Hookiel: Coleção de One-shots escrita por Mrs Jones


Capítulo 1
SOLDADO MUTILADO - Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Quem me conhece sabe que sou Hooked de carteirinha, mas desta vez decidi variar no shipp e investi em Hookiel. Os dois combinam pra caramba e são tão fofos juntos (morro quando eles contracenam juntos na série). Como eu disse lá no Disclaimer, serão one-shots independentes. Postarei as shots quando me der na telha, não posso prometer postar com frequência, pois já tenho outras fics. Se gostarem, posto outra na semana que vem. Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/606451/chapter/1

– Ele vai sangrar até a morte! – exclamou a enfermeira-chefe, prendendo o volumoso cabelo num coque. Correu a apanhar os rústicos instrumentos cirúrgicos e saiu em uma frenética corrida por entre as barracas que formavam a área de primeiros socorros. Alcançou a penúltima – na qual o homem agonizava – e, berrando para que todos se afastassem e a deixassem fazer seu trabalho, decepou a mão sangrenta do pobre soldado.

Não hesitou em nenhum momento.

– Ariel! – exclamou horrorizada a cozinheira, quando jatos de sangue macularam o lençol branco – Ariel! Que horror, filha, por que fazer isto ao homem?!

– Quer que ele viva ou morra? – respondeu a jovem enfermeira, concentrada em fazer parar o sangramento. Não esperou pela resposta, sabia que estava fazendo a coisa certa. – Preciso de mais panos limpos!

– Ele vai sobreviver? – indagou uma das enfermeiras auxiliares, ajudando a conter o sangramento – Já não perdeu muito sangue?

– Ele é forte! Tenho certeza de que ainda fará piadas sobre isto quando acordar. Aqui, segure isto pra mim por uns instantes. Precisamos cauterizar a ferida...

– Oh céus! Pobre homem! – outra enfermeira passava um pano levemente úmido pelo rosto pálido do homem inconsciente. Limpou as gotículas de sangue em sua bochecha com a delicadeza de quem cuida de uma criança. Também, quem é que não trataria o senhor Jones com todo o carinho do mundo? Bonito como ele era...

Deixaram-no repousar para recuperar-se do trauma. A mão decepada foi atirada num monte de corpos e membros mutilados. Ariel assistiu enquanto o fogo consumia os pedaços de carne humana, retornando tudo ao pó. Quando restaram apenas cinzas, ela suspirou, enxugou uma lágrima que escapara e foi embora.

***

– Moça... – murmurou o soldado mutilado, a visão embaçada tentando focar o rosto da ruiva, que se aproximara da cama.

– Shhh... volte a dormir. – disse ela, tocando-lhe a testa para verificar sua temperatura.

– Não quero dormir...

– Você precisa. Deve permitir que seu corpo descanse e se recupere.

Ele se recusou. Um gênio terrível aquele homem tinha. E Ariel às vezes mal conseguia lidar com ele. Ele era um bundão teimoso!

– Por que não sinto a mão esquerda? – indagou ele, ainda tonto e em estado de sonolência.

Ela não respondeu. Não conseguiu. Ele abaixou os olhos pesados e doloridos. Por um momento, encarou o vazio. No lugar da mão, encontrou um cotoco.

– Ah... – e soltou uma lágrima, que escorreu e foi se aninhar em seu bigode.

– Sinto muito! – falou a enfermeira, parecendo profundamente abalada – Não tive escolha... era isso ou você sangraria até a morte...

Os olhos azuis focaram em seu rosto. Ele sorriu quando encontrou os olhos dela. Sentira falta da ruiva. Estivera pensando nela quando tudo acontecera. Sua ruiva. Ela o salvara.

– Fez isto comigo, moça?

– Sim, não tive escolha.

– Bem, então estou em dívida com você.

– Bobagem, não ligue pra isso. Apenas descanse.

Ela lhe deu as costas. Fingiu estar ocupada com outras coisas. Não queria que ele percebesse as lágrimas se formando. Ela era forte, mas nem sempre. Às vezes rapazes de olhos azuis e cabelos pretos apareciam. Nenhum deles tinha o mesmo encanto que Killian Jones, no entanto. Nem o mesmo sorriso malicioso. Nem o olhar penetrante. E a habilidade de se meter em encrencas.

