A balada do Rohirrim escrita por Cléo Lourenço


Capítulo 2
2 O fantasma do Eorlinga




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Muitas luas se passaram desde o festival. A vida já se acostumara novamente à sua rotina e muito tempo se passou até que os campos verdes começassem a secar num tom de dourado que muito lembrava o tom de palha dos cabelos dos eorlingas e o vento começava a soprar frio indicando o clima do outono que se aproximava.

Entre o povo de Rohan, era justamente nesta época mais sombria, em que o ciclo da natureza revelava a fragilidade da vida que se esvaía a cada alvorecer, que surgiam as mais diversas e sombrias histórias de que se tinha notícia e, mesmo entre os bravos cavaleiros, via-se a apreensão e o desconforto que se apoderava dos campos vazios em horas pouco iluminadas.

Portanto, neste período, se fazia necessário que as rondas pelos limites da cidade fossem intensificadas, posto que era quando as noites ficavam mais densas e os dias mais curtos que as ameaçadoras sombras cresciam desde a floresta de Fangorn até os corações dos homens.

Cumprindo suas funções de capitão dos rohirrim, era comum que Alec passasse muitos dias junto a seus homens na vigilância dos limites da cidade e até mesmo em rondas no campo. Por isso, naquele dia, estavam reunidos ao redor de uma fogueira ao lado da torre de vigia do posto próximo aos portões da cidadela e se divertiam contando histórias sobre fantasmas e aparições.

Nada supersticioso, Alec se divertia vendo as reações de espanto e medo nas feições de seus companheiros. Intimamente se perguntava qual era a lógica em se contar aquele tipo de história àquela hora da noite, se a maioria dos homens tinha tanto medo. Mas os homens pareciam muito mais se divertir do que sentir medo e, de alguma forma, o sobrenatural os atraía tanto que, mesmo que se encolhessem amedrontados, aquilo ainda era uma distração para a noite fria e nenhum deles parecia disposto a se afastar da roda.

Então, um dos homens se adiantou e chamou a atenção de todos para um fato do qual Alec ainda não tinha conhecimento. Segundo ele, há algumas noites, o fantasma de um eorlinga visitava os estábulos do posto de vigia e lhes roubava algum cavalo. O bravo Alec, que ouvia o relato confirmado por mais dois ou três soldados que participavam da conversa, percebeu que estavam tão impressionados que sequer tinham certeza se o visitante que recebiam era humano ou sobrenatural.

ㅡ Era o fantasma de Mathur, tenho certeza! ╶ explicou um dos guardas convicto. ╶ Ele se vestia como um de nós, até o elmo e a armadura era a de um eorlinga.

O capitão cerrou os olhos levemente ponderando os argumentos do companheiro. Uma das mais antigas e célebres histórias que assombravam os eorlingas se tratava do conto de horror de um cavaleiro, um filho de Eorl. Rezava a lenda que ele fora um príncipe, um grande domador de cavalos. Em uma noite como aquelas, ele foi surpreendido por um ser da floresta de Fangorn. Sabe-se lá que diabruras habitam aquela floresta, mas como Mathur era um homem muito curioso, seguiu a criatura adentrando a escuridão da velha floresta e nunca mais foi visto novamente com vida.

A partir de então dizia-se que a alma do eorlinga vagava pelos campos nas noites frias atraindo os incautos e os fazendo se perderem para sempre na floresta ou, ainda, os levando a morrer de hipotermia vagando pelos vastos campos verdes, pois sua alma perdida precisava de companhia.

ㅡ Poderia ser apenas alguém nos pregando uma peça, ou ainda um ladrão se aproveitando das crenças temerárias de vocês. ╶ a voz grave de Alec ressoou ecoando acima do crepitar das chamas da fogueira de modo quase surreal.

ㅡ Não era um ladrão. ╶ respondeu o guarda que relatara a história ╶ Todos os cavalos o obedecem com docilidade, mas sempre voltam ao estábulo pouco antes do amanhecer.

O silêncio que se seguiu era sombrio e desconfortável. Apesar do céu limpo e da lua cheia, o vento frio era constante, gelando os corpos por baixo das grossas roupas de lã que os soldados vestiam abaixo da armadura, como se um sopro fantasmagórico os tomasse de súbito fazendo os mais medrosos suarem frio, como se algo demoníaco fosse saltar das sombras e os engolir por completo.

