Ms. Betty Wayne escrita por SurfinBird


Capítulo 1
Capítulo 1 – Uma Piada Sobre Harley




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Um círculo de cavalheiros de certa idade e rostos redondos formava-se na sala pouco iluminada, sendo o de cabeleira avermelhada o mais provável a ser o líder deles pela expressão de maior confiança que exibia. Quanto aos outros, franziam a testa e suavam a tez como se estivessem sob grande tensão. Os homens se achavam sentados em uma pequena mesa com os ombros inclinados para frente, tendo de disputar espaço com suas pernas que brigavam entre si logo abaixo. Quando começaram a reunião, estavam indo muito bem falando dos álbuns do Louis Armstrong, mas a conversa foi progressivamente tornando-se mais sombria quando tocou o assunto da assustadora concorrência.

“Estão todos de acordo? Vamos selar o pacto.” Disse o mais gordinho.

De repente, todas as mãos fechavam-se em concha e seus olhos cerravam, estavam rezando. Cada qual concentrava-se em sua própria prece com exceção de um sósia do Garibaldo de Vila Sésamo que começou a repetir um mantra alto o bastante para abafar os múrmuros de todos os outro.

“Livra-nos do mal, senhor! Livrai-nos do mal!”

“Por favor, continuem, não se incomodem.” Uma voz feminina irrompe, destruindo o clima religioso e resgatando todos os senhores meio-idosos à realidade.

Tratava-se de uma mulher bonita, de boa compleição, vestindo trajes de classe. Claramente pertencia à mais alta sociedade de Gotham, mesmo que seu rosto já não fosse conhecido e dispensasse apresentação. Completando o visual, ela segura uma espécie de revólver e apontava para o Senhor Maior.

“Meu Deus, Senhor! É Betty Wayne!” Gritou como bichinha um deles.

Llevas pistola?” Balbuciou um, com jeito de oriental miscigenado.

A arma de Betty comprou o silêncio dos homens, dando-lhe tempo de falar. Ela teria de ser rápida, antes que um deles decidisse bancar o herói e sacasse alguma coisa da manga. Não que fosse muito boa nisso, mas esboçou um sorrisinho cínico que originalmente deveria quebrar o gelo e aliviar a tensão, mas parecia ter horrorizado todos eles. Ela permanecia de pé, mantendo uma distância segura da mesa.

“Não se preocupem, rapazes, estamos do mesmo lado da lei. Eu apenas quero garantir que meu nome esteja na lista de pagamento quando o negócio alavancar. Eliminar a concorrência com pequenos acidentes? Genial, genial...”

“Não apenas a concorrência, mocinha...” O chefe parecia zangado “mas qualquer um que saiba demais ou queira se colocar em nosso caminho como você está fazendo agora. Até mesmo a imprensa sofreu, em breve você se juntará à Max Axford!”

Sem intimidar-se com a arma, o chefão debochava com gestos estilizados de dançarino. Animalesco e depravado, Betty achava que pouco faltava para que ele deixasse sua cadeira e caminhasse rebolando em sua direção para desafiá-la e desdenhar a virilidade de sua arma.

“Mas nesse caso você perderia uma grande chance.” Betty não hesitou, havia previsto perfeitamente o rumo da conversação. Homens de negócios era quase sempre tão previsível quanto entrevistadores. “Eu estou disposta à investir dez milhões de dólares no projeto com a única condição de receber minha parte justa do lucro e de também livrar minha Wayne Enterprises da concorrência.”

“Ah! Quer dizer que sem o velho Wayne a empresa vai mal das pernas? Mulheres... Muito bem, senhora Wayne, espero que saiba o que está fazendo.”

Todos os rostos alheios à conversa tornavam-se duros como pedra, e com uma virada de pescoço para trás, o Chefão percebia que era forçado a aceitar a deliciosa proposta dos dez milhões. Ninguém duvidava que Betty dispusesse de tanto dinheiro, todos sabiam do legado dos Wayne, e incentivavam a inserção da moça com expressões firmes e assustadas, como quem quer preparar-se para cometer um crime abominável.