– Moça... Moça? Ariel? Você está bem? – ele tentou se erguer, mas caiu de volta na cama. Olhou na direção da moça, que se ocupava em esterilizar os instrumentos cirúrgicos no fogo.

– Estou, Killian, não se preocupe. Durma.

O crepitar do fogo fez se ouvir por uns instantes. Killian observava a ruiva. Os cabelos dela estavam presos num coque, mas alguns fios escapavam e lhe caiam no rosto. Ela estava bonita assim. Aliás, quando é que ela não estava bonita?

– Está com raiva?

Ela soltou uma risada seca.

– Por que estaria? Você sempre se mete em confusão, Jones. Já me acostumei, sempre me dando trabalho...

Ele se mexeu na cama. Sentou-se.

– Eu quis dizer, você está com raiva por ter feito o que fez? Está tudo bem, eu não ligo.

Ariel girou nos calcanhares. Encarou o moreno e ficou sem fala. Ele continuou:

– Não dá pra salvar todo mundo, não é culpa sua eles terem morrido. Ou eu ter ficado maneta. Acontece! – abriu um sorriso que iluminou a enfermaria – Salvou minha vida! Tenho uma dívida com você.

– É sério, esqueça isso! – respondeu ela, caminhando em direção à saída – Vou lhe trazer uma sopa fortificante.

– Sopa? Me traga álcool, mulher!

Ariel apenas riu e balançou a cabeça. Ele nunca ia mudar.

***

– Ariel?

– Sim, Killian?

– Preciso fazer minhas necessidades...

– Pode ir!

Killian arqueou a sobrancelha. Sorriu maroto. Aquilo ia ser divertido.

– Hum, será que a senhorita poderia fazer a gentileza de me ajudar? Ainda estou fraco.

“Oh pobre”, diria a cozinheira, se estivesse ali. “Quem é o pobre?”, perguntaria Ariel. “Eu ou ele? Porque agüentar este homem não é pra qualquer alma”.

– Astrid, pode ajudar o Killian? – gritou Ariel para sua auxiliar. A ruiva estava concentrada em costurar a ferida do soldado Eric, que tagarelava em sua cabeça.

Killian fechou a cara. Não gostava da enfermeira Astrid. Não gostava de nenhuma das enfermeiras, pra falar a verdade. A ruiva era a única a ter um lugar especial em seu coração.

– Não quero a Astrid, quero você.

– Ariel está ocupada, senhor Jones – disse Astrid, puxando as cobertas de Killian. Deu a ele seu melhor sorriso gentil – Venha, eu lhe ajudo.

– Não! Quero Ariel!

“Ah desgraça de homem teimoso! Parece uma criança birrenta!”, pensou Ariel, revirando os olhos e por pouco não perdendo as estribeiras com Jones. Respondeu educadamente, embora quisesse jogar o soldado mutilado porta afora.

– Senhor Jones, não vê que estou suturando o ferimento do senhor...

– Astrid, troque com Ariel! – ordenou Killian, em voz de comando. – Ariel, leve-me ao toilet, preciso fazer minhas necessidades.

Ariel, Astrid e Eric se entreolharam. As duas mulheres, silenciosamente, concordaram em trocar lugares. Ariel, muitíssimo contrariada, foi ao auxílio de Killian, que já se levantara da cama.

– O senhor não teve as pernas afetadas, não poderia ir fazer suas necessidades sozinho? – questionou a ruiva, cruzando os braços. Fora idiota ao pensar que Killian não se aproveitaria de sua condição para conseguir regalias. Conhecendo-o como ela conhecia, era de se esperar que soubesse o que estava por vir.

– Não, não poderia. – retrucou o moreno, irritando-se. Que diabos! Por que aquela mulher não fazia logo o que ele queria? – Não é pra isso que usa esse uniforme? Que tipo de enfermeira seria se não ajudasse os pacientes? A propósito, Ariel, quando é que poderei tomar banho?

Maldito soldado! Maldito soldado!

Ele não só fez com que ela lhe tirasse as calças (“Ora, não posso fazer isso com uma mão só, posso?”), como também insinuou que gostaria que ela limpasse sua bunda, o que felizmente não aconteceu, porque ele só estava brincando. Não bastasse ter acontecido uma única vez, Ariel foi obrigada a acompanhar o senhor Jones todos os dias, cinco vezes por dia, no que ele chamava de Hora do Pipi. E nem adiantava tentar mandar outra enfermeira em seu lugar (“O que está pensando, moça? Um homem não pode urinar na frente de qualquer mulher”. “Que diferença isto faz, Jones?”), porque o maldito Killian Jones sempre fazia escândalo e a acusava de rejeição.