Cético, Alec percebeu com estranheza o temor que começava a tomar os homens ao seu redor. Aquilo certamente era um mistério para ele. Mas, estava longe de ser algo de outro mundo. Foi então que, sem nenhum sinal prévio, um relinchar agudo e agourento cortou a noite fria como a lâmina impiedosa do arauto da morte que se apresentava diante deles evocado pelos seus piores medos, sedento por suas vidas imprestáveis. Alguns homens gritaram, outros quase caíram, pois suas pernas lhes falhavam, enquanto o vigia de cima da torre gritava a plenos pulmões a última coisa que qualquer um ali gostaria de ouvir:

ㅡ O fantasma! O fantasma de Mathur!

O capitão dos rohirrim acompanhou com os olhos o local indicado pelo vigia e a imagem que se revelou diante de todos fez até ele mesmo se arrepiar momentâneamente: sob a luz pálida da lua cheia, a figura de um cavaleiro tremeluziu e depois sumiu em disparada para dentro da escuridão.

Muitos ainda estavam meio que paralisados diante de tão estranho acontecimento e os murmúrios de espanto e medo ainda podiam ser ouvidos, quando Alec simplesmente saiu correndo em direção aos estábulos.

ㅡ Kron! ╶ ele buscou pelo cavalariço que se ergueu por trás de um monte de feno, o fitando com os olhos arregalados e expressão mortificada.

ㅡ E-estou bem, capitão! ╶ o homem gaguejou ╶ Eu estava entrando quando ele saiu correndo com o cavalo. Mal tive tempo de me esconder!

Um pouco aborrecido com a atitude medrosa do soldado, Alec entrou no estábulo e constatou que um dos animais não estava mais ali. Um jovem macho de pelo malhado. Um dos mais rápidos dos Mearas havia sido levado bem debaixo de seu nariz e ele não tinha como explicar nada daquilo. Intrigado e irritado, correu até seu próprio garanhão que ficava preparado para ser montado sempre que estava de vigia e saiu em desabalada perseguição apesar dos pedidos temerosos dos soldados para que voltasse e desistisse da caçada.

Por um tempo, o capitão dos rohirrim cavalgou pelos campos escuros de Rohan sem encontrar qualquer sinal além das marcas na grama. A lua cheia iluminava tudo à volta suficientemente para que ele pudesse seguir o rastro sem muita dificuldade. Como um cavaleiro experiente que era, sabia que logo alcançaria o fantasma que lhes roubara o cavalo.

Após alguns minutos de intensa corrida, por fim, vislumbrou, entrecortada pelo luar, a silhueta de um cavaleiro que ia adiante em trotando como se apenas passeasse com seu corcel. Um sorriso de satisfação brotou nos lábios do bravo capitão que se aproximava rápido. Alec era um dos mais rápidos cavaleiros de Rohan, logo o fantasma ladrão não teria como lhe escapar.

Porém, o galope do cavalo acabou por chamar a atenção do fantasma que logo se pôs a correr novamente pelo campo limpo. Mas nada daquilo preocupou Alec que nunca havia encontrado quem lhe pudesse fazer frente em uma corrida. Aos poucos o capitão dos rohirrim ia vencendo a distância que o separava da criatura e aos poucos ele podia ver que o outro ia perdendo não só em velocidade, mas também o brilho etéreo que o envolvia.

Estavam praticamente emparelhados e ambos instigavam ainda mais seus cavalos a darem tudo de si. O capitão olhou para o adversário notando os detalhes de sua armadura. Realmente se tratava da armadura de um Rohirrim, mas ele não conseguia reconhecer de quem poderia se tratar. Aquele homem era pequeno e franzino demais, como quem havia saído recentemente da infância e, entre os eorlingas, ele não conhecia ninguém com essas características. Porém, para o rohirrim, uma coisa era certa: não se tratava de um ser sobrenatural. A criatura diante de si respirava forte e, assim lhe parecia, fantasmas não precisavam respirar.

ㅡ Pare maldito, eu te ordeno! ╶ bradou em voz trovejante o bravo Alec.

Por um momento os olhos de ambos se encontraram no meio da corrida. Ambos fortes e determinados, em muito se igualavam. O capitão soube naquele momento que não seria fácil vencer aquele ladrão que se passava por fantasma. Mas então, se aproveitando de sua leveza e de seu cavalo menos cansado que o do Capitão, o misterioso cavaleiro deu uma guinada perdendo velocidade muito rápido e, antes mesmo que Alec pudesse controlar o próprio animal, se virou o mais rápido que seu ritmo lhe permitia para o lado e tomou nova direção, seguindo para uma formação rochosa que havia no caminho adiante.

