Contador de Histórias escrita por Darth


Capítulo 11
Interlúdio: Reencontro




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O cheiro de terra molhada pelo orvalho enchia a floresta. Passara-se um mês desde que estivera em Sandraven e Galeth havia retornado a parte sul de Ornea. Graças às informações que o Guaxinim Rubro havia passado, o bardo foi capaz de investigar as movimentações de caravanas viajantes em busca das rotas dos escravagistas liderados por Loke Scarrus.

Entretanto, o bardo cometeu o erro de subestimar a inteligência do líder dos contrabandistas de escravos. Foi percebido enquanto seguia os rastros da caravana na Estrada do Rei, a meio dia de cavalgada para alcançá-los. Percebeu isso quando ouviu um silvo agudo e mal teve tempo de abaixar-se sobre o dorso de seu cavalo para desviar de uma saraivada de flechas dirigidas a ele.

Nenhuma delas o acertou, porém várias perfuraram seu cavalo que, ao levar duas diretamente na cabeça, morreu caindo com seu cavaleiro. Galeth saltou da sela, caindo de mal jeito, mas conseguiu manter equilíbrio suficiente para correr para dentro da floresta. Sabia que se continuasse rumo ao sul chegaria a estrada rumo ao Círculo dos Magos, então se pôs a correr nessa direção já que não valeria a pena enfrentar uma caravana inteira sem obter as informações de que precisava.

Agradeceu silenciosamente aos deuses por ter deixado de usar seus trajes coloridos de outrora, pois chamariam muita atenção no bosque que estava agora. Em contrapartida, suas surradas roupas de viagem, em conjunto com a capa verde escura, eram mais fáceis de passarem despercebidas. Claro, o estojo com o alaúde preso a suas costas facilitava sua localização, mas o bardo jamais abriria mão do presente de seus pais.

Corria levemente encurvado, para dificultar o trabalho dos arqueiros que o perseguiam. Ouviu o silvo de flechas passando próximas de si, mas não ousou se arriscar a desviar por medo de se colocar na trajetória de uma delas tentando se desviar das outras. “Preciso retrucar. Não posso ouvir o som deles todos enquanto fujo das flechas, mas eu não seria um bardo se eu não pudesse usar minhas magias com a música”.

Galeth puxou o estojo das costas enquanto corria, um gesto que repetira inúmeras vezes na sua época de aventureiro. Retirou o alaúde do estojo e pôs-se a tocar uma sequência rápida e frenética de notas: Fuga da Lebre, a canção da velocidade. Imediatamente pode-se ver o efeito, a cada passo o bardo parecia andar dois metros. Ouviu o arfar de surpresa de seus perseguidores e sorriu, enquanto tocava uma segunda melodia.

Fúria de Thuriel. Um raio de energia dourada pareceu sair das cordas do alaúde, como se o próprio som ganhasse forma e poder. O bardo disparou o raio na direção dos arqueiros, derrubando duas árvores no processo. Ouviu gritos e soube que havia acertado três deles.

Quando ia tocar a canção seguinte, foi obrigado a interromper sua corrida. Uma espada quase o acertara, não fossem seus reflexos ordenando que se esquivasse. Um som triste saiu do seu alaúde, a espada o acertara de raspão. Embora não houvesse nenhum dano grave ao instrumento, todas suas sete cordas foram cortadas pelo fio da lâmina.

Galeth estava furioso. Puxou sua espada, Olgal. O homem que havia interrompido sua corrida estava parado a sua frente, com um sorriso de escárnio. Era o único dos que o perseguira que vestia apenas negro, e parecia usar equipamento de melhor qualidade. “Deve ser o líder deles” pensou. O bardo não pôde distinguir suas feições, pois o ladrão tinha um capuz. Quando olhou a espada nas mãos do homem, notou que ela era estranha. Tinha um formato recurvo, como de uma lua crescente.

– Estou lisonjeado por ser perseguido pelo contador de histórias mais famoso de Ornea. – disse o homem de negro – Uma pena que não viverá para contar esta história, bardo.

– Eu não teria tanta certeza assim, Scarrus. – Galeth disse o nome com convicção e notou a surpresa no rosto encoberto do homem. Ele acertara – O que foi? Surpreso por eu saber quem é você? Isso é por você não revelar seu nome a quase ninguém ou por eu ser apenas um contador de histórias?

– Calado! Vamos ver se tem metade da habilidade com a espada do que tem de falar.

Avançou. Galeth levantou Olgal para se defender, mas foi obrigado a saltar para o lado para desviar da lâmina da espada crescente. Ela crescera, mudando do tamanho de uma espada longa para uma grande montante de duas mãos. A espada era mágica e mudava de tamanho.

“Pelo visto me livrar do líder dos escravagistas será mais difícil do que eu esperava. Mas sem problemas, ele me poupou horas e dias de busca” pensou o bardo cantante ao avançar com sua espada.

Scarrus percebeu a finta de Galeth e desviou o golpe seguinte com facilidade, rindo da tentativa do bardo. Trocaram alguns golpes e o homem de negro começou a pressioná-lo. Os golpes velozes, aliados à velocidade com que a espada crescente trocava de tamanho obrigavam Galeth a manter-se na defensiva. Percebeu que havia uma pequena plateia, formada pelos escravistas subordinados à Scarrus, torcendo por ele e gritando ofensas ao bardo:

– Você luta melhor do que eu esperava, bardo. Para ser honesto, você durou mais do que todos os soldados do rei e guardas mercenários que matei ao longo das estradas. – disse o homem vestido de negro, executando um corte em horizontal para afastar Galeth enquanto falava. – Porém, um mero bardo não pode fazer nada contra um paladino como eu!

