Já se havia passado um dia desde que eu tive aquela adorável conversa com Harry Potter.

Eu havia sido sequestrada. Além disso, com a minha fuga desconhecida, o meu sequestrador decidiu que devia me procurar e me levar de volta para aonde quer que eu tenha saído.

Passei metade do dia pensando no que mais podia acontecer comigo.

Atravessei a sala desarrumada dos Weasley e subi as escadas até o quarto que eu iria dividir com Rose. Havia uma beliche enorme ao lado da janela, um closet gigante, uma mesa de cabeceira ao lado da cama e uma mesa de estudos, além de uma estante cheia de livros. Joguei minha única bolsa na parte de cima do beliche, que era a parte desocupada, quando Rose chegou com um sorriso sem dentes.

– Aqui é demais, não é?

– Por que um beliche? Por que não uma cama só?

– Ah, eu vivo convidando minha melhor amiga Roxy pra vir dormir aqui em casa. Acabou que a gente precisou de um beliche.

– Humm... Eu não estou incom...

– Claro que não! Eu preciso de uma irmã urgente. Sério. É impossível ter uma vida com um irmão tão chato! E sem querer ofender, mas com o que está acontecendo com você, a última coisa que a gente vai ficar é entediado. Você se lembra de algo do seu passado? Se lembra do rosto do seu sequestrador? Eu soube que um cara, arg, não me lembro do nome dele!, o tal cara fugiu de Azkaban e ninguém sabe como. Se eu te mostrasse uma foto, talvez você o reconhecesse...

Me lembrei do que Hermione disse. Ela havia me avisado que Rose seria bem curiosa ao meu respeito e eu tinha apenas que avisar e ela pararia. Mas na verdade eu não estava incomodada, eu adorava escutar. Amava saber das notícias, ter um pedacinho do mundo comigo. Então permaneci quieta, escutando.

Então ela finalmente se calou e arrumou sua cama. Enquanto isso, tirei o tempo para poder observá-la melhor. Seus longos e ondulados cabelos ruivos, uma mistura de laranja e vermelho fluorescente, batiam até a altura do umbigo. Tinha olhos verdes da cor da esmeralda, que chamavam atenção graças aos longos cílios escuros, e algumas sardas avermelhadas na maçã do rosto. Ela usava franja, mas não aquela certinha, era voltada para o lado e batia em seus olhos. Seu estilo de roupa era mais casual, porém continuava estiloso. Usava um jeans azul escuro justo e uma camiseta preta que pendia para o ombro direito, com os dizeres em uma cor dourada chamativa: "amarga serei até que a amargura se amargue com si própria".

Olhei para mim mesma e me senti uma intrusa naquela casa. Na verdade eu era uma intrusa.

Quando eu ia tentar falar, ouvimos duas batidas na porta e Gina Potter apareceu. Sua aparência não havia mudado muito das fotos de seus dezesseis anos até a idade atual, com exceção aos cabelos, que escureceram.

– Hey, meninas! Carter, já terminou de guardar suas coisas? Ótimo! Vamos ao Beco Diagonal comprar seus materiais.

– Oh, sim! Claro, só um momento, eu vou ajeitar o cabelo. - sorri.

Rose deixou o quarto e correu pelo corredor na direção do de seu irmão.

Me lembrei do dia anterior, no sofá junto aos Weasley e os Potter. Quando me disseram que eu havia mesmo sido sequestrada, não consegui pensar em nada para dizer. O que deveria dizer? Qual seria a coisa certa para falar? Um comentário sarcástico? Uma pergunta a qual eu já sabia que eles não conseguiriam responder? Consegui mudar de assunto quando o silencio desconfortável se instaurou. Após tirar algumas dúvidas sobre magia, o Sr. Potter me disse que eu tinha duas escolhas: poderia ir para Hogwarts e frequentar o sexto ano ou poderia ficar n'Toca, onde ficaria protegida por feitiços de segurança e teria aulas básicas de autoproteção. Eu ficaria igualmente protegida em ambos os lugares, mas talvez eu me sentisse diferente entre os alunos de Hogwarts. Pensei um pouco a respeito e decidi que queria ficar. Não queria correr o risco. De qualquer forma, eu poderia ter a minha própria varinha, então iria comprar assim que pudesse.

Me olhando no espelho do banheiro, eu já sabia como controlar a "coisa". Fechei os olhos. Me lembrei daquele dia no St. Mungos, quando, após tomar banho, meu cabelo molhado de repente ficou seco e sedoso. Quando abri os olhos, meu cabelo estava daquele jeito, e o arrumei no estilo meio preso com trança. Eu não sabia se os outros conseguiam fazer isso, essa magia sem varinha. Se eu contasse, eles provavelmente me fariam perguntas as quais eu não tinha respostas e eu me sentiria mais estranha do que já era, então decidi não contar até o momento certo.

Desci as escadas e partimos.

***

Quando chegamos lá, os Weasley e os Potter se separaram para comprarem seus materiais. Eu e Rose seguimos juntas para a loja de varinhas. Quando ela entrou, conversou com o vendedor ao qual eu não consegui decorar o nome e ele me apresentou a algumas varinhas. Não gostei de nenhuma e fiquei um pouco constrangida. Rose resolveu sair para comprar alguns materiais de Hogwarts na loja ao lado, e eu me sentei no banco no canto da parede. Bufei, estressada, e falei:

– Me desculpe, senhor. Eu não consigo. Não gostei de nenhuma. Eu não quero uma varinha. Quero dizer, eu quero, mas eu também não quero. - me repreendi por dentro por ter falado besteira. Eu realmente devia começar a pensar antes de praticamente vomitar as palavras nas pessoas.

