Entre Nós escrita por Aline Herondale


Capítulo 12
Bem Vindo, Fantasma


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo! Bom, não tenho o que escrever aqui então vou pedir: comentem me contando o que acharam! É importante.
Musiquinha aqui: https://www.youtube.com/watch?v=pyvBhY3Ydis



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“levamos a culpa por sermos

frutos de nós mesmos

somos a fruta proibida

dos nossos próprios desejos”




O relógio marca quinze para as oito, e nem todos os integrantes da família Heavenlly tomaram café da manhã. Apesar de Ange e Theo insistirem delicadamente para seus irmãos mais novos comerem, Ammon ainda não apareceu, Mouse está comendo de cueca, Willa não tem meias limpas e está se queixando disso.

Ange pega o uniforme de Mouse e o obriga a se vestir na cozinha, enquanto dá goles de café da sua xícara. Theo vai procurar as meias de Willa e Ange escuta-o esmurrar a porte de Ammon, avisando aos gritos que ele vai se dar mal se receber outra advertência por chegar atrasado.

Mouse e Willa estão falando ao mesmo tempo, o café da manhã já esquecido, encantados com a notícia de que um parque de diversões será montado na cidade. Ange não sabe onde ouviram isso mas guarda mentalmente a ideia de levá-los lá, num final de semana.

— Gente, temos que sair em cinco minutos. Vocês acham que conseguem comer mais rápido? Se não vamos nos atrasar.

— Sim, sim sim! - Willa grita e começa a enfiar mais sucrilhos do que comporta na boca. Mouse faz o mesmo e balança as pernas nuas. Ange se agacha para calçar seus tênis e nisso Theo entra na cozinha com as meias de Willa. Ammon vem atrás, de semblante fechado.

— Aqui. - Theo entrega as meias limpas a irmã gêmea que começo a tirar as velhas de Willa.

— Você tem que comer alguma coisa. - insiste Theo para Ammon. Ele se recusa a comer novamente. - Você ainda está em fase de crescimento.

— Não, valeu mesmo. - Responde Ammon de modo bastante sarcástico. - Prefiro comer qualquer coisa na rua do que esse sucrilhos velho.

— O sucrilhos ‘ta’ velho? - Willa pergunta de repente.

— Não, não. O Ammon está em fase de encolhimento! - Mouse cai na gargalhada.

— Cala a boca, seu merdinha.  

— Theo! Ammon me chamou de merdinha!

Willa se engasga com sucrilhos demais e começa um ataque de tosse. Ange deixa de lado sua torrada e corre para socorrer a irmã.

— Ammon não chama o Mouse disso. E faz o favor de parar de xingar na frente dos pequenos. - Ange percebe uma rachadura no autocontrole de Theo e fita o relógio. Ele precisa mesmo sair.

Theo está passando manteiga numa torrada, e a coloca no prato de Ammon. Ele ainda tenta convencer Ammon a tomar café, mas ele continua esparramado na cadeira, a cabeça jogada nos braços. Willa respira mais devagar e Ange olha novamente o relógio e conta os minutos, ponderando e fazendo contas de quanto tempo mínimo tem para fazer as coisas, o que consegue fazer e quanto tempo precisa para chegar na escola, à tempo de entrar na sala de aula.

Theo esbarra em Ange no meio da cozinha e ela o tranquiliza.

— Pode ir. Dou um jeito de levá-los a tempo para a escola. E Ammon não vai faltar hoje.

Theo olha para a irmã, estático, e aperta seu braço em agradecimento. No mesmo segundo sai apressado pela sala, pegando o blazer, a carteira, as chaves e a mochila e dispara porta a fora, correndo pela rua vazia.

Chega à escola segundos faltando segundos para a prova começar.











A campainha do almoço toca e Theo é um dos últimos a se levantar da carteira. Enquanto vai passando por fileiras e mais fileiras de alunos, sente todos pararem seu olhar sobre ele. No começo, quando entrou na escola, tentaram puxar conversa. E ele também. Tentou mesmo.

