Just Breathe escrita por Pacheca


Capítulo 4
Holocene


Notas iniciais do capítulo

Então, Holocene é uma música do Bon Iver ^^ Boa leitura



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Estava sentada num banco de pedra no meio do cemitério, rodeada por funerais. O da mãe de Filipe era no 3, e outros dois caixões chegaram para o 6 e o 8.

Filipe e toda sua família estavam na entrada do velório 3, as expressões carregadas de tristeza e chateação. Anna sentia-se uma intrusa ali. Não era da família, não conhecia a falecida.

Um passarinho preto pulava na grama a sua frente, calado. Devia procurar algum bichinho no chão. Fazendo de tudo para sobreviver por mais um dia. Podia ver, além do passarinho, Filipe com a irmã no colo, calado.

Cruzou os braços, tentando se esconder do vento frio do fim de tarde. Tinha esquecido de pegar um casaco quando saiu de casa.

– Posso...? – O banco era de dois lugares. Um moço de seus 20 anos pedia licença, sério.

– Claro. – Voltara a prestar atenção no passarinho, ainda caçando sua próxima refeição.

– Aceita...? – Voltou a olhar o rapaz quando este lhe estendeu um cigarro. – É maior de idade?

– Não, mas mesmo assim eu não aceitaria. – Falou, vendo-o apertar o isqueiro e encostá-lo na ponta do cigarro.

– Faz bem. Eu nunca devia ter começado. – O estranho falava, soprando a fumaça com o cuidado de não deixar o cheiro chegar até Anna. – Pra qual você veio? 3,6 ou 8?

– 3. – Voltou a olhar na direção de Filipe com a irmã. – Você?

– Também. Sou sobrinho dela.

– Primo do Filipe?

– É. Você é parente?

– Amiga do Filipe. Só vim dar uma força.

Silêncio. O passarinho voara para longe. O vento soprou mais uma vez, arrepiando-lhe. O primo de Filipe a olhou de lado, apagando o cigarro com o sapato.

– Qual seu nome? – Ele perguntou.

– Anna. O seu?

– Júlio. Você vai aparecer pro enterro amanhã?

– Acho que sim. Se eu puder faltar mais um dia à aula.

– Bem, mesmo se você não aparecer, devolve por Filipe depois. – E entregou-lhe o casaco que usava.

– Obrigada. – Poderia recusar, mas as pontas de seus dedos estavam geladas.

– Vou pegar outra no carro. – Ele ficou de pé, olhando o relógio. Cara alto, o cabelo castanho bagunçado pelo vento e os mesmos olhos claros de Filipe. – Até amanhã, Anna.

– Tchau. – Vendo-o se afastar, olhou o próprio relógio. 5 e meia. Tinha que ir embora logo. Ficou de pé e foi para perto de Filipe, as mãos nos bolsos do casaco.

– Anna, oi.

– Preciso ir. Vou tentar vir amanhã.

– Não se preocupe, você já fez o suficiente. – Ele deu um sorriso. – E desculpa se o Júlio fez qualquer coisa, ele...

– Ele foi legal comigo, não teve problema nenhum.

– Ele costuma ser completamente inoportuno. – Filipe conseguiu dar uma risadinha. – Tipo dar em cima de meninas cinco anos mais novas que ele no meio de um velório.

– Ele só me emprestou a blusa. – Deu de ombros. – Bem, eu vou nessa. Pode ligar se precisar.

– Valeu, Anna. – Deu um abraço nele, com a irmã dele no meio. – Dá tchau, Nessa.

– Tchau, garota. – Sorriu para a garotinha, vendo-a ainda muito confusa. – Beijo.

Afastou-se, respirando fundo. Não sentia tanta tristeza quanto no velório da tia Cristina, mas ainda assim não era legal.

– Ei. Quer carona? – Júlio parou com o carro ao seu lado, assim que ela deixou o cemitério.

