Três doses de tequila, por favor escrita por Sweet Serial Killer


Capítulo 8
Peixes arquejando


Notas iniciais do capítulo

Obrigada mais uma vez ao Pistrix pela linda recomendação. Espero que gostem do capítulo, 22kos.



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— Você tá estranha — diz ele depois de quarenta e cinco minutos de silêncio. Estamos num restaurante japonês, comida que eu odeio, a propósito. Antes de virmos para cá, digo a ele que não como peixe, mas ele garante que em restaurantes japoneses também há salada. Bom. Ele erra na previsão. — Isso tudo é por causa da comida? April, eu já disse que depois vamos parar em algum lugar e você come alguma coisa.

— Eu não quero comer nada.

— O que você quer, então?

Quero que você pare, digo a mim mesma, enquanto sinto meus dentes rangerem.

— Eu não quero nada.

— Então por que é que você está com essa cara? — Dylan indaga, arqueando as sobrancelhas. Antes que eu possa pensar em dizer que essa é a minha cara, ele prossegue: — E não adianta dizer que não tem nada errado, eu sei que tem. Você não é assim.

O garçom chega trazendo a barca do peixe cru. Fico pensando na maneira como aqueles peixes morreram, de maneira lenta e dolorosa, fora d’água, sem conseguir puxar o ar. Posso voltar meus pensamentos à parte em que eles arquejam, enquanto uma tortura psicológica se apodera deles, já que eles não sabem o que pescadores de mãos grandes estão prestes a fazer.

Paro de pensar antes que vomite.

— April.

— Não sei do que você está falando.

— E eu não sei o que foi que eu fiz para você estar me tratando assim! — ele responde, num tom de quem dá uma bronca.

Não pretendo contar pra ele — não mesmo. Vou fazer com que ele sofra, fazer com que sinta o quanto dói magoar uma pessoa que se importa tanto com ele. Então, ele vai se desculpar e prometer nunca mais — repito, nunca mais — mentir, omitir ou guardar segredos de mim.

— Talvez você devesse só comer esse troço.

— Você está sendo tão infantil.

— E você está sendo tão babaca.

— Tá vendo! Ah, então você admite estar com raiva? — ele arregala os olhos, atento ao movimento dos meus lábios. Um sorrisinho surge em seus lábios, por ter finalmente tido uma comprovação de que eu estou chateada.— Viu só? Eu disse, conheço você.

— Engraçada a sua forma de conhecer alguém…

— Do que é que você está falando, caramba?
Decido contar de uma vez só. Talvez ele já esteja mostrando que se importa comigo a partir do momento em que decide perguntar o que está errado, só se contentando quando eu falar.

— O que estou dizendo — explico, respirando fundo. — É que se você me conhecesse, saberia que eu ficaria magoada. Você mentiu pra mim — digo isso sentindo o choro na garganta. Embora eu goste que ele se preocupe, prevalece a sensação de querer sumir da frente dele, porque a verdade é que estou chateada o bastante para conseguir sequer fitá-lo com os olhos. — Ouvi sua conversa no telefone hoje de manhã.

Sua expressão muda drasticamente. Com o cenho franzido e os lábios contraídos, ele abaixa os olhos em direção a uma peça de sushi e fica em silêncio. Como se escrevesse um discurso mental para me ganhar de volta, ele volta os olhos para os meus depois de alguns segundos de pausa, e me encara de modo a me analisar. Pela minha expressão, ele pode ver o que estou pensando. O que estou sentindo.

Sabe, eu sou uma pessoa de fácil leitura. Se você olhar bem no fundo dos meus olhos, em apenas uma fração de segundo saberá tudo o que precisa saber. Embora eu minta, meu olhar sempre diz a verdade, e as pessoas que realmente me conhecem sabem que podem me decifrar por inteiro a partir de uma simples análise. Eu sou transparente.

— Olha, eu… — ele hesita. Puxando o ar lentamente e, depois de soltá-lo numa expiração ainda mais longa, continua: — Essa nunca foi a minha intenção. Eu jamais esconderia isso de você, a não ser…

— A não ser o quê?

— A não ser que fosse por uma boa causa — ele completa, abrindo um sorriso tímido. Tento me manter firme, mas já posso sentir um sorrisinho se formando no canto dos meus lábios. É o fim da linha. — Eu queria te contar essa noite. Por isso… — do bolso do paletó, ele retira um envelope branco. Meu coração está acelerado e posso sentir minhas pupilas dilatadas. Ai meu Deus. — É pra você, querida.

