Ordinary Human escrita por Stef


Capítulo 3
Os Mortos Pedem Ajuda


Notas iniciais do capítulo

Gente sério, eu to amando vocês! Desde um comentário de uma linha a um pequeno paragrafo eu me sinto mais motivada a continuar. E embora eu não tenha muitos leitores, eu me agarro a esses que tenho com todas as forças

Estou adorando como o rumo da historia está seguindo e o sucesso que vai ganhando timidamente aqui, no Social Spirit e no Tumblr. Sinceramente, não esperava que uma historia mais voltada para o Apocalipse e Ficção Cientifica fosse fluir tão bem de mim e ser bem recebida pelos outros.

Espero que gostem desse capitulo ♥



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A parede estava úmida em minhas costas. O lugar praticamente escuro a não ser pelo feixe de luz que vinha de uma janela quase no topo da parede. A mão de Demitri tinha um gosto horrível de terra e sal. Ele a pressionava tão firme contra meus lábios que eu podia sentir o ar entrando com dificuldade e saindo devagar demais. Seus olhos estavam arregalados como se fosse saltar das orbitas.

Quando o barulho de vozes se afastou ele me soltou lentamente e suavizou a expressão com um suspiro aliviado.

–Eles monitoram as minhas memorias. –ele andava de um lado para o outro sem olhar diretamente para mim. – É mais seguro que eu não lembre muitas coisas de como você é.

Assenti em meio à singela escuridão sem ter certeza se ele viu o movimento afirmativo.

–Por que eles não querem que nos lembremos do que éramos antes disso tudo? –pela primeira vez estava certa do que queria perguntar, embora centenas de perguntas me atormentem, essa talvez é a que mais me incomoda.

–Não podemos lembrar, se soubéssemos como o mundo esta então poderíamos ter motivos para querer fugir. –ele se sentou e abaixou a cabeça, suas dedos batiam compulsivamente no ferro da cama como um batuque de alguém hiperativo. – Coisas ruins aconteceram fora dessa base e precisam de nós mansos e saudáveis para testar curas.

Dei um passo para frente, mas recuei no mesmo instante. Mesmo que a voz dele esteja quase inaudível era melhor me manter afastada. O brilho do suor em seu rosto estava me preocupando mais do que deveria, observa-lo falar era como ver um animal selvagem tentando manter o controle.

–O que eles querem curar? –indaguei baixinho. Mesmo ali naquela cela estranha sem grade e nenhum tipo de tecnologia, eu me sentia observada.

O rosto de Demitri se contorceu em uma careta de dor. O batuque havia parado, porém suas mãos estavam tão agarradas as coxas. Seus dentes estavam cerrados e naquela pouca iluminação eu vi marcas de cirurgias espalhadas por toda a sua cabeça.

–Tudo bem... Não precisa se esforçar para lembrar isso. –declarei de forma delicada. – Me fale do seu pai, você ainda lembra-se dele, não?

Ele caiu de joelhos no chão, tão repentinamente que dei um passo para correr em direção a saída.

–Fique. –pediu ele com uma voz fraca e o braço levantado. Então obedeci. – Meu pai era o engenheiro daqui... Manteve as coisas funcionando por um tempo. –ele engasgou com seu próprio sangue em uma tosse angustiante, o que me fez pensar nas coisas horríveis pelas quais ele estava passando. – Mas não há muitas coisas para se concertar em um mundo doente...

Agachei-me para ficar da sua altura. Eu esperava respostas mais detalhadas, meios de fugir, lembranças do que há fora daqui, mas Demitri fora degastado demais. Sua aparência era de alguém que não dormia por medo, que o simples ato de respirar doía e tentar força-lo a lembrar do que fora obrigado a esquecer, talvez só piorasse as coisas. Balanço a cabeça decepcionada e me levanto para seguir em frente, mas Demitri segura a minha perna com suas unhas mal cortadas encravando na minha pele.