– Ela é uma dama! – dissera certa vez um dos soldados, ao presenciar o escândalo do senhor Jones – Vá mijar sozinho, ela não precisa ver isto.

– Se não querem ver isto, então estão na profissão errada. Toda enfermeira deve auxiliar seus pacientes, seja na Hora do Pipi, do Popô ou do banho...

– Era só o que me faltava – dissera Astrid, constrangida por aquela conversa.

E como se não bastasse, Ariel também teve de lhe dar banho (e não, ela nem fez questão de reparar em seu corpo nu. E mal notou os pelos escuros que ele tinha lá embaixo). Nessas horas Killian exibia seu sorrisinho malicioso, que já fazia parte de seu rosto naturalmente. Por mais que respeitasse a enfermeira, não deixava de fazer comentários insinuativos e, muitas vezes, pervertidos. Haveria salvação para aquele homem?

***

Passada uma semana desde a amputação, Killian Jones é liberado. Parece profundamente infeliz por abandonar seu leito na enfermaria, mas fazer o quê? Precisam dele no campo de batalha (muito embora não haja o que ele possa fazer com uma mão só).

Os ogros estão vencendo a guerra. Mais da metade dos soldados foi dizimada em menos de uma semana. Poucos homens restaram. Foi por isso que seu superior o mandou de volta para a batalha (“Mova seu traseiro imundo! Seus irmãos estão morrendo, logo não haverá quem defenda as mulheres!”).

Killian prefere morrer a deixar Ariel desprotegida.

Um urro, e ele pensa em seus cabelos avermelhados. Outro urro e cinquenta homens voam pelos ares. Flechas salpicam o ar, cruzando a distância entre soldados e inimigos. Um homem ferido. E os olhos dela, não são de uma linda cor de avelã? Um velho berra e se contorce, suas tripas vazam para fora do corpo. A boca rosada, o sorriso meigo... Ah Ariel... Uma árvore é arrancada por um dos brutamontes, ele a atira em direção aos arqueiros, que desabam. Killian auxilia um colega, passando-lhe os barris de pólvora. Estouros. Um dos ogros é atingido, sua perna é arrancada em uma explosão de sangue. Será que ela tem consciência do quanto é bonita? Mais urros, outro exército se aproxima. Cinco ogros estão mortos, outros três estão feridos. “Preciso de mais flechas!”, grita um arqueiro sobrevivente. “FOGO!”, berra o tenente, e bombas explodem pelo campo. São pequenos barris de pólvora, mas causam um grande estrago. Foi assim que Killian se feriu, um barril estourou perto dele. Ela fez um bom trabalho cauterizando a ferida. Será que ela tem consciência do quanto ele é grato a ela?

– JOOOONES, MOVA SEU TRASEIRO IMUNDO AGOOOORA!

Killian corre de uma trincheira para outra. A sua foi atacada por uma bomba que um dos ogros rebateu com o pé. Se não fosse seu colega ter se esgoelado e o arrastado para longe, a esta hora Killian estaria em pedaços. Os barris que ficaram na trincheira explodem ao mesmo tempo, lançando para cima uma nuvem de poeira e estilhaços. Todos ficam meio surdos por uns instantes. Killian e o colega tossem e tentam enxergar o que se passa a sua volta. O tenente está berrando algo que não conseguem ouvir com clareza. Killian só tem tempo de se abaixar quando percebe uma forma escura voando em sua direção. No segundo seguinte, um salgueiro atinge a trincheira, por pouco não o acertando. Ouve seu colega pedir por socorro, está preso sob as raízes da árvore.

– SOLDADO FERIDO! – berra Jones, chamando a atenção dos que estão por perto – SOLDADO FERIDO!

VUUUM! Outra árvore passa por cima de Killian, seus cabelos esvoaçam levemente. TUMP! Vai cair a poucos metros de distância, onde acerta a barraca de munições. CABRUM! A barraca explode com o potente som de uma trovoada, multiplicado cem vezes. Killian por pouco não é atingido por um pedaço de madeira.

