O Grande Talvez de Miles Halter escrita por alyeska


Capítulo 1
Talvez.




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A cama de cima. A cama de cima era tudo o que o garoto via. Era onde seus olhos pousavam. Porém, sua mente estava distante, muito distante daquele beliche do quarto onde praticamente morava havia quase dois anos. Ele pensava nela. A garota dos seus sonhos, a garota dos cigarros. Aquela que roubou o seu coração – e grande parte do seu dinheiro também, diga-se de passagem. Cigarros nunca foram tão caros.

Soltou um suspiro lembrando-se da primeira tragada de sua vida. Pensara que aquele seria o seu fim. Eu nem imaginava que aquilo era apenas o começo, ele debochou de si mesmo. Os cigarros, os caros e amados cigarros, que foram a causa do início de seu amor platônico por uma garota baixinha e astuta de cabelos cor-de-mogno e um nome estranho que ganhara de presente em seu sétimo aniversário. Ah, Alasca. A garota que aparentava ser forte e confiante. Ninguém nunca imaginaria que seu passado era tão... Sombrio. Pelo menos na visão de Miles. Ela dizia que fumava para morrer. No fundo, Alasca era uma garota doce. Miles agradecia por ter conhecido este lado dela. Sabia que poucos a conheciam assim. Mas isso também aumentava a dor do garoto.

Pensou nos livros que Alasca perdera no dia em que Kevin e seus "capangas" inundaram seu quarto. Tanta preciosidade perdida! Aquilo lhe dava nos nervos. Por mais que preferisse as biografias, uma página rasgada daqueles livros valia mais que a alma daqueles idiotas. Talvez, se fosse mais forte, mais corajoso... Talvez fosse divertido enfrentá-los. Mesmo que aquela função fosse de Jake, o verdadeiro namorado de Alasca. Não Miles, não Gordo. Apenas Jake.

Jake, aquele que não estava por perto quando Alasca precisou de consolo, que não estava lá no primeiro grande trote de Miles e o último grande trote de Alasca. Miles perguntava-se se Jake ao menos se importou em entender a morte de Alasca. Se ele, assim como Miles, também passara dias e meses se perguntando se o que aconteceu fora suicídio ou mais um dos comuns acidentes. Mas é claro que sim, respondeu à própria pergunta. Se ele não se importasse com Alasca ela não estaria com ele, eu tenho certeza. E mais uma pontada de dor atingira o coração de Miles. Aquilo tudo era uma droga. Sua vida era uma droga.

Miles nunca saberia se Alasca alguma vez sentira algo por ele. Sempre havia uma resposta lógica para destruir suas esperanças. O Natal que passaram juntos? Alasca não tinha para onde ir e Miles era sua única opção. O beijo do último dia de Alasca? Ela estava bêbada e não tinha a mínima noção do que fazia. Sempre há uma resposta lógica. Talvez Alasca sentisse pena de Miles, e ficar tentando se enganar não tornava as coisas melhores, nem a fazia gostar mais dele. Alasca estava morta e tudo o que restava dela era seu corpo se decompondo dentro de uma porcaria de caixão.

Ele nunca mais fora o mesmo depois da morte de Alasca. O Campus nunca mais fora o mesmo depois de Alasca, apesar de todos estarem seguindo em frente, fingindo que já se esqueceram dela e que está tudo bem, não está. Miles sabe disso e não consegue entender porquê todos insistem em deixar pra lá. Talvez seja pra esconder a dor, pensou.

“Talvez”. Miles nunca odiara tanto uma palavra. Ele queria ir para o Campus para encontrar o seu “Grande Talvez” – e encontrou. O fato é que seu “Grande Talvez” era seu maior enigma, aquele que nunca iria desvendar por completo, e agora estava aprisionado dentro de um caixão enterrado a sete palmos de terra. “Talvez”. Talvez devesse voltar para casa. Talvez devesse desistir de tudo e passar o resto da vida colecionando últimas palavras. Talvez.

O garoto bufou, levantando-se de um ímpeto. Calçou os tênis, apanhou o maço de cigarros e algumas notas amassadas que estavam sobre a MESA DE CENTRO e procurou por sua biografia favorita. Avançou para a porta do quarto e assustou-se quando a mesma fora aberta pelo colega de quarto – ou apenas Coronel.

“Gordo? Aonde vai?” Ele perguntou.

Gordo. Aquele apelido não tinha mais sentido para Miles. Soava melhor na voz de Alasca, pensou, tentando lembrar-se da voz da garota.

“Me dê cobertura. Volto antes de anoitecer.” Miles disse firme antes de deixar o quarto.