– Srta. Carter, você só achará alguma se quiser. A varinha canaliza todo o poder que você tem, assim como pode expelir. O mesmo se trata de quando você procura alguma. Ela só será achada se você quiser que ela seja. - o velho disse sabiamente. Sua voz mostrava o quanto ele era frágil e, ao mesmo tempo, forte.

– Você fala como se as varinhas fossem vivas.

Ele deu uma risada.

– Você me lembra um garoto que falou essa mesma coisa. As varinhas escolhem você, sim?

E se virou em direção ao balcão e passou a limpá-lo. Fiquei sentada por alguns instantes, pensando. Queria mesmo uma varinha? Talvez ela me fizesse não me sentir tão estranha. Observei pela janela, onde Rose se encontrava com um loiro de olhos azuis. Supus que aquele seria Scorpius, o seu melhor amigo, de quem ela tinha me falado a respeito. Os dois pareceram bem entretidos na conversa, e me perguntei se seria tão ruim assim ir para Hogwarts. Porém, me lembrei que eles tiveram seis anos para construir aquela amizade. Se eu escolhesse ir para lá, durariam apenas dois anos para que eu me formasse. O que poderia acontecer nesse tempo? E eu não queria correr o risco de ser humilhada.

Me voltei para onde as varinhas estavam localizadas na loja e concluí que eu podia ter uma. Aquilo não iria me influenciar em nada, eu cria.

Me concentrei e fechei as mãos em um punho. Elas estavam brancas pelo esforço. Busquei nas minhas tão poucas memórias algo que me prendesse a aquele lugar, e acabei me prendendo ao que o homem falou.

"Ela só será achada se você quiser que ela seja".

Inspire.

"As varinhas escolhem você".

Expire.

Abri os olhos e entrei em uma sessão onde haviam algumas varinhas novas em folha, virei à esquerda e peguei uma caixa. A abri e a apontei em alguma direção, onde algumas caixas caíram. Balançando a cabeça, peguei outra varinha. Então um calafrio percorreu o meu corpo. Uma série de imagens passou pela minha mente. E eu sabia que era uma parte do meu passado. Porém quando parou, não me lembrava do que se tratavam. Tentei me agarrar a alguma memória, mas nada que eu fizesse me ajudou a lembrar. Deixando a varinha no balcão, chamei Rose, que estava algumas lojas a frente com Scorpius. Ambos vieram comigo para a loja e esperamos que Rose pagasse.

Saí da loja e me sentei em uma cadeira na sorveteria, com um sorvete de limão nas mãos. Rose e Scorpius saíram, afirmando que tinham que comprar mais algum material, mas eu sabia que ela queria conversar com ele a sós. Afinal, apesar da gentileza comigo, eu ainda era uma estranha. Senti um par de olhos me observando, mas quando me virei não havia ninguém por perto se não uma velhinha perto das moitas.

Voltei para a casa dos Weasley e vesti um dos pijamas da Rose: uma longa blusa rosa de flanela com três botões pretos na parte da frente e uma calça folgada azul escura. Conversamos um pouco, mas algumas perguntas envolviam o meu tempo no St. Mungos e James, então eu logo fiquei envergonhada. Quando ela finalmente dormiu, devia ser por volta das onze horas. Saí do beliche e me tranquei no banheiro junto a minha varinha. Passaram-se alguns minutos enquanto eu tentava "lumos", até que eu escutei um barulho do lado de fora. Não foi mais que uma pedrinha se movendo lá no jardim, mas eu fiquei pensando em qualquer tipo de besteira que se pensa quando se está acordada de noite enquanto todos dormem. Abri a porta lentamente, mas Rose continuava em seu sono profundo, então fui em direção á cama sem fazer barulho quando ouvi um som de movimento do lado de fora da casa. Senti calafrios. É só uma coruja, ou talvez um anão de jardim que por acaso é vivo neste mundo, ou um cervo, ou quem sabe alguém em uma caminhada noturna, ou talvez até um dementador ou um grande monstro vindo te pegar com suas grande garras negras... E quando olhei pela janela, meio apavorada, não podia ser melhor quando vi a silhueta de uma pessoa escondida perto das árvores.

Me observando.

Acordei Rose, agora totalmente apavorada, mas mesmo assim silenciosa.

– Tem alguém observando aqui. - sussurrei o mais baixo que pude e a puxei para o canto da janela. Ele devia ter se aproximado, porque estava totalmente visível, porém eu ainda não conseguia distinguir se era uma garota ou garoto, nem enxergava seu rosto.

Nós duas nos abaixamos e ela disse:

– A gente precisa chamar o meu pai. E se esse cara for o seu sequestrador? Agora.

Nos levantamos apenas para ver que ele estava correndo na direção da casa com a varinha em mãos.

Apontou para a janela.

Me joguei sobre Rose e caímos no chão enquanto o feitiço atingia o teto, que começou a rachar. Nós duas gritamos quando a porta se abriu com um estrondo.