Querido diário,
Hoje o vento flertava com os coqueiros.
Queria ouvir sua conversa, mas o barulho da chuva estava lá,
despistando tudo.

Eu, pitando meu cachimbo e apitando uma corneta
para afastar de mim o mau espírito da melancolia,
me arrependia desse affair, que sumia por meses
e voltava cada vez mais chata do que nunca.
Tenho esses affairs desgostosos com a sinusite, a gripe, o tédio e a melancolia.

Preferia o tempo em que era herói e tietado só por moças bonitas...

Sensei

***

Mas será possível que ninguém consegue segurar esse macho? Onde ele está agora, na casa da libratinagem?

Infelizmente, mestra... Ele já passou da casa da libratinagem...

O QUÊ? O divasso já passou da casa da libratinagem?

Ai meu deus, o divasso bronzeado assou a casa da libratinagem!

Menina, babado, ele passou o rodo na casa da libratinagem...

Nossa, ele... na casa da libratinagem?! Sério?? Uuui!

MESTRA! Perdão interromper, mas tenho um comunicado importante: o macho já passou pela casa da libratinagem.

EU JÁ SEI, BICHA BURRA!

Desculpe senhora! Desculpe... Hmmm... Des.. - disse a outra se contorcendo freneticamente.

É claro que passou... A bicha velha adora me contrariar. E ainda deve ter ajudado aquele... Provavelmente em troca de... Bem, não quero saber, o que aconteceu lá que fique por lá. E ele não vai passar da próxima casa. É uma das mais taradas de todo o santuário vermelho... Ninguém escapa daquela língua!

* * *

Do lado de fora, ela esperava ansiosamente. Dava pra perceber tanto pela língua pontuda molhando os lábios como pelo piercing pontudo na ponta da língua pontuda apontando pro lado enquanto o salto batia freneticamente no chão. Suspirou. Mudou de posição. Esperou. Mudou de posição novamente. Cansou e mudou de posição por uma terceira vez. Desistiu, finalmente. Se virou para entrar, e sorriu. Desvirou e sorriu mais ainda: sua presa finalmente tinha chegado.

Enquanto ele ainda vinha de longe, ela percebeu que ele tinha aprendido a andar de salto, e que até andava bem, mas não melhor que ela. Ele percebeu que os saltos agulha dela eram mais complicados de usar que as suas plataformas, mas além de mais instáveis para a ocasião (o que era bom e lhe dava vantagem), tinham um aspecto ridículo de sandália de gladiador romano (gladiador depois das dez, com aquele dourado cheio de glitter), ainda mais com as tiras indo até o joelho, mal amarradas e apertadas demais.

Quando chegou mais perto ele finalmente entendeu que ela não estava pelada, mas o biquíni bege com detalhes dourados deveria ser uns dois números menor do que o certo, para apertar tanto o corpo dela. E se perguntou como ela conseguia se mexer usando aquilo. E como aquilo não estourava. E como aqueles detalhes dourados mal aplicados ainda não tinham caído. Ela até gostou da calça dele, mas não entendeu se ele estava com frio ou calor, já que usava um sobretudo pesado mas não usava camisa. Ela pensou em avaliar pela expressão dele, mas não pôde, já que ele usava uma máscara. Ele, além das roupas (até boas, mas meio surradas) ambíguas, cobria seu rosto uma máscara oval prateada , cujo desenho lembrava o focinho de uma raposa. Ela se perguntou se ele havia vindo até ali para lutar ou para uma festa à fantasia.

Em vez de perguntarem um para o outro suas dúvidas cruéis, ficaram parados, separados por alguns metros, apenas se observando. Bem, ela o observando, na verdade. Ele vinha de longe fazendo anotações em um bloco de notas, um caderno, ou algo do tipo. Parou de andar, mas não de escrever. Ela olhava e tentava entender se ele tinha vindo até ali para lutar ou fazer uma descrição minuciosa do local. Finalmente parou, pensou ela, depois de alguns minutos observando a cena. Ele levantou a cabeça e ficaram ali se encarando. E só.

Depois de esperar pelo primeiro movimento e não aguentar mais o silêncio constrangedor, ela falou primeiro.

Você finalmente chega depois desse tempo todo e vai ficar aí parado me encarando sem falar nada?

...

Você é o Sensei, o divasso bronzeado de nove rabos?

...

Eu sou Milena Bumsting, a divassa dourada que protege a casa das Antaradas. disse, com a língua pra fora, apontando para o lado. Fazia isso quase sempre, sem motivo, sem nem mesmo perceber.

...

A bicha velha engoliu a sua língua? Você veio aqui pra tentar passar por mim ou não? Porque não desiste e dá meia volta? Eu sou uma das mais taradas de todo o santuário vermelho, você não tem chance nenhu-

Querida, dá pra calar a boca e sumir? Você é um saco, hein! soltou finalmente o mascarado.