As meninas sempre foram as piores, principalmente hoje em dia. Se esforçam mais, são mais persistentes. Elas o paqueram, tentam fazê-lo sorrir - como seu tivesse motivos para fazê-lo a todo momento. Algumas são até bem-intencionadas. Mas Theo sempre estava com a matéria atrasada, com mais dúvidas do que certezas e muitas, muitas perguntas para a próxima aula. Sem contar que vez ou outra Ange trocava o local onde lanchava, e ele precisava procurar por ela na escola inteira. Até descobrir que do terraço poderia encontrá-la aonde quer que ela estivesse. Ele não era um stalker, mas ninguém mais sabia dos ataques de pânico que Ange tivera no início do ano letivo, quando tantos caras chegavam para conversar com ela. Eram vários ao longo da semana, horríveis. E a cada vez ele inventava uma alergia, uma asma, fobia e etc. Nada sério demais e sempre com a promessa de que contaria ao pai quando chegasse em casa, de que a escola não precisava ligar para Graydon. Hoje ele entendeu que Ange também tem seus pontos fracos. E apesar de estar mais para pedra firme, porto seguro, às vezes ela se tornava água mole. Theo não podia abandoná-la.

Ele localiza uma cabeleira peculiar no refeitório e encontra uma mesa vazia próximo. Ange dá uma espiada na menina que está ao seu lado falando pelos cotovelos, e então revira os olhos. Theo sorri.

Enquanto ela come as garfadas do cozido aguado de carne com batatas, finge prestar atenção ao que a amiga Francie está dizendo. Theo lança olhares furtivos à ela, inventando mil caretas para me fazê-la rir. O que quase funciona.

Theo repara que sua camisa branca do uniforme está maior, por conta do constante emagrecimento, e para fora da saia cinza, vários centímetros mais curta. Ela está com o tênis da aula de educação física porque não sabe onde deixou os sapatos. Está sem mais, e tem um Band-Aid na lateral do joelho direito, por conta de um arranhão que Mouse acidentalmente fez nela.

De repente Theo percebe que Francie está olhando para ele e acenando. Ele responde e se levanta da mesa.











No recreio, sento no lugar de sempre - no terraço - durante a tarde, vendo a luz quente do sol pouco a pouco se mover ao longo dos prédios, quando passos me assustam. Cravo os olhos no exemplar de Romeu e Julieta que preciso reler. Ao meu lado, os passos diminuem e eu sinto minha pulsação acelerar.

Alguém passa na minha frente, e os passos cessam.

— Oi! - Exclama uma voz de menina.

Levanto a cabeça e encontro os olhos negros de alguém que estava com Ange algumas horas atrás. Ela está olhando para mim com um sorriso de mil dentes.

— Oi. - Repete.

— Oi. - Murmuro.

Seus olhos estão fixos em mim, e ela parece esperar mais alguma coisa.

— Romeu e Julieta - comenta, dando uma olhada no meu livro. - Já não tem um milhão de filmes desse livro?

Faço que sim com a cabeça.

— É bom? - A determinação dela de puxar conversa é impressionante. Faço que sim novamente e volto a ler, não antes de olhar rapidamente para onde Ange está. Ela continua lá. - Meu nome é Francie. - Informa, ainda com um largo sorriso.

— Theodor. - Respondo. Só minha família me chama de Theo.

Ela levanta as sobrancelhas, sugestiva.

— Eu sei. Angeline fala de você o tempo todo.

Não há nada de sutil nessa menina. Os cabelos crespos e a pele morena contratam com o batom rosa e as argolas douradas enormes.

— Você sabe quem eu sou, não sabe? Já me viu com a sua irmã, né?

Faço um aceno. Estou louco para ficar de pé, ir até a grade. Ou terminar de ler o livro. Eu precisava mesmo terminar esse livro antes de chegar em casa ou não terei mais tempo.

Francie olha para mim, pensativa, com um sorrisinho. Ela parece estar mais curiosa do que achando graça.

— Você não muito de falar, né? As pessoas dizem que eu nunca paro de falar. - Continua despreocupada. - Acham isso um saco.

— Bom, tenho um recado para você. Da sua irmã. - Declara ela de repente.

Imediatamente fico atento.

— Que recado?

— Não é nada sério. - Ela se apressa em dizer. - É só que os seus irmãos vão comer no McDonald’s com o seu pai, hoje à noite. Ele chega hoje.

Por um momento um choque atravessa meu corpo e sinto vontade correr imediatamente até onde Ange está. Como ela ficou sabendo disso? Ammon mandou mensagem? Tem certeza de que Graydon vai pegar pequenos? Willa não pode comer muita batata frita.

— A Angeline quer que você encontre com ela perto da caixa de correio na fim da rua depois da aula.

— A Ange pediu a você para vir até aqui me dizer isso? - Pergunto, confuso porque Ange nunca foi de mandar recado para ninguém.

— Bom, não exatamente. Ela estava tentando te mandar uma mensagem, mas aí ficou sem tempo porque teve que terminar um trabalho, e eu achei que podia vir eu mesma dar o recado. Ajudar, sabe.

