Ordinary Human escrita por Stef


Capítulo 5
Dos Derrotados


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora! A noticia ruim foi ter deixado a fanfic mofando por bons dias sem sinal de vida, a boa é que a inspiração voltou! Com isso, eu espero voltar a escrever semanalmente como antes. Espero que gostem do capitulo ^^



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Havia muito sangue, desde roupas de cama a aparelhos cirúrgicos. Era difícil imaginar o que acontecerá ali, era difícil sequer enxergar as coisas com a iluminação piscando e lâmpadas queimadas. Tudo parecia terrivelmente sombrio e macabro. Senti um suor frio escorrer pelo meu rosto. Levantei cambaleante e pisei no chão com cautela, o piso estava gelado e cheio de cacos de vidro.

–Explosão... –uma voz cortante percorreu a sala e logo avistei a figura esguia que se tratava do garoto da sala vermelha. – Sangue... Mortos.

Ele parecia ter dificuldade para falar. Sua cabeça estava enfaixada com ataduras ensopadas de sangue, o corpo frágil tão machucado quanto alguém que levava surras diárias. Senti pena, pois sabia que naquele estado os médicos da base jamais o deixaria viver.

–Para onde foram todos? –perguntei.

O garoto colocou a mão na cabeça e fechou os olhos com força, obrigava a si mesmo se lembrar do que acontecerá, mas provavelmente não lembraria. Com aquele corte que não parecia ser um simples machucado, estava claro que os médicos fizeram barbaridades com a sua mente.

–LA 4560... –ele se tremia em pequenos tiques, os olhos ainda fechados e os punhos cerrados prontos para socar algo ou alguém. Recuei. – Cova dos Derrotados... 321.

–O quê? –expressei minha confusão, mas ele só conseguia se irritar com o fato de não se lembrar de nada.

Ouvi alguns passos e o assobio fino. Estremeci ao lembrar do soldado Parker. Lembrei vagamente dos dias na cela branca, dos dias de coleta, algo que parecia ter acontecido há muitos anos.

Os olhos do garoto se arregalaram e ele avançou em mim segurando uma seringa. Tentei socá-lo, mas ele se esquivou com rapidez e acertou a agulha no meu peito com força. Cai no chão aos tropeços. Ele retirou a seringa do meu peito e voltou a repetir “LA 4560 Cova dos Derrotados 321” em um sussurro triste.

A porta se abriu e Parker entrou acompanhado de mais quatro soldados. Dois agarram o garoto e um terceiro lhe atingiu um tiro na cabeça. Largaram o corpo ao meu lado como uma blusa suja a ser descartada. Reprimi um grito de horror e fechei os olhos abruptamente antes que percebessem que eu estava viva.

–Só temos dois corpos nessa sala. –afirmou Parker em um radio que chiava bastante.

A resposta veio quase de imediato:

–Pode levar pra junto do restante. –um silencio que parecia ser interferência. – Depois acenda o fogo.

–Entendido. –respondeu Parker. – Vocês dois peguem o garoto... Você me ajuda a pegar a mocinha aqui.

Escutei as botas se aproximarem de mim e suas mãos geladas me pegarem pelos pulsos e tornozelos. Meu corpo formigava e à medida que eu era levada para algum lugar, eu sentia o sono me embrulhar de forma sufocante.

(...)

O cheiro de sangue, sujeira e carne podre se misturavam me acordando nauseada. Tentei me apoiar para levantar, mas senti o macio de corpos embaixo de mim. Abri os olhos em um espasmo e vi que me encontrava em uma câmara de vidro, que logo reconheci como aquela que nos davam banho em dia da coleta. Havia tantos corpos quanto pacientes que já vi na base. Ensanguentados, de olhos abertos ou fechados, sobrepostos como lixo.

“Iniciando processo de incineração total em 10... 9... 8...”

Seriamos todos reduzidos a cinzas em poucos segundos, o fogo queimando tão abruptamente quanto uma bomba nuclear. Levantei as expressas e tentei correr sem pisotear com violência nos corpos mortos. Cai, levantei e me arrastei em direção a porta. Puxei a trava de segurança com as duas mãos e a porta de vidro abriu lentamente.