– ARQUEIROS, EM POSIÇÃO! PREPARAR! APONTAR! FOOOGO!

Chuva de flechas. Killian socorre o colega, puxando-o de debaixo das raízes do salgueiro. David tem um ferimento na cabeça e um rasgo no ombro. Parece bem, apesar de tudo.

– RECUAR!

Chuva de árvores. Folhas e galhos voam para todos os lados. Soldados são abatidos. Os ogros urram em comemoração. Killian arrasta David para longe (“PREPARAR! APONTAR! FOGO!”). Dois ogros caem, tiveram os olhos furados pelas flechas. O solo treme, os outros ogros estão correndo em direção aos soldados (“RECUAR! RECUAR! RECUAR!”). Killian encontra um barril caído ali perto. Acende o pavio que sai de dentro dele, atira-o barril para longe. CABRUM! Acerta um ogro, que desaba no meio do campo.

– ARQUEIROS!

Chuva de flechas.

– RECUAR!

Chuva de árvores.

Flechas. Árvores. Urros. Berros. Sangue. Pólvora. Um morto. Dois. Quatro. Quinze. Surdez, uma bomba acabou de explodir. Cegueira, uma nuvem de poeira invade os olhos de todos. Tato, as mãos esquadrinham o chão, à procura de mais flechas, mais bombas, mais álcool. Olfato, o ar cheira a queimado e morte. Paladar, uma boca faminta abocanha um pedaço de pão amassado, pode ser sua última refeição. As garrafas viram, derramando bebidas ardentes nas gargantas secas. Vidas são interrompidas em meio ao ato de enfiar a mão no bolso e resgatar a imagem da mulher amada. Um desenho, a última chance de se dizer adeus.

Os olhos dela são avelãs emolduradas por finas sobrancelhas. Será que ele terá a chance de ser visto por aqueles olhos de novo? Seu coração dispara. O medo o paralisa por uns instantes. Medo da morte. Medo de nunca mais poder vê-la.

– SOLDADO ABATIDO! – berra Will Scarlet, ao lado de um corpo ensangüentado.

– FOOOOGO!

CABRUM!

– ARQUEIROS! FOOOGO!

VUUUM!

– SOLDADO ABATIDO!

Sua boca rosada é objeto de desejo. Aqueles lábios macios poderiam levá-lo à loucura. Killian gosta da maneira como a boca pronuncia seu nome. E quando ela sorri, o mundo gira depressa. Killian fica tonto.

– SOLDADO FERIDO!

– MANTENHAM AS POSIÇÕES!

– MOVA SEU TRASEIRO IMUNDO!

CABRUUUUM.

– MAIS DOIS ABATIDOS.

– FIRMES, SOLDADOS! ESTA BATALHA ESTÁ GANHA!

VUUUUM! CABRUM!

Killian entrou em estado de repetição. Acende pavio, atira bomba, acende pavio, atira bomba, acende pavio... BUM! AAAARRRGH! Acertou! Bem na cabeça! O cérebro explode, o corpo desaba. Acende pavio, atira bomba.

Sua pele é tenra e aveludada. Ele imagina como seria tocá-la, percorrer seu corpo com as mãos, sentindo a maciez. É pecado desejá-la nua em sua cama? Então ele é um pecador. E um pervertido.

– FOOOGO!

O último ogro desaba.

***

– Quinze feridos e quarenta mortos! – grita Astrid para as enfermeiras, que correm freneticamente pela ala hospitalar.

Os quinze homens são divididos em quatro barracas. Ariel percorre a fileira de mortos, procurando. Suas pernas tremem, as lágrimas se formam. Ela não quer ver, desvia os olhos. Mas ainda assim, precisa saber. Ele também virou um corpo inerte?

– Moça?

Ela solta um suspiro de alívio. Vira-se. Killian Jones virou um pedaço de carvão, a pólvora se acumula em sua pele, cabelos, roupas e sapatos. Ela o examina de cima a baixo. Nenhum ferimento visível. Desta vez ele teve sorte?

– Está ferido, Killian?

– Não, nenhum arranhão – ele sorri, aponta para um dos lados da cabeça – Meus ouvidos estão zumbindo. Minha cabeça dói.

– Venha, vou lhe servir um chá calmante,vai melhorar. – os lábios rosados se curvam em um sorriso.