“Muito bem! Bem vinda ao inferno!” Adiantou-se o Patife Principal. “Mas conte-nos, o que espera conseguir? Não se acanhe, somos todos amigos aqui e compartilhamos de tudo. Esse grupo é como um grande confessionário.”

“Eu já consegui o que quero.” Recomeçou, Betty.

“E o que seria?”

“Sua confissão.”

Betty era uma mulher de olhos frios e estreitos, quase sem brilho. Eles foram vitais para ganhar a confiança dos cavalheiros, que erroneamente os tomaram como insensíveis como eram seus próprios. Mas aqueles globos semi-ocultos escondiam muito ódio, ainda menos visível pela sombra da aba de seu chapéu e o véu que lhe alugava um ar de viúva. Betty puxou o gatilho e, antes que qualquer um pudesse arquear as sobrancelhas, uma nuvem escura invadiu o ambiente e não demorou muito para que estivessem todos envenenados de cara na mesa, à espera de uma denúncia anônima que provasse o esquema que já havia assassinado sete de uma vez e mataria muitos outros empresários e gente da imprensa. Wayne deixou a saleta sem se atrapalhar nem um pouco com a fumaça negra à qual era imune. Alcançaria a calçada da rua pensando que nunca mais leria uma matéria de Max Axford.

Uma senhora bonita atravessa o caminho de Betty, sorrindo ao perceber que usavam um chapéu de mesmíssimo modelo. “Esse é o meu chapéu, sem dúvida!” Achava tanta graça, que desatou em risos como uma pequena Marilyn Monroe.

Uma artista de rua cantava o sucesso de guerra We’ll Meet Again de Vera Lynn, e Betty parou por um momento para escutar, pensando em seus pais. Era realmente uma música especial, e sentimental. Betty sentiu como se uma gota quente de chuva caísse em seus olhos e escorresse por seu rosto, e rangeu os dentes com raiva de sua reação involuntária. Baixando o rosto, cuspiu na calçada e tomou seu caminho. Seu carro estacionava logo ali, à sua espera para voltar para casa perseguindo as luzes noturnas de Gotham.

We’ll meet again. Don’t know where. Don’t know when. But I’m sure we’ll meet again some sunny day…
Keep smiling through, just like you always do…

Para alguns um ano sombrio marcado pelo assassinato de Kenny e por discursos como “Segregação hoje, Segregação amanhã, Segregação sempre!” E para esses “alguns”, os jovens que despendiam seu tempo nas danceterias curtindo os novos sucessos adolescentes não eram mais que uma escória descerebrada. Nada disso desanimava a pequena Regina Grayson, completamente absorta pelo ambiente festeiro do baile. Ela era desastrada como um elefante efervescente, fulgurante em toda a sua glória, basicamente dançando para si mesma mesmo que parecesse bastante exibida. Meio-bêbada, a pequena Grayson dançava alegre olhando para os próprios sapatinhos coloridos, afastando as pessoas à sua volta com seus movimentos espaçosos. Seu estilo arrancava alguns olhares maliciosos dos rapazes que estavam por perto. A casa não deixava de tocar também alguns singles da década passada, contanto que fossem bem animados e condizentes com o êxtase daquela juventude.

Everybody in the whole cell block was dancin' to the Jailhouse Rock.

Regina nunca saia sozinha à noite, tendo arrastado junto sua menos entusiasmada amiga, Harley. Por meses a fio, as duas estavam saindo juntas sem nunca terem realmente se aproximado muito, permanecendo como meras companhias convenientes de relacionamento superficial. Harley passava por um período de recuperação pós-alcoolismo, onde aquele tipo de evento era completamente contraindicado. O mal-humor da abstinência não permitia mais que suportasse ficar muito perto de Regina, e uma vez que também queria manter-se longe do bar, afastou-se ao ponto de chocar-se contra a parede e ficou assistindo as pessoas dançarem.

“Harley!!” Uma voz esganiçada, fina e familiar lhe chama a atenção.

“Oi, doçura!”

The way you turn me on. Then you shot me down. Well, tell me baby. Am I just your clown? Psycho!!