— Valeu. - Agradeço e torno a ler o livro. Não sobrou muito tempo.

— E…eu também queria te convidar para lanchar comigo e com a Angeline no Smileys, já que vocês dois não têm que voltar correndo para casa.

Fico olhando para ela, mudo. Essa garota definitivamente não tem papas na língua e lhe falta um pouco de senso.

— Isso é um sim? - Ela me dá um olhar esperançoso.

Penso em Ange e na oportunidade de nós dois fazermos algo juntos e diferente de cuidar dos pequenos. Além do que não posso garantir de que eu deixar de ir nesse ‘lanche’, Ange deixará de ir também. E algo que diz que Francia não é o tipo de pessoa que lancha com apenas duas pessoas...

— Tá, tudo bem.

— Legal! - Seu rosto de ilumina. - Te vejo perto da caixa de correiro depois da aula!

E vai embora tão rápido quanto chegou.

Quando toca a última campainha, arrumo a mochila e sou um dos últimos a sair da sala. Ange e Francie estão paradas perto da caixa de correio do fim da rua, falando pelos cotovelos, seus olhos dourados observando a multidão de passantes. Preciso de toda a força de vontade do mundo para não pegar minha irmã pelo braço e tirá-la do lado daquela maluca, mas a expressão de expectativa no rosto de Ange me força a seguir em frente e esperar. Talvez ela esteja bem, afinal. Se veio e está aqui é porque quer e porque consegue.

Já está na hora desse medo ser superado, ela diria. Um sorriso de alegria se abre em seu rosto quando me vê.

— Pensei que não fosse aparecer. - Sussurra.

— E te deixar sozinha? Nunca. - Sorrio de novo.

— Vamos lá, gente! - Exclama Francie depois de um momento de silêncio. - Vamos ao Smileys ou não?

— Claro. - Diz Ange, e ao se virar para seguir a amiga, sua mão roça a minha num gesto de incentivo...ou talvez de agradecimento. Estremeço sem saber o motivo.

Dessa vez o Smileys ainda etá vazio e sentamos numa mesa redonda perto da vitrine.

— Vocês querem comer alguma coisa? - Pergunta Francie. Olho para Ange, que balança a cabeça.

— Que tal a gente rachar uma batata recheada? Estou louca para tomar uma Coca! - Sugere Francie.

Ange se inclina no assento para tentar chamar a atenção de um garçom, e Francie se vira para mim. Quando vejo o cara uniformizado se aproximando, rapidamente olho para Ange e percebo sua luta em manter as mãos firmes, apesar de tremerem tristemente. Ela não tira os olhos do menu em momento algum e quando o homem vai embora, vejo-a respirar fundo.

— E aí, está ansioso para dar o fora da escola? - Francie pergunta, sorrindo para mim. - Você é que tem sorte. Só mais um ano e vai ficar livre desse inferno.

— Ange também. - Lembro-a. Francie ignora meu comentário e continua.

— E para aonde vai?

Levo um minuto para perceber que ela vai mesmo ignorar o fato de Ange ser minha irmã gêmea, que ambos faremos dezoito anos e que ela está sentada ao seu lado, muda, por Francie está totalmente de costas para ela. Francie só trouxe Ange como desculpa para eu não lhe dar bolo.  

De repente, há uma movimentação na porta. Francie se vira na cadeira e eu identifico um grupo de alunos da Escola pelo uniforme.

— Ei pessoal! - grita Francie. - Aqui!

Eles avançam fazendo o maior auê, e reconheço duas meninas da roda de amigas de Ange, um menino de uma turma da série acima e Christopher, o cara da aula de química. Eles trocam cumprimentos e tapas nas costas, juntam duas mesas e puxam cadeiras. Até Maisie apareceu.

Ange é jogada para a outra ponta e um rio de pessoas ficam entre mim e ela.

— Heavenlly! - exclama Christopher, sorridente, setando ao lado da minha irmã, olhando de mim para ela. - Que diabos vocês estão fazendo aqui?

— Ele está com a gente! - exclama Francie. - Isso é algum crime por algum acaso? Ele é irmão da Angeline, dãr. Você não sabia?

— Sabia, difícil alguém não perceber a semelhança. Só não achava que encontraria a Angeline ou o irmão por aqui. - Não há qualquer maldade no riso de Christopher, eu acho, apenas curiosidade sincera, mas agora todo mundo está olhando para mim e Ange. Duas meninas estão cochichando e Christopher falou alto o suficiente para os caras da mesa de trás olharem para trás o logo notaram Ange. Agora não param de olhar para ele e percebo outros dois se levantarem e caminharem até nossa mesa.