– E você é tolo em me tomar por um mero bardo, Scarrus!

Galeth embainhou Olgal e puxou o alaúde das costas. Sabia que Scarrus, em seu orgulho, não o impediria de se preparar. Enquanto encordoava o instrumento com novas cordas e retirava as arrebentadas concentrou-se, deixando seu poder fluir uma vez mais. Ouviu murmúrios surpresos vindos da pequena plateia ao observarem seus cabelos se tornarem brancos. Olhou para Loke Scarrus, e seus olhos brilhavam em um azul profundo:

– Prepare-se para morrer, Loke Scarrus! Pois não mais enfrentará minha lâmina! Enfrentará o Acorde Divino!

– Então mostre sua música, bardo! Vou tocar a canção da sua morte com suas entranhas! - O líder dos escravistas gargalhou ao dizer.

O Acorde Divino tocou, realizando o pedido de Scarrus. Dois punhos se materializaram saindo da terra, na direção do homem de negro. Com um salto, ele desviou do primeiro. Com um golpe da espada crescente, destruiu ambos em seguida. Galeth continuou a atacá-lo com punhos de terra, em número cada vez maior, apenas pare ver o mesmo resultado. “Eu não tenho tempo para me concentrar e ouvir o som da vida dele. E o cretino é mais poderoso do que eu esperava, para se defender dos meus golpes” pensou o bardo.

Loke Scarrus decidiu atacar, expandindo sua espada para o tamanho de uma montante. Ao saltar na direção do Acorde Divino, a lâmina da espada começou a brilhar de um tom esverdeado. O bardo tocou, uma parede de rocha surgiu materializada pelo som. A parede ruiu ao ser atingida pela espada, como se fosse corroída. Antes mesmo que a lâmina pudesse atingir Galeth, este tocou mais uma vez e uma rajada de vento arremessou o paladino para longe.

Ambos os combatentes prepararam-se para desferir mais um golpe, com a confiança de que seria o último. Porém, a fonte dos gritos revelou-se como um grupo de combatentes atacando os escravistas de Scarrus. Quem os liderava era Ciaran, a Princesa do Vento. Seus cabelos soltos estavam brancos como os do bardo e seus punhos e pés brilhavam com poder:

– Avante, homens! Acabem com esses escravistas! – gritou a monja enquanto matava facilmente seus quatro oponentes com chutes acrobáticos. – Galeth?! O quê está fazendo aqui?

Aproveitando a distração proporcionada pela chegada de Ciaran, o líder dos escravistas fugiu pelas árvores, entoando uma oração em uma língua desconhecida, cheia de silvos. Antes que o bardo e a monja o alcançassem, ele havia desaparecido, deixando uma nuvem tóxica para trás.

Após terminarem com os rufiões restantes, Galeth e Ciaran sentaram-se para conversar a respeito do ocorrido. Ao ouvir o relato do bardo sobre o Abissal em Brishock, a Princesa do Vento contou o que sabia sobre Loke Scarrus.

Disse que ele se denominava paladino, embora não servisse a nenhum deus do panteão. Mas era dotado de grandes poderes divinos, comuns aos paladinos verdadeiros. Sua espada mágica era chamada Crescentia, devido ao seu poder de aumentar ao tamanho de uma montante ou diminuir ao de uma espada longa. A espada, que pertencera a guerreiros que não souberam aproveitar sua versatilidade, era um instrumento de morte nas mãos de Scarrus.

Depois que trocaram informações, ambos comeram com os subordinados de Ciaran. Galeth cantou algumas canções, divertindo os presentes, mas não contou uma história dessa vez. Não era um dia para histórias, pois o líder dos escravistas havia conseguido escapar e crianças inocentes pagariam o preço da falha do bardo. Ele virou-se para Ciaran:

– Pelo visto o aviso do Guaxinim Rubro era mais verdadeiro do que eu esperava que seria. E pensar que um homem teria poder de enfrentar dois Exaltados pelo Ritual sozinho.

– Ele não nos enfrentou sozinho, Acorde Divino. Mas de fato, senti que ele o poderia fazer se necessário. E senti também que algo o chamou a recuar.

– Eu também senti isso, Princesa do Vento. Acho que teremos de reunir o grupo uma vez mais. Precisamos de garantir que na próxima vez, ele enfrentará mais Exaltados do que ele pode aguentar.

– De acordo. Os mais difíceis de encontrarmos serão o Moldador do Destino e o Revivido, eles sempre foram mais reclusos.

– Você também o seria, sendo imortal como eles.

Com um sorriso cansado, Ciaran concordou.

– Então vamos atrás de quem primeiro, Galeth?

– Você vai permanecer rastreando Scarrus. Precisamos garantir que ele tema nossa presença. Posso contar com você, Ciaran?

– Claro, velho amigo. Apenas não se esqueça de me chamar para o ataque contra o cretino!

– Não deixarei de chamá-la. Você não perderia uma luta como nos velhos tempos por nada nesse mundo!

– Realmente. E quem vai buscar primeiro, sendo assim?

– Vou atrás de Hector.

– Procurar ele em todas as arenas de Ornea vai demorar, não acha?

– De fato. Mas pretendo fazê-lo vir a mim. Ele nunca pôde resistir a um bom espetáculo. E eu, como um bardo, nunca pude resistir a proporcionar um. – disse sorrindo.


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