–Eu me lembro do fogo e o chão pintado de sangue... Quando fecho os olhos vejo os mortos pedirem ajuda. –por um momento acredito que o brilho em seu rosto seja suor, mas escorre com a delicadeza de uma lágrima. – Eu me pergunto por que então valeria a pena se lembrar, se só nos lembramos da dor?

Solto minha perna do seu aperto e percebo que Demitri sorri, um sorriso de pavor, de quem teme até a própria sombra. Então dou as costas, assustada demais para entender as suas loucuras e pensando com receio, se valeria a pena dar as costas ao que eu fui para servir de cura para o mundo. Seria algo altruísta, confesso. Mas não sei se sou assim.

(...)

Ando pelo pátio como os outros, às vezes em circulo, às vezes como se fosse buscar alguma coisa inexistente. Alguns guardas nos observam de longe em momentos assim, momentos em que eles chamam de “recreação”. Algo que acontece uma vez no dia na parte da manhã, onde ficamos soltos no pátio sem nada em especial para fazer por longas horas.

No Centro de Tratamento Psiquiátrico, eles não fazem muitos exames, mas aplicam diariamente injeções que nos deixam doentes, malucos ou mortos. Aqui parece o lugar que depositam o lixo, quase tudo cheira a mofo e gente morta. Tudo é velho e hostil, quase todos são loucos ou doentes demais para falar. Nos alimentam com rações homogêneas e de uma coloração marrom. Não levam ninguém para um banho semanal e a única coisa limpa que nos dão é agua.

Da minha antiga cela eu não via quase nada, muito menos ouvia. Já daqui tenho a sensação de que morrerei de fome ou doente, nenhum guarda nem mesmo se importa se estamos respirando. Em um todo, conheço vagamente umas três pessoas que estavam nas celas boas antigamente e que agora estão aqui, as outras, não faço a menor ideia de como vieram. A única semelhança que nos une é a loucura.

Vejo Demitri todos os dias e embora ele esteja na mesma situação torturante dos outros, ele age mais normalmente. Cada dia percebo que ele esta definhando mais e se eu procurar meu reflexo em algum vidro sei que vou me assustar, porque agora posso sentir os ossos esticarem a minha pele.

Não faz nem cinco dias que estou aqui e já me sinto fraca e debilitada. Até hoje não me chamaram para “lavagem mental”, nome dado por Demetri. Ele supõe que os médicos têm coisas mais importantes para fazer ou simplesmente estão me observando para escolherem o momento certo.

–Meu pai havia me ensinado que não há muitas maneiras de se sair daqui. –dizia Demitri baixinho. – Ou você é alguém da equipe da base ou você morre. - percebi que ele dizia isso com certa frustração no olhar. – Você precisa saber que para cada sala que nos dirige para outro corredor existe uma bolinha adesiva colada na porta, vermelhas para as alas de tratamento, amarelas para as celas e verdes para acesso livre de PROJETOS em observação. Não deixem te levar para as que contem o adesivo laranja... –Demitri engoliu as palavras e enrijeceu. Um pouco de sangue escorreu de seu nariz e no mesmo instante ele tratou de limpar com a manga da blusa. Seus cabelos pretos estavam oleosos e sujos, grudados na testa pelo suor, cobrindo inclusive a parte raspada na cabeça. Suas roupas tão surradas que as manchas de sangue aqui e ali se disfarçavam na sujeira.

–Acho melhor deixar essa conversa para amanhã. –coloquei minha mão em seu ombro e senti seu corpo febril.

–Não sei se haverá um amanhã. –insistiu ele com os olhos passivos e penetrantes, seus dedos magros e ágeis logo escreveram no chão empoeirado: “Eles estão de olho.”

Levantei o olhar e vi que dois guardas de uniforme preto conversavam risonhos, nem um pouco preocupados com o seu redor. Dei de ombros. Aquele tempo todo em que Demitri passará a conviver ali, ele havia criado algum medo ou aflição pelos guardas e câmeras.