A baixinha de óculos redondos era antiga amiga de Harley. Havia entre elas uma sintonia tão intensa que uma saberia se algo ruim acontecesse com a outra à quilômetros de distância. A menor mentira a idade para entrar no baile e lançava olhares desconfiados para todo mundo, contraindo os ombros como se a protegesse.

“Deixou sua cachorrinha em casa, Harley?”

“Não, só estou me afastando para não acabar com dor de cabeça. Sigh.”

Naquele mesmo instante, Regina dançava Walking the Dog dos Sonics com movimentos sinuosos e jogando as mãos para o alto. Era óbvio num relance que havia completamente esquecido da existência de Harley e nem mesmo reparava que era fitada pelas duas amigas e mais um punhado de pessoas.

“Urgh! Será que essa garota não tem nem um pouco de noção do ridículo!?” A baixinha forçava nojo e fazia a careta que a deixaria mais feia.

“Sabe, ela é um pouco problemática. Perdeu a família inteira muito cedo e agora só quer saber de curtir e flertar com os brotinhos. Como se ela não quisesse viver no mundo real, um tipo de escapismo. Juro até que ela melhorou depois que foi morar com aquela excêntrica da senhora Roupas-da-Década-Passada Wayne. Talvez eu ande com essa sem-vergonha por pura pena.”

Dois meninos risonhos com “Boboca” escrito na testa avistam as meninas de longe e apontam. Eles aproximam-se em meio à risos bestas, pensando que elas não reparariam que checavam seus corpos. Tinham rostos queimados de sol, dois camarões musculosos.

“Kent!” Cumprimentou o primeiro bobão.

“Mas como vocês dois são idiotas!” A baixinha afrontava, fazendo um bico e subindo alguns tons de voz como uma criança birrenta. “O nome dela não é Kent! É Dent! Harley Dent!”

“Os dois? Mas eu não falei nada!” O outro já havia se acanhado.

“Eu não sei diferenciar um do outro, para mim são dois lados da mesma moeda.” Harley finalmente entrava na discussão.

“Você e a pirralha aí também são! Parecem até mamãe e filhinha! Será que ela tem idade pra ficar aqui?”

“Calem a porra das bocas, macaquitos! Tsc. Parecem uma versão histérica de um boneco de ventríloquo...”

Em segundos, um corte brupto abria espaço para o novo single bem-sucedido da banda Twistelletes. Algo está mudado. Pupilas dilatadas. O baile assume um aspecto de bordel em decadência, e o grupo é atravessado por um nervosismo conjunto. Todos viravam os rostos sincronizados para a esquerda, dando de cara com Regina em altos amassos com o namorado da jovenzinha de óculos. O namorado pegava com gosto nas regiões mais carnudas de Regina. Normalmente a cena não lhe pareceria tão enlouquecedora, mas a pequenina ficara furiosa e puxava freneticamente a camisa de Harley como se pedisse para fazer alguma coisa. O lugar parece chacoalhar e vibrar com o puro movimento. A música das Twistelletes era alta demais.

“Idiotas! Vão já atrás dela!” Harley ordena, e os dois garotos obedecem como soldados.

Antes que fosse tarde demais, Regina se dá conta da aproximação dos fortinhos e consegue se espremer para afastar. Não medindo esforços, os gorilas empurram qualquer pessoa no caminho, criando uma grande confusão e um número incrível de pessoas querem iniciar uma briga. Não levando o caso muito sério, Regina consegue deixar o baile pela porta dos fundos antes de se dar mal ou poder testemunhar a situação indo de mal a pior. As Twistelletes apareciam em meio à um concerto dentro de sua cabeça, com as pupilas dilatadas, mas a pequena Grayson ria como nunca na rua fria deserta.

Ela era como uma personagem bidimensional de sitcom, que não permitia à si mesma encarar realidades desagradáveis e sentimentos que não fossem positivos. O que no fundo era bastante triste também. Quando chegasse em casa, receberia bronca dupla de Betty Wayne e da tia Harriet, mas nada que a mataria.


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