Com os olhos fixos no envelope, sentindo minhas mãos trêmulas sobre o colo, ele estende o presente e eu aceito. Trocamos um olhar antes de eu abri-lo — vejo que Dylan está sorrindo, olhando para mim cautelosamente. Respirando fundo, abro o envelope e então entendo tudo.

Uma chave.

Oh. Meu. Deus.

— April Weinsher, acho que quero morar com você.

Penso em chorar. Em rir. Fazer os dois ao mesmo tempo, quem sabe. Eu não sei, só quero beijá-lo aqui e agora e dizer que eu aceito.

— Você acha? — eu brinco.

— Talvez eu tenha um pouquinho de certeza…

Faço que sim com a cabeça e Dylan beija a minha mão. Fico sorrindo por quinze minutos seguidos, só que alguém me vem à mente: Jake Messer. Hoje, no escritório, ele disse que Dylan não queria mais nada comigo porque precisa de um suposto tempo. Entretanto, na minha frente, com os olhos focados em mim, meu namorado parece precisar de um tempo comigo. Tanto que está querendo que eu vá morar com ele. Tem noção? O que prova, então, que Messer estava mentindo, inventando uma série de mentiras para prejudicar o meu relacionamento com o amigo dele! Sabe, acho que preciso falar com o Dylan a respeito. Ele não pode continuar amigo de um traidor desses, que tem inveja de sua felicidade a ponto de chegar até mim para inventar coisas!

— Meu amor, tenho que te falar uma coisa… — digo, usando meu tom cauteloso. Dylan me fita um pouco preocupado. — É o Messer.

— O que tem o Jake? — ele pergunta, erguendo uma das sobrancelhas. Seu tom de voz muda de um jeito estranho.

— Bom, ele… — não sei nem por onde começar, então respiro fundo e conto desde o princípio. — Messer apareceu no escritório de advocacia hoje, e eu acabei falando com ele sobre a sua conversa mais cedo… eu estava chateada, foi só por isso que comentei — explico. Vejo que Dylan tem uma expressão preocupada em seus olhos e eu não entendo o porquê. Talvez ele só esteja apreensivo. — Sabe, e ele me disse algumas coisas…

— O que foi que ele disse? — seus olhos estão arregalados.

— Ele disse que você tinha mesmo alugado um apartamento e não me queria mais — digo isso da pior maneira possível, quase conseguindo sentir de novo aquela sensação de desmoronamento. — Eu sei lá, ele falou que você estava enjoado de mim… em outras palavras, é claro.

— Ah, ele disse isso?

— Disse. Não queria causar problemas entre vocês, mas aconteceu. E acho que você devia saber, pois talvez Messer esteja tentando nos jogar um contra o outro… — eu prossigo. — Não gosto muito que você ande com ele.

Dylan parece perdido em seus próprios pensamentos. Pergunto o que há de errado, então ele responde que está apenas surpreso. Eu assinto e ele concorda que Jake não é o cara mais legal do mundo. Ergo as sobrancelhas como quem diz “você acha?”.

***

No dia seguinte, Jake aparece no meu escritório. Alma marca uma reunião com ele no dia anterior e eu só fico sabendo minutos depois de chegar ao trabalho, o que me irrita por completo, já que vê-lo é a última merda pela qual eu escolheria passar na vida. Messer traiu não só a confiança do Dylan, como a minha também, e essa não é a coisa mais inteligente a se fazer… eu sou legal e posso ser boazinha até certo ponto. Até o ponto em em que alguém me coloca pra baixo, para ser mais específica.

Jake se atrasa quinze minutos. Eu digo a Alma que não vou mais atendê-lo, mas é bem na hora em que Sr. Hills atravessa o corredor e me escuta.

— Weinsher, você é dona do negócio?

— Eu? Eu não… — digo, sem entender muito. Não sei nem de qual negócio ele está falando.

— Ah, é verdade. O negócio é meu — ele cospe as palavras na minha cara. Dando um risinho, antes de me olhar com desprezo, diz: — O que significa que você não pode fazer o que bem entender. Atenda todos os clientes, está me ouvindo? — ele aumenta o tom. — Ou não pensarei duas vezes em te colocar em alguma outra empresa.

