Sem esperar o amanhã escrita por Lucas C


Capítulo 1
Capítulo 1 Uma arma e uma missão




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Uma arma e uma missão

Tamborilando os dedos da mão direita sobre a mesa de vidro transparente, Bond suspirou pelo tédio que o tomava. Acabara de fumar um cigarro de origem turca, uma especiaria que o médico recomendara um uso para lá de moderado, mas que diabos era moderado? Pensou Bond muitas vezes. Um copo com duas pedras de gelo estava aumentando o volume de um drink a base de vodka, não era russa, mas era uma das melhores que podia encontrar em Londres; estava em um apartamento funcional, onde o MI deixava seus funcionários que esperavam o término de um inquérito, exatamente o que Bond estava esperando.
“Malditos burocratas” - deveria ser a quinta vez que o agente com duplo zero repetia a injúria; há um tempo e queriam acabar com a seção 00, mas o ataque às Torres Gêmeas fez que a ideia fosse esquecida e a papelada foi imediatamente arquivada e o autor da proposta ficou escondido evitando a exposição; era do tipo de funcionários que acreditavam que apenas o uso de artefatos eletrônicos e o uso da inteligência era o suficiente para proteger a rainha e seus súditos, M e Bond sabiam que não era assim; por mais sofisticado que fosse um aparelho de vigilância, nunca pegariam nuances de olhares e gestos que o olho treinado de um agente de campo identificaria rapidamente.
A última missão tivera muitas mortes? Tivera? Deixou muita gente irritada com o Governo Britânico? Sim é claro. Mas era gente que já não gostava mesmo dos britânicos. A imprensa fez estardalhaço? Era o serviço dela, mas não conseguiram relacionar nada ao serviço secreto. Bond teve que eliminar gente importante? Ora bolas, para que deram a ele um duplo zero? Para jogar na roleta e Bacarat? Com um outro suspiro, Bond lembrou-se de Eleonora e uma raiva percorreu sua espinha ao rever a imagem dela sobre um carpete bege, o sangue manchando o tecido e sendo por ele sugado, o corpo estendido no chão, o tiro entrou na área entre os olhos e a boca provocando uma morte instantânea, o corpo não desabou sobre seu eixo, possivelmente ela deu um passo para trás diante a visão de seu assassino; Eleonora era uma mulher doce, muito inteligente, envolvida com pessoas erradas que pensaram que ela os estivesse traindo, não estava e agora Bond teria que achar um tempo para acertar as contas, o que aconteceria mais cedo ou mais tarde.
O apartamento não era ruim, Bond estava acostumado a todo tipo de quartos, viajava muito e se hospedava em diversos lugares e em alguns destes, uma choupana que protegia contra a chuva era o máximo de luxo que poderia obter. A cama era de casal, uma escolha óbvia já que tanto um casal quanto um agente poderiam ter que ficar ali; o frigobar estava bem abastecido: frutas frescas, bebidas destiladas, refrigerante e algumas guloseimas; o banheiro era com ducha e banheira e a decoração era de bom gosto, embora James preferisse que as cores fossem um pouco mais sóbrias, como não era uma prisão, era uma sala de espera relativamente luxuosa. Bond foi até a janela, mas não encostou no vidro, apenas queria ver o clima sempre meio cinza daquele lugar; estava vestido informalmente, uma camiseta branca de algodão com mangas, uma calça de moleton e estava descalço; no dia anterior respondera várias perguntas, típicas de quem nunca esteve frente a frente com seu possível assassino:
- Tem certeza que não havia alternativa?
- Seus atos foram realmente necessários?
- As mortes não poderiam ser evitadas?
- O processo legal não foi prejudicado?
- O dinheiro gasto não fora desperdiçado, na verdade?
A todas as perguntas Bond respondeu com calma, a mesma calma com a qual disparara contra alguns algozes, algumas mortes realmente poderiam ter sido evitadas, coisa que ele omitiu, mas seria apenas deixar vivo alguém para o governo gastar dinheiro público em um julgamento inútil que manteria na prisão de onde o criminoso sairia ou fugiria e havia a remota, mas factível possibilidade de ser inocentado, algo que Bond não poderia permitir, não sabendo o que o culpado poderia provocar e o que tinha provocado.
Que mundo eles pensavam que estavam vivendo? Armas sendo vendidas em todos os cantos do mundo; drogas dominando governos e destruindo sociedades e finalmente o terrorismo, este fantasma que vagava por qualquer lugar, assombrando qualquer país e ainda tinha o Afeganistão, o Iraque, o Irã, os planos secretos da Rússia e o caos africano, o mundo estava longe da paz.
Um pensamento o fez sair de perto da janela: E se desse tudo errado? Ele acabasse sendo suspenso ou condenado a algum serviço interno de inteligência? Conseguiria suportar isto por quanto tempo? A suspensão pelo menos era por um tempo determinado, mas o trabalho interno, para quem já foi um agente de campo e gostava disto, era uma tortura; servir de suporte quando você mesmo poderia estar fazendo sem precisar de ajuda era algo que mexia com os nervos; Bond era grato por todos os funcionários que trabalhavam no suporte e forneciam informações e materiais necessários para suas missões, tinha um verdadeiro apreço por eles, mas isto não significava que ele queria ser um deles.