— Theodor Heavenlly aqui? Uau, porque não me avisaram que teríamos um convidado de honra?

— Honra? - Francie perguntou franzindo as sobrancelhas. Se era uma piada, ninguém entendeu.

— Maisie, por favor… - Ange pediu num tom fraco, mas audível. Ela olhou para minha irmã e lhe deu um abraço, me ignorando e fingindo que nada tinha acontecido.

Francie faz as apresentações mas embora eu possa ouvir as vozes, não consigo me concentrar no que dizem para mim pois vejo minha irmã, do outro lado da mesa, afastar a cadeira para longe de Christopher e em seguida um carinha sentar do outro lado dela, encurralando-a. Uma tal de Emma sentou no lugar vago do meu outro lado e está fazendo o possível para conversar comigo. Simplesmente não consigo tirar os olhos de Ange.

Sei que o que ela passou e também sei que já fazem muitos anos, mas mamãe nunca deixou de me lembrar sobre como Ange é delicada e, pelas tristes experiências que passou, Ange nunca mais seria a mesma. Que Ange nunca seria normal. E que eu deveria prestar atenção pois ela nunca deixaria transparecer, mesmo que estivesse desabando, Ange se manteria firme e forte, como sempre foi. Mas não era por isso que eu deveria deixar de estar lá para ajudar.

E a medida que eu ia me lembrando das palavras da nossa mãe eu assistia Ange caminhar para a ponta do precipício. Sem poder fazer nada. Levantar e correr com ela para longe dali? Mentir sobre uma ligação do meu pai, e que precisávamos ir? Fingir que estava passando mal?

Vendo o medo e a repulsa dela aumentar está sendo demais para mim, e eu me sinto imponente, preso, claustrofóbico. Francie toca meu braço e eu levo um susto, coisa que ela parece nem notar. Suas palavras são como martelos batendo no meu crânio. Aperto a têmpora dos olhos e bebo um gole da Coca de alguém, antes de virar o rosto para onde Ange está. E é quando assisto ela desabar.

Ange está amarela, meio verde, e seu cabelo ruivo só faz sua cor destacar. Não tem como não perceber que ela não está bem. E, provavelmente, por esse motivo vejo Christopher levantar uma mão até o rosto de Ange. Tudo fica em câmera lenta, os risos se tornam um murmúrio de fundo, Francie falando comigo, enxergo a trajetória que Christopher fará até encostar na pele da bochecha da minha irmã e Ange entendendo o que ele irá fazer. Tudo acontece em segundos, mas são suficientes. Ainda em câmera lenta Ange levanta seus olhos encontram os meus, por acaso, e é quando ela empalidece de vez.

Preciso tirar ela aqui.

— Theodor Heavenlly, você está me escutando? - Francie pergunta uma oitava mais auto do que o normal, me fazendo virar o rosto. Ela não está chateada, na verdade para estra achando graça de tudo. Não tenho tempo para essa garota.

— Ei! Angeline! Aonde você vai?! Line! - Escuto várias pessoas da mesa gritarem e quando procuro por Ange seu lugar está vazio e tudo que vejo é um rastro vermelho voando porta a fora.

Pulo da cadeira no mesmo instante e corro atrás dela, pegando minha mochila e blazer de qualquer jeito, driblando as cadeiras.

— Ei! Trás ela de volta depois! - Alguém grita.

— Já vão tão cedo. - Infelizmente escuto Maisie murmurar. Só o que posso fazer é inspirar fundo e ignorá-la.

O pânico me preenche quando vejo Ange já a metros na frente, meio correndo, meio andando. Ela está desesperada. Entrou em pânico.

Quase acerta um bicicleteiro e eu começo a correr atrás dela, estendendo as mãos para fazer os carros pararem. Quase me atropelam mas entro na calçada antes e continuo a correr. Ela dobra numa esquina e quase a perco quando entra num beco, até que consigo me aproximar o bastante para gritar. Mas então a vejo curvada sobre uma lata de lixo da rua, vomitando o almoço.

— Ange! - Corro até onde ela está, e me apresso em pegar as mechas do seu cabelo que caem. Ela urra violentamente e depois cospe. Sua mochila e blazer estão pendurados no seu ombro. Os coloco no chão, bem longe, e esfrego as costas da minha irmã.

Ela se vira de uma vez, me empurrando e limpando o canto da boca com a manga da camisa do uniforme, os olhos vermelhos. Ela está triste.