“As portas da câmara foram violadas. Processo de incineração cancelado.”

Sai da câmera aos tropeços e logo senti o primeiro tiro me atingir na perna. Era um dispositivo de choque que fez minha perna tremer e ceder, arranquei com dificuldade, mordendo os lábios para não gritar de dor. Outros tiros na minha direção que não me acertaram, então eu disparei a correr pelo corredor central que nos levaria de volta as celas brancas.

–Não deixem que ela fuja. –o grito de Parker me fez aumentar a velocidade.

Eu virava sem ler avisos ou placas, sem saber se esse seria o ultimo corredor ou porta que eu entraria. Acabei me vendo sem caminho para ir, o barulho das botas me cercando em qualquer direção que eu fosse capaz de seguir. Entrei em uma cela branca e me encolhi ao canto batendo as costas na mesinha perto da cama e derrubando o porta-retrato sem foto no chão.

Parker assobiou no corredor e eu me arrastei ate o porta-retrato para pegar o maior caco de vidro e esconder embaixo da manga da blusa. Percebi que entre a madeira e o vidro havia uma pequena folha dobrada muitas vezes, abri rapidamente ainda ouvindo o assobio de Parker.

Sentindo frio, sede e fome

Andado sem eira nem beira

Sob o calor que nos consome

Parker cantarolava uma musica sinistra à medida que me procurava pelas celas. O papel se mostrou um mapa pequeno, com riscos vermelhos indicando caminhos seguros ou interditados pela radiação. O grande “X” estava acompanhado do nome “Cova dos Derrotados”, mesmo nome que o garoto insistia em me dizer antes de morrer. Antes mesmo que eu pudesse julgar que o mapa fosse dele, a letra torta no rodapé dizia: PROJETO 853. O mapa era de Demitri.

As ruínas do mundo

Destruída por homens

Que se achavam acima de tudo

Dobrei o papel como estava antes e o prendi entre a atadura branca que cobria meus peitos por baixo da blusa. Parker ainda insistia em cantar, mas dessa vez eu já podia ver sua sombra crescendo no corredor.

A peste nascida do coração dos derrotados

Matou crianças, velhos e pessoas do bem

E quando não houver mais esperanças.

Você desejará ter morrido também.

Deitei no chão encolhida e fechei os olhos, a musica me fez lembrar a mulher que me sacudia e pedia para que eu fugisse. Uma nova lembrança, onde ela cantarolava isso enquanto esquentava a comida em uma fogueira baixa no meio de uma mata densa.

A risada de Parker adentrou na sala. Ele havia me achado.

–Fingir que morreu não vai te ajudar PROJETO 762. –declarou Parker.

Eu só preciso de um toque dele, apenas um encostar e eu avançaria como um animal selvagem. Quando senti sua respiração perto do meu rosto saquei o vidro e cravei perto do seu olho. Seu grito foi angustiante e seu soco quase me desequilibrou. Chutei, arranhei e o empurrei para longe de mim. Corri em direção à porta e o abandonei aos berros com as mãos estancando o seu sangue.

Estava de volta ao labirinto de corredores. Minha roupa suja de sangue, com sede e medo. E quase como uma luz no fim do túnel, avistei um entrada por onde depositavam o lixo hospitalar. Meu passaporte para fora da base.

Entrei no buraco sem dificuldade e escorreguei por alguns minutos até cair em uma caçamba cheia de sacos pretos. Fiquei ali por um tempo, de braços e olhos bem abertos, por minutos ou talvez horas. A brisa suave, o cantar distante de pássaros e o céu... Tão vivo e real quanto nos sonhos. Amanhecia um dia novo e com ele a esperança de liberdade não parecia tão longe como imaginei. O mundo fora devolvido a mim.


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Notas finais do capítulo

O proximo capitulo é um extra, por isso é opcional para quem tiver vontade de ler. Será um flash back em outra perspectiva onde mostrarei em detalhes um pouco sobre antes da base e dos PROJETOS... Curiosos?