Pego de surpresa, o eorlinga não teve outra opção além de descrever um arco enquanto diminuía de ritmo para poder virar e continuar com a perseguição que acabou por deixá-los distantes novamente.

Adentraram pois, o caminho de rochas. Era um local difícil e com caminhos tortuosos. Alec sabia que Astor, seu garanhão, já estava cansado por causa da corrida feita até ali e que não poderia forçá-lo mais. A caçada começara a se tornar mais difícil do que ele pensou e agora era forçado a passar por entre rochas enormes que poderiam muito bem servir de esconderijo e emboscada para um bando inteiro. Aos poucos, o capitão ia perdendo o outro de vista e, em pouco tempo, já não sabia mais que caminho tomar dentro da escuridão daquela armadilha natural. Então, por precaução, acabou por ponderar sobre os perigos que corria e decidiu voltar para casa.

O sentimento de frustração se apoderou de Alec de tal forma que, quando retornou, parecia sombrio e taciturno. Os homens tiveram medo quando o viram adentrando o pátio montado em seu garanhão. Ele parecia tão sombrio e pálido que os soldados pensaram que ele já havia deixado esta vida e retornara como espírito vingador. Mas logo constataram que era apenas mau humor o que lhe deixara com aspecto tão terrível. Nunca antes alguém conseguira se sobrepor às suas habilidades de cavaleiro e, de certo modo, seu orgulho estava ferido por um reles ladrão de cavalos.

Assim como esperavam, o cavalo roubado retornou ao amanhecer. Não estava machucado, exausto e tampouco assustado, fora deixado pastando nos arredores do estábulo e parecia que nada havia acontecido. Aquilo se tornou um símbolo ainda maior da afronta que o rohirrim sentia. Aquele “fantasma” parecia estar brincando com a inteligência e a coragem dos cavaleiros, roubando e devolvendo os cavalos a cada dia, como se pudesse se divertir os enganando como a crianças supersticiosas e medrosas. Era, para o capitão, agora, uma questão de honra desvendar os mistérios daquele que os subestimava, e expor para todos o quão tolos eram por temer um falso fantasma.

No entanto, nenhum dos planos de Alec puderam ser concluídos da forma imediata com a qual ele sonhava. Ao que parecia, o capitão havia mesmo assustado o “fantasma”, pois o mesmo desapareceu por um bom tempo, levando todos a crer que não retornaria mais. Fato que apenas deixou o eorlinga ainda mais certo de que se tratava de um homem e não de uma criatura sobrenatural.

Assim, depois de algum tempo, o capitão dos rohirrim estava convencido de quem quer que fosse, não voltaria mais a incomodá-los mais. Entre os soldados dizia-se que Alec era temido até mesmo pelos fantasmas.

Porém, as previsões do eorlinga estavam erradas. Ao que parecia, o “fantasma” havia apenas esperado um tempo para que se esquecessem e para que a vigilância se abrandasse um pouco mais, pois, passado um pouco mais de uma quinzena, novamente, notou-se a ausência de um dos cavalos da estrebaria.

Desta vez, Alec não fora pego assim tão desprevenido. De alguma forma, seus instintos esperavam que o ladrão ainda retornasse de forma que, quando o sentinela deu o alarme, o bravo rohirrim já se colocou de pronto em desabalada perseguição. Assim, o fantasma não ganhou muita vantagem à sua dianteira.

Tudo o que se seguiu lhe pareceu uma repetição da perseguição anterior, porém, agora, o capitão não seria enganado tão facilmente. Tinha a vantagem de ter começado a perseguição quase tão imediatamente que o outro não teve tempo para diminuir a marcha e, portanto, seus cavalos estavam igualmente descansados.

O ladrão, menor e mais leve que o capitão, parecia voar na noite enevoada. A armadura reluzindo etereamente sob o escasso luar lhe dava um aspecto surreal. Alec não pôde deixar de admitir, era um exímio cavaleiro! Parecia fazer do animal uma extensão de seu próprio corpo e seu domínio era perfeito.

Apesar de conseguir se emparelhar com o “fantasma’, o capitão optou por se manter um pouco atrás do mesmo, de forma que, se ele diminuísse abruptamente, como da outra vez, não seria pego de surpresa e teria tempo para se manter ao seu encalço lhe tirando a chance de despistá-lo. Depois da primeira experiência, sabia que aquela perseguição não se resolveria tão rápido quanto ele gostaria, teria de ser pelo cansaço.