– Jones, se não está ferido saia da ala hospitalar! – diz o tenente, que a essa altura já não consegue falar sem gritar. O homem não gosta que os soldados paquerem as enfermeiras, principalmente se a enfermeira for sua filha.

– Ele está com dor de cabeça, pai, vou preparar um chá – diz Ariel.

– Bobagem! Vá cuidar dos feridos. Seja homem, Jones, vire a garrafa e encha a cara.

Killian se arrasta até os dormitórios. Divide sua barraca com mais cinco homens. Três, agora que dois morreram.

A guerra não acabara. Ele tinha sorte de poder se deitar e tirar um cochilo. Talvez fosse a última vez que iria sonhar. Com ela. Ela sempre invadia seus sonhos, não importava se ele estava acordado ou dormindo.

Talvez tivesse que acordar no meio da noite e ir para a batalha. Talvez morresse. Então tinha que aproveitar seus últimos momentos. O último jantar. O último pedaço de carne, que sempre vinha com resquícios de couro de javali. As últimas batatas mal cozidas. Os últimos nacos de pão dormido. O último gole d’água.

Senta-se com os últimos sobreviventes. Mastiga sem se importar com os resquícios de couro ou com as batatas duras. Hoje à noite a comida é um banquete, o melhor que ele já comeu. Mas é o que ele diz ao cérebro, para enganar a si mesmo. Ninguém reclama da comida. Pode ser a última refeição para todos.

– Eu sempre acho que é minha última refeição – diz Robin, mastigando a carne vagarosamente. Quer se lembrar daquele gosto antes de morrer.

– E se for? – pergunta Will, profundamente abalado. Eles perderam vários irmãos hoje.

– Então morrerei satisfeito.

David caminha até o grupo. Estão sentados ao ar livre, ao redor de uma fogueira. A camisa de David está manchada de sangue e há um rasgo no ombro, onde a árvore o atingiu. O corte foi suturado e há uma pano amarrado em sua cabeça, onde um galho o feriu. Ele se senta. Carrega um sorriso abobado e uma marca vermelha no rosto. A marca é o formato da mão de Mary Margaret, uma das enfermeiras.

– Eu a beijei! – diz.

– E levou um tapa – os outros riem.

– Eu disse a ela que a amo – sorri ele – Ela não me ama – o sorriso morre –, mas e daí? Vou morrer mesmo.

Silêncio. O fogo crepita. Restos de comida são atirados na chama alaranjada. Killian observa o fogo, perdido em pensamentos. Estão falando de amor. Robin e Will deixaram mulher e filhos quando foram convocados para a guerra. David foi rejeitado. Jefferson namora a enfermeira Ruby. Rumplestiltskin era covarde e morreu sem dizer à Milah que a amava. E Killian...

– Você a ama, Jones? – pergunta Robin. Killian ergue os olhos – Ariel. Você a ama, não é?

Killian não responde.

– Diga a ela. Ela merece saber. – fala David – Diga antes que se arrependa. Pode ser nossa última noite.

E a última conversa entre amigos.

***

Ela sai para tomar ar puro. O encontra sentado sob o florido jacarandá. Killian ainda parece um pedaço de carvão.

– Tudo bem, Killian? – ela nota a garrafa em sua mão. Ele não parece bêbado, apenas abalado e pensativo.

Os olhos azuis encontram os olhos de avelã.

– Que tal me dar um banho?

Ela enrubesce toda vez que o vê nu. Porque ele sabe que por mais que ela finja não reparar em seu corpo, está atenta a todos os detalhes. Comprime os lábios cor-de-rosa e permite que os fios avermelhados lhe caiam sobre o rosto, escondendo-o. Killian afasta os fios e ela cora mais ainda. Ele ri e sorri daquele jeito provocativo que ela já conhece.

– Não precisa ter vergonha, amor, tenho certeza de que já viu muitos homens nus antes de mim.

– Nenhum deles dizia frases sugestivas – as mãos de veludo alcançam os cabelos negros, massageando o couro cabeludo e livrando-o da sujeira.

– Quando foi que lhe disse frases sugestivas, moça? Perdoe-me se lhe faltei com respeito.

– Apenas cale a boca, Killian.

E ele consegue ficar calado?