– Seu primo me disse para tomar cuidado. – Falou, abrindo a porta do carona.

– Ele adora falar que eu sou um cara “inoportuno”. – Imitou Filipe, sorrindo. – Só estou tentando ser legal.

– Eu agradeço. – Prendeu o cinto, olhando pela janela.

– Deve ser chato...velório de uma desconhecida. – Ele comentou.

– Você não me parece muito triste.

– Não estou. A tia Lúcia sempre me disse que eu não preciso ter medo. Nem da vida e nem da morte. – Ele parou em um semáforo e fitou Anna. – Eu sei que mais cedo ou mais tarde a gente vai se ver.

– O que isso tem a ver com medo?

– Medo de viver sem alguém. Não tenho isso.

– Mesmo se fosse sua mãe?

– Mesmo assim. Pai nenhum gosta de ver o filho chorar. Menos ainda quando ele não pode fazer nada.

Fazia sentido. Ele arrancou com o carro, calado. Anna também não via motivo para quebrar o silêncio.

Júlio a deixou na porta de casa. Anna devolveu o casaco e desceu do carro, com um sorriso. Sorriso grande, daqueles cheios de verdade e alegria. Nem parecia voltar de um funeral.

– Obrigada, Júlio. Te vejo amanhã.

Foi para o elevador, pensativa. Entrou no apartamento ainda sorrindo, calma. A mãe a recebeu com um beijo.

– China te ligou.

A mãe nunca o chamava pelo nome. Não conseguia gravar o nome Xufei de jeito nenhum. Anna riu e foi para o quarto, pegando o celular. Ligou para o amigo, enquanto trocava de roupa.

– Ei, garota. Fiquei sabendo o que rolou, e ai? Como ele está?

– Mal, acabou de perder a mãe. Mas ele vai se virar bem.

– Hum, e você?

– Eu nem a conhecia, mas estou bem. Cheguei a uma conclusão voltando para casa.

– Qual?

– Quando eu morrer, me taquem num buraco duma vez. Não fiquem de chororo não. – Ele riu do outro lado da linha. – É sério. Não existe coisa mais mórbida que velório. A gente não passa uma vida fazendo pessoas felizes pra tudo ir pelo ralo quando a gente morre.

– É, eu sei. Também não gosto dessa história. Por mim a gente só morria e pronto. Enterrou ali e pronto, acabou.

– Quero ser cremada. – Falou, sentando-se na cama. – E que alguém muito querido, mesmo que triste e chorando, jogue minhas cinzas de um lugar bem bonito.

– O Topo do Mundo? – Ele falou, referindo-se à serra onde sempre havia algum paraquedista. Lugar lindo.

– Um lugar assim. Ou a Serra da Moeda. De frente praquele mar azul de serras. – Sorria, imaginando a cena. Algum amigo seu, ou até mesmo um filho ou marido com um punhado de cinzas nas mãos, jogando-o ao vento no pôr do sol.

– É, são bonitos mesmo. – Xufei falou. – Ah, e vai gostar de saber quem apareceu pra aula hoje.

– Martin?

– É. Era só ouvir qualquer coisa que lembrava da mãe e quase chorava. Mas todo mundo o apoiou.

– Só faltou eu.

– Você é a única que nunca falta na vida dele, Anna. – Riu. – Vou desligar. Beijo.

– Tchau. – Desligou o telefone. A mãe parou na porta, os olhos cheios de lágrimas.

– Para de falar bobagem, você não vai morrer.

– Eu nunca falei que seria logo, mãe. – Deu um beijo na testa da mãe. – Larga de bobagem. A gente não vai morrer tão cedo.

– Toma um banho. Vou arrumar janta. – Sorriu, indo para o banheiro. Sorria de frente para o banheiro, cantarolando.


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Notas finais do capítulo

Serra da Moeda e Topo do Mundo são aqui em Minas Gerais :3 Beijos :)



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