— Porque você está aqui? - Pergunta e me surpreendo ao ver que está com raiva. - O que você está fazendo aqui?

Pego sua mão.

— Ange...espera… - tento começar uma frase mas estou sem fôlego. Curvo meu corpo e me apoio no joelho com a única mão livre. De repente ela a arranca, se afastando.

— Agradeço pela preocupação, mas não precisava ter me seguido, ok? - Ela também está ofegando. - Por favor, me deixa sozinha. - Ela se vira e cata os materiais do chão.

— Não. Não posso. - Respondo ainda meio sem fôlego.

—  Como assim não pode? Você acha que é meu dono por algum acaso? Eu disse que quero ficar sozinha e você ai me deixar sozinha. - Ela está começando a ficar nervosa.

Respiro fundo algumas vezes ainda em busca de ar.

— Não, claro que não. Que pensamento estúpido, Ange. Mas não posso  te deixar sozinha, você está nervosa.

— Não estou! Por favor, me deixa em paz Theo.

— Ange você está tremendo! Sua mão está gelada. - Digo de modo firme mas tranquilo.Tudo que não quero agora é brigar com ela. Ange sempre foi forte mas isso não significa que as vezes não vacila. Ela só não admite que isso acontece. Ange recolhe a mão que segurei e a esfrega.

— Pode voltar para o Smileys. A Francie está te esperando. Não é certo você sair e deixá-la lá, desse jeito.

— Não. O errado é eu voltar para ficar com a Francie e deixar você. Você sabe que isso não vai acontecer. - Respondo com a respiração já regular. - E ela vai ficar bem. Quero dizer, não vai ficar perguntando nem nada do tipo.

Ange franze minimamente as sobrancelhas.  

— Menti que esqueci meu celular na escola. - Foi a primeira coisa que me veio em mente quando vi minha irmã correndo porta à fora. Ao menos foi isso o que tentei dizer, no calor do momento.

De repente Ange solta o ar num misto de riso e deboche e sussurra:

— Eu também…

Sorrio para ela e passo as mãos pelos cabelos. Ficamos alguns segundos parados, com as respirações erradas. Sinto o vento atravessar meu uniforme e lamber a pele das minhas costas. Arrepio. Tem esfriado nos últimos dias. Ange olha o movimento das ruas e noto que não treme mais e que a respiração está mais lenta. Acho que melhorou. Seu cabelo ruivo está solto - o que se tornou algo raro - e dança à sua volta. Começamos a respirar igual.

— Você está bem? - Pergunto. Ela simplesmente concorda. Inclina o rosto para o céu. Sei que não está mentindo.

— E o que quer fazer?

— Como assim?

— Bom… - começo. - O papai está cuidando dos pequenos e do Ammon, então a gente meio que tem a tarde inteira livre. - Arqueio a sobrancelha, jogando verde.

Ange joga os cabelos para trás e um sorriso ilumina seu rosto, seus olhos se tornando duas moedas de ouro.

— Ah...não sei. Nunca tivemos uma tarde inteira livre antes.

— Então que tal alguma coisa mais simples, tipo pegar um cinema? Faz tempo que não vamos ao cinema.

Ela inclina o rosto para o céu mais uma vez.

— O que está pensando? - Pergunto.

— Que deveríamos aproveitar esse sol enquanto o verão ainda não acabou.

— Tudo bem então, você escolhe.

— Vamos caminhar. - Diz ela.

— Caminhar?

— É. Vamos pegar um ônibus para o Centro e dar uma olhada nas lojas, passear na beira da praia e ver as casas dos ricos.

Concordamos e partimos para o ponto.

Não falamos sobre o que aconteceu. Não precisa. Ela sabe e eu sei. Sabemos que Ange sempre terá pavor de caras que não respeitam o seu espaço, e sempre que um tentar invadir ela vai desmaiar ou vomitar tudo que comeu naquele dia. E que, para melhorar, tudo que precisa é tomar um ar, se afastar e esperar a pressão subir. No fim foi bom ela ter saído correndo. Bom para nós dois. Não aguentava mais aquela Francie me enchendo de perguntas.

Descemos em frente a um posto de gasolina, onde Ange decide parar para usar o banheiro. Ela compra um enxaguante bucal e eu preciso comprar um picolé para que o dono da conveniência lhe dê a s chaves do banheiro.

Depois caminhamos sem rumo certo.


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Notas finais do capítulo

CADE MINHA RECOMENDAÇÃO? NÃO DEMORA NADINHA... ♥