Repassando a última missão, talvez pela centésima vez, estava certo que não cometera erros, fora um trabalho difícil mesmo e o que aconteceu de extraordinário, o que realmente poderia ter trazido algum prejuízo à coroa, ele cuidou para que não acontecesse; matou quem tinha que matar, quem seria condenado, não houve inocentes perdidos, por ele não, lembrou-se de Eleonor e de novo prometeu a si mesmo que, assim que pudesse, iria atrás dos responsáveis.
“Malditos burocratas!”
Em que mundo eles vivem? Da política do Parlamento? Dos jantares? Parecia que a única coisa que existe era a ilha e o resto do mundo era o resto do mundo e quando alguma coisa era relacionada ao seu país, isto era algo como um ato de lesa-majestade; será que eles queriam mais atentados em Londres?
Uma dor em sua perna o fez lembrar-se de seus últimos ferimentos, o tratamento era gratuito, mas não recebia nada mais por isto em seu salário, fazia parte do pacote de ser alguém para missões onde havia permissão para matar. Um risco, que o médico prometera que desapareceria em breve com os novos medicamentos no mercado, fora resultado de uma luta contra três homens que ele conseguiu vencer tendo a certeza que isto se devia ao fato de dois deles não serem bons lutadores; na altura dos ombros um tiro viera rasgando a carne do ombro direito ao esquerdo, não muito profundo para matá-lo, mas o suficiente para provocar uma dor constante, era mais uma cicatriz que desapareceria; na altura das costelas estavam vários pontos de duas facadas e seu lado esquerdo estava marcado por estilhaços, o ombro esquerdo deslocado ele mesmo colocou no lugar, foi muito dolorido, mas na hora ele precisava dele no lugar se quisesse permanecer vivo.
Recuperara trezentos milhões de Euros.
Duas ogivas nucleares.
Acabara com uma organização que abastecia de armas as várias guerrilhas espalhadas pela África.
Desvendara a hierarquia de outra organização de traficantes de armas e o que mais pusessem as mãos e que agora estavam sendo monitorados e ele agora estava sob inquérito porque alguma notas saíram em um ou dois tabloides sensacionalista que inspiravam os adeptos de fantasias e teorias conspiracionistas; não dava para controlar tudo, ainda mais em um mundo onde com um celular que não precisa de ser de última geração, pode captar uma imagem e em questão de segundos lançar a notícia em alguma rede social ou blog ou site estúpido que poderia ser visualizado por todo o mundo.
Com alguns passos de rancor ele voltou para a mesa e esvaziou o seu drink e serviu-se de uma dose de vodka pura tomando-a antes que o gelo contaminasse o sabor da bebida, em seguida sentou-se resignado e tirou outra baforada do cigarro que estava no fim; a fumaça perambulou pelo ar e se dissipou.
Pelo menos estava vivo.
Graças a Q.
Graças ao pessoal do suporte.
Graças ao seu instinto.
Graças à sua experiência.
Graças ao seu treinamento.
Serviu-se de uma dose mais generosa de vodka e fez um brinde de agradecimento a tudo isto que o fizera sobreviver.
O celular tocou, estava sobre a mesa, Bond não queria ficar longe dele, um aparelho Sony modificado pelo setor de Q; a tela mostrava um nome:
Moneypenny.
Era hora de receber uma boa ou uma má notícia.
- Moneypenny? - sua voz era distante.
- Bond, meu querido, você está bem?
- Estou bebendo vodka e fumando um cigarro dos meus prediletos, estou em um apartamento com uma bela vista e estou em trajes que me deixam à vontade, posso afirmar que estou bem.
- Estou sentindo o cheiro de ironia, se eu estivesse aí daria umas palmadas em você.
- Seriam palmadas adoráveis.
- Não me tente, Bond, não mais do que costuma fazer. Preciso te passar duas notícias, na verdade uma informação e duas notícias, uma boa e uma má; a informação é que M está com um mau humor dos piores- Bond pensou se alguma vez vira seu superior realmente feliz ou alegre – qual das notícias quer ouvir primeiro?
- A má, querida, a má.
- A comissão terminou o inquérito e embora não chegaram a uma acusação contra você recomendaram que você passe por avaliação psicológica, psiquiátrica e fique um tempo afastado do serviço de campo.
Era uma péssima notícia, um pesadelo para Bond que já se via trancado em uma sala com pessoas que nunca viram um ferimento aberto, analisando dados em computadores ou em quilos e quilos de papel que seriam passados em uma fragmentadora e depois reciclados.
- Qual é a boa notícia? Espero que valha a pena depois desta.
- M quer você aqui dentro de quarenta minutos, ele disse que tem uma arma e uma missão e perguntou se você estaria interessado.
- Chegarei rápido.


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