Sabia que Coronel o ajudaria mesmo sem saber o motivo da saída de Miles – afinal, esta era a regra número um entre os alunos: não dedurar. Se você dedura alguém, você é odiado por todos pra sempre, ou pior. Ele já ouvira dizer que chegaram a fazer com que uma garota fosse expulsa por causa disso.

❃❃❃

“Alasca Young.” Ele leu as palavras gravadas na placa em voz alta. Em sua mão direita havia um pequeno buquê, constituído por quatro margaridas, o qual estendeu para a lápide. “Eu sei, são poucas e muito simples. Mas foi o que deu pra comprar com o que restou do meu dinheiro. As passagens de ônibus estão caras!” Miles riu fraco e sem humor. “Não faço ideia de como voltarei para Culver Creek.”

O garoto suspirou e deixou as flores sobre a caixa de concreto. Apanhou o maço de cigarros no bolso da camisa e puxou um deles, colocando-o na boca.

“Ah, droga. Esqueci o isqueiro. Como eu vou acender essa porcaria agora?” Ele deu um muxoxo, guardando o maço de volta no bolso da camisa. “Aposto que você teria um para me emprestar.” Sussurrou enquanto brincava com o cigarro, que agora dava voltas por seus dedos.

Miles sentou-se e tapou o sol com uma das mãos. “Estava com saudades, Alasca. Estou com saudades. Dos dias que passamos juntos, das tardes há beira do lago... Até mesmo os cigarros que você vendia eram melhores que qualquer outro.”

“Hoje os bufritos da Maureen estavam uma beleza, você tinha que provar.” Ele continuou depois de algum tempo procurando assunto, mesmo sabendo que não seria respondido. “Nunca gostei tanto de fritura na minha vida. O Coronel furtou alguns deles para comermos mais tarde.” Miles pensou nos bufritos, acreditando que nem meus sua fritura predileta poderia fazê-lo recuperar a fome. “Hei, lembra-se da Lara? A gente não ta mais junto. Mas ela é uma boa amiga, sabe? E é uma ótima ajuda nos trotes.” Ele comentou. “Não que já tenham acontecido muitos trotes, mas... É. Eles também não têm graça sem você. Sei lá, não são tão... Divertidos, criativos. Não sei a palavra certa.” Deu de ombros.

“Às vezes eu fico me perguntando se vou conseguir arranjar outra namorada. E como vai ser quando isso acontecer. Acho que nunca gostei de verdade da Lara. Só ficava com ela porque era bom saber – ou achar que sabia – que alguém gostava de mim, eu acho. Já percebeu que eu nunca tenho certeza de nada?”

Miles pensou na risada de Alasca. Não conseguia lembrar-se nem mesmo disso.

“Tenho medo de que você se torne apenas uma lembrança. Não quero isso. Pode ter acontecido com todos, mas comigo não vai acontecer, eu não vou deixar.” Dito isso, o garoto soltou um suspiro e segurou o choro.

Alasca foi e sempre seria seu amor platônico, e ele nunca iria saber se era correspondido. Ela é seu Grande Talvez, seu grande mistério que nunca seria desvendado completamente. Miles odiava o fato de que seu primeiro grande amor estava agora em estado vegetativo dentro de uma porcaria de caixão que estava dentro de uma porcaria de sepultura no meio de uma porcaria de cemitério consideravelmente longe do campus.

“Foi minha culpa.” Ele sussurrou permitindo que uma lágrima escapasse, seguida de outras. “É tudo minha culpa! Se eu e Coronel não tivéssemos te ajudado a fugir você não teria entrado naquele Azul Metálico e ainda estaria viva, e nada disso estaria acontecendo! A minha vida não seria uma droga. Eu só queria poder voltar no tempo e fazer do jeito certo. Por que tem de ser assim, Alasca?”

Miles engoliu em seco e deu um suspiro entrecortado, seguido de soluços. Não conseguia dizer mais nada, a garganta parecia ter simplesmente se fechado. O garoto fungou olhando para o livro que repousava em sua mão esquerda. Secou as lágrimas e abriu-o, tomando fôlego.

“Vou ser sincero. Eu não sabia bem qual é o seu gênero de livro favorito e não me lembro de nem metade dos que havia no seu quarto. Eu poderia ter trazido O general no labirinto, mas não tenho o livro. E mesmo que eu o tivesse, você já deve ter lido tantas vezes que saberia de cor e salteado. Então eu trouxe uma das minhas biografias favoritas.” Ele disse antes de começar a ler as primeiras palavras do livro, na expectativa de que as últimas nunca chegassem.


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Notas finais do capítulo

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