

— E-eu não acho que vai descumprir… Mesmo antes ele batia muito pouco em mim… — tentou explicar, Desviando o olhar. 

— Você se escuta falando?! — deu uma risada. — Eu não sei se fizeram lavagem cerebral em você, mas essa vida de escravo não serve pra mim não. Muito pouco, Toris? Ele nunca deveria ter encostado a mão em você! 

— E não vai mais! 

— Para de ser iludido! Liet, você lembra o que ele fez naquele dia? Você chegou quase morrendo em casa e foi horrível… — as lágrimas não se seguravam mais, caindo de raiva e tristeza. — Não se lembra do que ele fez ontem? Eu me recuso a viver te vendo se machucar… Eu não entendo nem com você pode realmente queria morar com homem desses! 

— Você não conhece… 

— E nem quero! Eu sei o que ele fez, não preciso ficar justificando, não vai mudar mesmo. Mas você prefere ele que toda vida que poderíamos ter juntos, tudo que nós planejamos! 

— É claro que não! — Toris respirou fundo e relaxou os ombros para não brigar. Só queria que algo desse certo pra variar. — É claro que não… Eu quero estar com você, quero que você me apoie… Não quero acabar tudo assim.  — deu um passo para mais perto, segurando seu rosto com as duas mãos. Ainda havia em seu olhar tristeza e raiva, mas Toris se sentia em casa nele. — Eu só quero você. 

— Então foge comigo — tombou a  cabeça em suas mãos, pedinte. — Agora. 

— Não posso… Mas mais do que nunca podemos ficar juntos… Eu não vou embora antes do amanhecer, eu vou acordar do seu lado todos os dias… — se inclinou para beija-lo na bochecha. — Eu prometo. 

Quando Toris pensou que estava ganhando, Feliks afastou sua mão e recuou, apertando os olhos. 

— Não, não e não. Faça isso comigo na Itália, mas eu não vou ficar aqui vendo você se matar pra tentar salvar a alma daquele psicopata! 

— Ele está mal, ele precisa de mim… Não consegue desistir a Itália por um tempo? Ainda vamos ficar juntos, eu não vejo problema... 

Uma pequena perda de equilíbrio interrompeu seus pensamentos. As duas mãozinhas de Feliks não estava mais em seu peito, como estiveram segundos atrás, antes de empurrá-lo na calçada, quando um ódio em comum tomou seus olhos. Toris tropeçou de leve, mais do que o assustou foi a voz retumbante que acompanhou. 

— Vai se foder! Quer me falar em desistir?! Eu desisti da minha casa você, eu desisti dos meus amigos, da minha carreira que mal começou! Eu ia me mudar com toda minha ansiedade para um país que nem a língua eu falo, para que você parasse de viver que nem servo na mão daquele homem! E você vem me dizer… Que não pode desistir dele? 

Feliks estava uma bagunça de ódio e choro, respirando pesado em expectativa de uma resposta. A verdade era que Toris nunca vira nada por esse lado, porque quem queria fugir, quem sugeriu aquela viagem suicida fora ele. Só supôs que não tinha nada pra deixar pra trás. 

— Se é um sacrifício tão grande, não tem mais do que reclamar. Pode ficar em casa, cuidar de sua carreira… 

— Inacreditável. — Feliks riu para o chão. — Você quer mesmo ficar com aquele homem louco. E pensar que eu perdi tanto tempo da minha vida com você... 

Um vento de silêncio soprou nas duas almas. Era para aquela discussão estar terminada, mas sabia que ainda havia muito mais. Porém, depois daquilo, tudo que sentia era peso. 

— O que está dizendo? — sussurrou, com o coração na mão. 

Feliks bufou, desviou o olhar, mudou o peso de um pé pro outro. Era uma pergunta queria saber a resposta também. 

—… Eu estou dizendo que se você quer tanto ficar, poderia nem ter aceitado fugir comigo. Você quer desistir de tudo que a gente planejou, vá em frente, mas não espere que eu fique assistindo feito idiota você e essa sua Síndrome de Estocolmo. Eu vou pra Itália, apenas porque estou farto desse país. Se não quer ir… 

— Eu não quero desistir de você. 

— É uma pena que não possa ter tudo, hein? — ironizou, se preparando para dar meia volta e dizer adeus. — Ao menos poderia ter a decência de admitir que só não me ama. Ao menos dizer em voz alta que escolheu ele depois de tudo. 

— Eu te amo… — tenta implorar pelo último recurso. — Você sabe disso, porque fica me torturando? Eu amo você… 

Eu fico te torturando?! — levantou a voz, pronto para  recuperar a discussão a base de gritos, mas relaxou em seguida. — Quer saber? Foda-se. Você escolheu, não fica voltando atrás. Já me deu rugas suficientes. Adeus, Toris. 

Antes que Toris pudesse reagir, Feliks deu meia volta e saiu andando. Acompanhou seu corpo com olhar, sem conseguir alcançá-lo, sem chamá-lo. Até que em um momento ele parou, a alguns metros de distância. Sua respiração ainda estava pesada, Toris viu pelo movimento de seus ombros que tinha ido embora chorando. Porém, justo quando pensou que ele voltaria,  que conversariam direito, que tudo daria certo, ele começou a correr até sumir de vista. Em pouco tempo, Toris estava sozinho. Engraçado como ainda chovia tão forte. 

Caminhou de volta para dentro, onde velório já tinha acabado. Katyusha não estava mais lá. O único que sobrar era Ivan, esperando por ele. 

— Está tudo bem? — Ele perguntou, uma leve expectativa sua voz. 

Toris assentiu, limpando o rosto com as costas da mão. Com toda força que tinha, tentou sorrir. 

— Sim. Acho que somos só nós dois agora…  

Ivan sorriu também, sem esforço. 

— Então vamos pra casa. 

Toris assentiu e permitiu ser guiado. Tudo pareceu apenas muito vazio. 


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Notas finais do capítulo

pse eu disse que esse cap ia ser o ultimo mas vai precisar de mais um (espero que seja só ais um msm)
acho que ta meio occ mas eu sempre acho
enfim foda-se
se ainda existir alguma alma viva nessa porra comenta



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