Desta forma, Alec teve de colocar suas habilidades como cavaleiro em união com seu raciocínio rápido. Sempre que o ladrão tentava desviar-se para os lados, o rohirrim se adiantava pelo respectivo flanco obrigando que seu oponente voltasse à estrada em linha reta. Foi assim que conseguiu evitar que o ladrão seguisse o caminho por entre as rochas, como ele havia feito da vez anterior e o obrigou a tomar um único caminho: O da floresta de Fangorn.

À essa altura, o ladino começou a se desesperar e o capitão sorriu percebendo o olhar de medo de seu oponente que se virava constantemente para olhá-lo. Um fantasma com medo! Alec deixou um sorriso sádico se apossar de seus lábios observando mais uma vez os olhos claros do ladrão revelados pelas frestas do elmo que ocultava quase todo o rosto do misterioso cavaleiro. Nenhum homem em sã consciência se aventuraria a entrar em Fangorn. Mas Alec não deixava outro caminho para ele além do que levaria até a floresta amaldiçoada e deixou claro que não desistiria da perseguição, mesmo que o outro adentrasse a densa floresta.

O capitão tinha agora, em suas mãos, todo o controle da situação. Diante de si, o “fantasma” parecia perder ainda mais o controle de seu cavalo e o ritmo da corrida agora era ditado pelo rohirrim que o forçava a seguir cada vez mais adiante e, mesmo que o outro tentasse diminuir a velocidade, Alec o forçava a correr naquela velocidade, pois pretendia não somente pegá-lo mas, sobretudo, ensinar-lhe uma lição.

Diante de si, Fangorn crescia sombria e maciça. Suas árvores frondosas balançavam-se ameaçadoramente por causa do vento frio,dando a impressão a quem olhava de que haviam ganhado vida e estavam prestes a agarrá-los assim que se aproximassem mais. O capitão podia ouvir a respiração rápida do ladrão diante de si indicando que estava amedrontado mas, ainda assim, não desistia de seu intento e dava sinais de que entraria na floresta se fosse preciso. Diante da louca coragem que o rapaz apresentava, o capitão ponderou: uma vez lá dentro, por causa das árvores e dos perigos que diziam existir escondidos, Alec sabia que ficaria cada vez mais difícil capturá-lo.

Já estavam à sombra da floresta quando o capitão dos rohirrim decidiu que era hora de por fim àquela perseguição. Forçando o cavalo a acelerar em uma última corrida, o eorlinga se posicionou bem próximo ao “fantasma”, de modo que seus cavalos quase se encostassem. Depois, estendendo a mão, agarrou uma beirada da armadura do outro, o puxando com força para derrubá-lo.

Sem esperar aquele tipo de atitude e por ser menor e bem mais leve que Alec, o ladrão se desequilibrou de cima de seu cavalo e inevitavelmente despencou para o chão com um grito agudo de surpresa, rolando por entre as patas dos animais.

Satisfeito, o rohirrim bradou um comando para sua montaria que, imediatamente, parou de perseguir o outro cavalo e, diminuindo a marcha, fez a volta e trotou elegantemente em direção ao ladrão que, ainda confuso, e aparentemente com dor, se erguia do chão, ao passo que o cavalo roubado, livre de seu indesejável cavaleiro, apenas foi perdendo velocidade e se desviando da floresta até parar por completo.

Um sorriso satisfeito tomou os lábios de Alec enquanto ele se aproximava altivo e vitorioso. Finalmente desbancara o homem que o fizera de tolo. Provara a si mesmo e àquele maldito ladino que ele ainda era superior.

– Está preso, garoto! - a voz grave do rohirrim cortou a noite de maneira terrível - E espero que saiba a punição para os seus crimes.

O capitão parou a alguns passos do ladrão e esperou que sua ameaça fizesse efeito e que o outro se pusesse a correr. Mas não. De costas para Alec, o garoto apenas se ergueu por completo com uma dignidade estranha. Havia perdido o elmo na queda e segurava um dos braços como quem sentia alguma contusão. Os cabelos cor de palha se balançavam livremente ao vento gelado da noite quando o ladino começou a se virar lentamente e, aos poucos, o rohirrim pode constatar as feições que iam se revelando diante de si: a pele alva parecia ainda mais pálida ao luar e as feições delicadas que se delinearam a seguir quase fizeram o experiente cavaleiro cair de seu animal.

– Ellanor! - balbuciou Alec diante da figura da impetuosa jovem que lhe sorriu de volta de maneira triunfal, mas que, depois, foi perdendo as forças, desfalecendo na grama escura aos pés da floresta, antes mesmo que o bravo capitão pudesse socorrê-la.


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