— Outra empresa? — meus olhos brilham, ignorando sua grosseria anterior. Nossa, ser mandada para outra empresa seria ótimo. Imagina só não ter que olhar para a cara dele todo santo dia, ouvir seus gritos?

— Sim, a do olho da rua — ele ironiza. Em seguida, sai rindo enquanto eu desejo que ele vá se F (a palavra com F. Minha mãe costumava deixar que eu falasse a inicial do palavrão quando estivesse muito irritada e, sim, no momento eu estou. E duplamente: Sr Hills e Messer estão me tirando do sério).

Espero Jake mais um pouco até que, com seus cabelos claros caindo sobre o rosto, seguido de ar tipicamente irresponsável e imaturo, ele pergunta se ainda podemos ter a reunião. Eu digo que um “desculpe pelo atraso” cairia bem, mas Messer apenas ri e não me leva a sério.

— Então, você conseguiu entrar com a ação? — ele pergunta sobre seu casamento amaldiçoado.

— Ou…

— Tem uma segunda opção? — ele estranha.

— Ou você faz seu casamento dar certo, querido.

— Seu ponto forte não é o senso de humor, April — ele responde, revirando os olhos. — Vai resolver o meu problema ou não vai?

Paro de brincadeiras e digo que já está tudo certo, e que o caso será levado à corte no dia 17. Jake faz uma cara surpresa pela rapidez, e me agradece. Eu não digo nada, só confirmo para mim mesma que estou apenas ajudando o invejoso que tentou prejudicar o meu relacionamento porque ele está me pagando.

— Então… — ele muda de tom, fazendo um certo charme ao falar. Não sei exatamente o que ele quer com isso, mas me causa náuseas. — Você falou com o Dylan?

— Ah, sim, eu falei — respondo, sorrindo ironicamente. Babaca. Cachorro. Mentiroso. — E está tudo ótimo.

Jake me olha como se eu fosse louca.

— Tudo ótimo? — ergue as sobrancelhas. Posso ver seu maxilar contraído, olha só como ele está com raiva! — Você tá dizendo então que o Dylan…

— O Dylan é um amor e você foi o mentiroso — eu o corto, para início de conversa. — Ele só estava escondendo aquilo porque queria fazer uma surpresa. Ele quer morar comigo, Jake — anuncio. Sua expressão é de puro espanto. — E você tentou estragar os planos dele.

Levantando-se bruscamente da cadeira, com raiva, Messer aumenta o tom de voz enquanto sua expressão facial está tensa. Eu tenho vontade de rir, porque ele vai mentir de novo e tentar me jogar contra o Dylan, mas tudo em vão. Acredito no amor, não em um vulto qualquer que surgiu na nossa história.

— Mas você só pode ter ficado louca de vez! Eu sempre soube que você era trouxa, mas dessa vez você se superou, devo lhe dar os parabéns — ele responde, visivelmente irritado. — Eu tentei te ajudar contando a verdade, e você me agradece me acusando de ter mentido? É sério isso?

— Ele me deu a chave do apartamento ontem, o que prova que você estava inventando quando falou que ele queria me tirar da vida dele! — eu me levanto da cadeira também, aumentando o tom de voz. — Droga, Messer, eu confiei em você!

— Talvez seja esse o seu problema, April, você confia em todo mundo! A começar pelo Dylan — ele responde. Olhando no fundo dos meus olhos, já usando seu tom equilibrado de novo, ele prossegue de modo a deixar um aviso no ar. — Eu não sei qual foi a historinha que ele inventou dessa vez, mas pode ter certeza que foi só um pretexto, uma desculpa qualquer. Ele não estava falando sério.

— Saia do meu escritório, por favor.

— Eu conheço o Dylan mais do que você, acha que ele não me conta as coisas?

— Eu já pedi para você se retirar, Sr. Messer.

— Não venha com essa de “Sr. Messer” agora — ele retruca, voltando ao tom irritado. — Bom. Eu te avisei, April — pego o celular ameaçando chamar a segurança. Jake olha pra mim com um ar desapontado e então, erguendo as palmas das mãos, como se se rendesse, diz: — Eu já estou indo. Assim como esse assunto, a gente terminou aqui — seus olhos estão abertos para os meus de um jeito que eu nunca vi antes. — Não conte mais comigo, Weinsher. Falei certo seu sobrenome, agora?

Pela primeira vez, ele acerta.


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