Eu fecho, rapariga!

Se você fecha tão bem, meu amor, fecha a porra da boca e sai da frente!

Uh... então você veio pronto pra me dar um gelo...

...

Eu tenho fogo suficiente pra te derreter. Eu derreto até a Kamizaki... Entra aqui pra você ver o que te acontece! respondeu, sumindo pela porta aberta.

Assim que entrou, sentiu outra coisa entrando junto: as duas botas de Sensei nas suas costas. Depois de ser jogada direto na parede de sua casa e se levantar tentando entender o que havia acontecido, ainda teve que ouvir:

Desculpa aí, tá, bicha, mas sua bunda fica muito tosca nessa coisa. Eu olhei e aí veio um impulso incontrolável bater em você. Vou tentar me conter na próxima.

Recalque, né, porque não tem meu corpinho pra usar isso aqui.

Sensei observou bem o corpinho de Milena. Era realmente inho. Era magro, e ainda assim as roupas, que deveriam ser da sessão infantil de tão pequenas, o apertaram a ponto de espremer as das poucas gordurinhas para fora. Mas o que chamou atenção definitivamente foi o penteado da diva, que parecia ter um escorpião na cabeça. Dois coques na frente simulavam as pinças, o rabo de cavalo com o enfeite na ponta simulava a cauda do escorpião. Um escorpião de cabelo platinado, combinando com a pele branca e os olhos verdes, com um destaque para as unhas vermelhas enormes combinando com o batom. Até seria bonita, se usasse um penteado decente e não estivesse espremida em roupas de alguém de doze anos.

Depois de observá-la por mais alguns instantes, Sensei começou a andar na direção de Milena. Ela, já de pé, se colocou rapidamente em postura defensiva, esperando a qualquer momento um movimento brusco, um ataque vindo de qualquer lado, ou qualquer coisa do tipo. Ele continuou a se aproximar, diminuindo lentamente a distância entre os dois. Três passos... dois... um...

...

Dois. Três. Quatro...

Sim, ele passou pela dourada como se não houvesse nada por ali, e continuou andando em direção à saída. Sua fuga, no entanto, só durou sete passos. E como já foram quatro, podemos contar mais um. Dois... Três!

Esse foi o tempo suficiente para Milena se irritar o suficiente e partir na voadora pra cima de Sensei. A intenção era atingir a cabeça do inimigo com o finíssimo salto agulha escarlateado (uma mistura de escarlate e dourado que Mulan havia criado). Se ele virasse para se defender, quem sabe não furar um olho sem querer?

E ele realmente se virou, mas não foi bem assim que aconteceu. A agulha escarlateada de Milena parou no indicador da mão esquerda de Sensei. Sim, exatamente. Ele parou o golpe com um dedo. Com outro movimento ele afastou a bicha dourada, dizendo:

Seus golpes não vão funcionar em mim.

O que, os golpes não vão funcionar?

É, os golpes não vão funcionar.

Como assim os golpes não vão funcionar???

Não funcionando.

Não pode ser! Os golpes... Não vão funcionar?

É, porra! Não vão funcionar! Nem um pouco! Nem um tico que seja!

Porque os golpes não vão funcionar?

PORQUE VOCÊ É CHATA PRA CARALHO! CHATA DO TAMANHO DE UM NEGÃO SUPERDOTADO!

Hmm...

Comparação errada, merda. CHATA DO TAMANHO DA BUNDA DE UMA NEGONA!!! CHATA DO TAMANHO DE UMA GALÁXIA EM FORMATO DE... ARGH!

Ain, ecam. Eu sou tão chata assim?

É.

O que, eu sou tão chata assim?

...

Não pode ser que eu seja tão chata assim!

Isso é um golpe novo, tipo, falatório escarlateado em que você torra o saco do inimigo pra ele abrir uma abertura e ser derrubado ou pedir rendição contanto que você pare de falar besteira? Não tá funcionando também...

O que, você acha que isso é um golpe novo?

Tchau.

O que, você já vai embora?

Já fui! Saí da sua casa enquanto você estava tagarelando! disse Sensei, de longe.

Não pode ser, você já vai embora...!

ATÉ NUNCA! E CALA A BOCA, PORRA! disse Sensei, correndo para a próxima casa.

...

Milena, com a boca calada por alguém pela primeira vez no santuário, ainda deixou a língua do pensamento solta: Ele já foi embora?! Não acredito que ele foi embora. Não pode ser, isso deve ser um engano! Nunca ouvi falar de alguém indo embora assim... muito menos de alguém me mandando calar a boca. Como assim ele já foi embora, gente... ele não deveria ter ido embora.. olha lá...foi embora mesmo...