– Moça... por que está fazendo isso? Achei que tivesse coisa melhor pra fazer, além de dar banho num aleijado.

– É meu trabalho, não é? Não é minha obrigação, como você diz?

– Você poderia ter recusado. Eu a deixaria em paz.

– Mesmo? Achei que armaria um escândalo, afinal, “a enfermeira-chefe é mandona e gosta de ordenar que os outros façam as coisas por ela”.

Killian ri. Ele realmente dissera aquilo uma vez.

– Isto não é verdade. A enfermeira-chefe é muito bondosa e se preocupa com todos os pacientes. Principalmente com os aleijados.

Ariel sorri de lado, sente o rosto queimar. Esfrega-lhe as costas, o pescoço e os braços. Limpa-lhe o rosto e queima de vergonha quando seus dedos engancham nos pelos escuros do peito do homem. Killian ri até não poder mais.

– Isto sempre acontece com você, moça. Parece que tem certa atração por peito cabeludo.

– Ora, cale a boca! Que está olhando?

– Seus olhos, parecem duas avelãs.

Ariel ri.

– Bem, os seus parecem diamantes.

Ele não queria que terminasse. Talvez fosse seu último banho. Mas Ariel já apanhava um pedaço limpo de tecido, um convite para que ele saísse da tina de banho. O que seu pai diria se soubesse que ela via Killian Jones nu com freqüência? Ela o ajuda a se vestir. Antes de voltar para sua tenda, Killian faz menção de dizer algo. As palavras ficam presas em sua garganta. Ele vai embora dizendo um “obrigado, moça!”.

***

Talvez seja o último café da manhã... Todos estão deprimidos. Têm consciência de que talvez estejam vivendo seus últimos momentos. Meses atrás, quando foram convocados a vir para os campos e defender suas cidades, não acharam que fossem ficar tão amigos uns dos outros. Ali formaram uma família, todos são irmãos. Killian perdeu seu irmão Liam logo no começo da guerra. Em compensação, ganhou outros trezentos irmãos. Agora só restam vinte e quatro.

– Talvez seja minha última porção de ovo – diz Robin, enfiando colheradas cheias na boca. – Minha mulher vai ser viúva.

– E logo vai se esquecer de você – provoca Will – Vai encontrar um sujeito rico e se casar com ele. Sejamos realistas, amigos, nossas mulheres ficarão muito bem sem nós.

– E se não sobrarem homens no mundo? – pergunta David, a boca cheia de ovos de codorna – O que elas vão fazer?

– Vão dominar o mundo – diz Killian. Os olhares se voltam para ele.

– Ei, Jones, você já disse a ela? – pergunta Robin, referindo-se a Ariel – Talvez estejamos mortos ao cair da tarde, cara, não desperdice o tempo que ainda tem.

Killian olha na direção do agrupamento de cabanas que formam a área hospitalar. Ariel está lá, olhando fixamente para a pilha de corpos que retornam ao pó. Não há como levar os corpos de volta às cidades, levaria semanas até que as carroças atravessassem os vastos campos. E nestes campos poderiam encontrar ogros. Os corpos começam a feder em poucos dias, é por isso que são queimados numa valeta. As famílias nem têm a chance de dizer adeus.

– Vai logo! – David lhe dá um cutucão – O máximo que pode acontecer é levar uma bofetada.

– Ou ser morto pelo tenente – diz Will, maldoso.

Killian toma coragem, se levanta. Mas avista o tenente andando em direção à filha. Os dois conversam. Killian sabe que não poderá se aproximar de Ariel enquanto o pai estiver por perto.

– David, pode me dar um soco?

***

– Senhor Jones! – exclama a ruiva, quando vê o sangue escorrer pelo rosto do homem – Que aconteceu?

– Aquele loiro filho da puta!

– Olhe a boca, soldado! – ralha o tenente, fazendo cara feia.

– Ah pelos céus, senhor Jones! Se meteu noutra briga? O senhor nunca aprende!

– Foi ele quem começou, aquele filho de uma vaca.

– Soldado! Olhe a língua!

– Perdão, tenente! – volta-se para a ruiva – A senhorita poderia parar o sangue?

– É claro!