“Eles não se importam com gente louca.” escrevi rapidamente no chão perto da minha perna.

Ele se aproximou e sussurrou com os lábios grudados na minha orelha:

–Eu pareço louco?

(...)

Demitri faleceu no dia seguinte a nossa ultima conversa. Foi encontrado morto na sua cela. Dizem que ele teve um colapso mental, sagrava pelo nariz e se tremia todas as noites, a maioria dos guardas já esperavam por isso. Fui tomada por uma tristeza profunda e mesmo não o conhecendo há tanto tempo, eu chorei aos soluços na manhã seguinte em que levaram seu corpo. Eu me arranhava e soca meu travesseiro, gritava e engasgava, era um choro que me atolava no peito há muito tempo e que só com essa perda é que entendi a verdadeira vida que eu levava ali dentro da base. Ninguém veio me acalmar ou me medicar, eu implorei por isso. Naquela noite dormi machucada, eu sangrava por fora e por dentro.

Por alguns dias eu fiquei tentando concentrar o calor do meu corpo para suportar as noites frias, nada nunca dava certo por mais que alguns minutos. Era difícil fechar os olhos quando se ouvia sussurros e gemidos pelo tenebroso corredor. Não sei dizer se de fato estava doendo, mas as pessoas murmuravam pedidos de ajuda. Se eu não era louca, então passava a ficar a cada minuto.

Todos passam por um processo de lavagem mental. Cada dia mais lentos e fracos. Tenho medo que eu me torne eles algum dia, temo ainda mais, a minha primeira sessão. Por um momento me arrependo de todas as minhas escolhas impulsivas e me repreendo mentalmente, porque não deveria agir por curiosidade como uma criança. É algo frustrante.

Sei que os médicos estão cada vez mais impacientes com os resultados que damos para eles. Bom, se os mesmo querem a cura então terão que fazer melhor do que coletar o nosso sangue e se decepcionar toda semana. Ouço as conversas de alguns guardas, por aqui eles falam livremente sobre quase tudo, a verdade é que eles pensam que nós somos “imbecis” demais para entender. Eles estão certos. Mas eu ainda ouço e tento ao máximo memorizar tudo antes que roubem isso de mim.

Quero dormir, porém meu corpo esta agitado demais. Troco de posição, mas só piora tudo naquela cama de cimento. Fico imaginando como é uma cama, tento a todo custo lembrar de pequenas coisas como a sensação do verdadeiro sol no rosto, até mesmo do carinho que vinha da mão de alguém. Estou quase afundando meus pensamentos em um sonho bom, quando ouço batidas nas grades. Sei que são os outros em suas celas, talvez tenham visto algum guarda. Essa mania de estender o braço para toca-los era um vicio estranho.

Abro os olhos e vejo que os guardas arrastam alguém. Era um rapaz. Ele estava sangrava como se tivesse levado algum tiro, era difícil enxerga-lo apenas com a luz que vinha das pequenas janelas. Eu não me importaria com o novo membro do CTP, mas esse era diferente. Não usava as roupas cinza ou brancas de todos os PROJETOS, este vestia um agasalho marrom com touca, uma calça mais rasgada do que jeans e talvez o que mais me surpreendera, ele usava sapatos.

Levantei da cama com um sobressalto no instante em que ele agarrou as grades da minha cela. Os guardas se assustaram e o soltaram com um baque único no chão. O seu rosto estava congelado em um uma expressão de pavor. A boca em um “O” pequeno e deformado e os olhos tão brancos como a roupas de um médico.


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Notas finais do capítulo

Eu tenho muita historia pra desenvolver,muito mistério a ser desenrolado e surpresas inesperadas. Isso eu prometo!

Há ainda a promessa de fazer um capitulo extra, nele eu tentarei abordar uma perspectiva diferente na historia. Seria como um flash back do que tem do lado de fora da base... Bom, não é nada totalmente planejado e eu não quero dar muitos spoilers sobre o que vai ter ou não, mas espero que vocês estejam tão animados quanto eu!