O tenente é chamado às pressas. Um dos homens avistou os ogros. Preparam-se para invadir o acampamento. Ao contrário dos humanos, os ogros não tratam de seus feridos. Matam. Para acabar com o sofrimento. E então se vingam de quem encontram pelo caminho. É chegada a hora. Nenhum homem sobreviverá. Talvez as mulheres sejam poupadas e virem escravas. Empregadas, na melhor das hipóteses.

– Por que você sempre se mete em confusão, Killian? – pergunta a moça, contendo o sangue com um pedaço de pano. – Você se machuca mais do que os outros.

Ela não percebeu ainda? Killian Jones ama a ala hospitalar.

– Eu gosto de vir ao hospital – diz ele, sorrindo. Nem se importa por David quase ter quebrado seu nariz. O loiro exagerou um pouco.

– Ah é? – Ariel parece com raiva. Mas isso porque está sempre encontrando o senhor Jones por ali. Ele não passa mais de dois dias sem aparecer machucado. – Você é masoquista? Gosta de sentir dor e estar doente?

Ela não percebeu ainda? Desde que conheceu Killian Jones, quando ele rasgou o braço e precisou ser remendado, a enfermeira fica intrigada. Killian está sempre se machucando, se metendo em brigas e arranjando confusão. Seria raro se ele passasse uma semana sem vir à ala hospitalar. Mas não, ele sempre aparece, de um ou jeito de outro. Ou porque está nauseado, ou porque está com dor de cabeça, com zumbidos no ouvido, com um buraco no ombro, um dedo machucado, um pé torcido, um joelho ralado, a garganta doendo, ou, na pior das hipóteses, sangrando quase até a morte. Killian devia ganhar o prêmio de soldado que mais se machuca. Pena que esse prêmio não existe.

– Não – responde ele, olhando fixamente para a moça -, mas gosto de enfermeiras.

Os olhos de avelã piscam. Os lábios cor-de-rosa se abrem quando ela se dá conta do que ele está dizendo.

– David me bateu, porque eu pedi. – ele afasta a mão macia que segura o pano ensangüentado. O sangue já parou de escorrer pelas narinas – Precisava ver você. Eu vou morrer!

– Não vai!

– Vou sim! E não posso morrer sem um último beijo – ele a puxa pela cintura usando a mão boa. Captura os lábios rosados entre os seus. São macios e, como ele imaginava, adocicados. A pele é tenra sob seus dedos, ainda melhor do que ele imaginava. Ele acaricia seu rosto, engancha a mão nos brilhantes cabelos avermelhados. Faz tempo desde que ele teve uma mulher. E Ariel é diferente de todas as mulheres que Killian conheceu. Será que ela tem consciência do quanto é bonita?

As bocas se separam. Avelãs e diamantes se encontram. Nunca foi uma combinação tão perfeita. Ariel ri envergonhada. Killian ainda acaricia seu rosto.

– Quer saber por que eu me meto em encrencas? É pra te ver! Preciso arrumar desculpas pra vir aqui e ser tratado por você.

– Eu sei! – ri Ariel, ainda mais corada. O queixo de Killian cai. Como assim ela sabe? – Ora, Killian Jones, não sou idiota! Nenhuma pessoa normal se machuca tanto quanto você. Sabia que havia algo de errado, ninguém gosta tanto da ala hospitalar.

– Eu gosto, mas só por sua causa.

Lábios se curvam em sorrisos. Lá fora, o tenente berra chamando os soldados. É hora da batalha.

– Você é tão bonita quanto uma avelã!

Ariel gargalha.

– E você é tão valioso quanto um diamante. – ela agarra a única mão do homem. Afunda a cabeça em seu peito. – Você vai viver. Vão vencer esta batalha.

– Como pode ter tanta certeza? – Killian usa um tom de voz desolado. Ele não costuma ser esperançoso. Ariel ergue a cabeça para olhá-lo. Sorri.

– Eu sei das coisas. Você vai ficar bem, diamantes são quase indestrutíveis.

Killian deposita um último beijo nos lábios rosados. Antes de sair porta afora, olha para trás.

– Eu amo avelãs!

E Ariel sabe que é seu jeito de dizer “eu te amo”. Não confessa seu amor, porque sabe que ele vai voltar.

A guerra acabou. Os ogros foram derrotados. No fim, houve apenas um soldado sobrevivente. O Soldado Mutilado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu estava inspirada quando escrevi kkkkk Não deixem de comentar, preciso saber o que acharam. Beijos e até a próxima!