As duas semanas que se seguiram na Resistência foram mais tranquilas, apesar de Julia continuar a reclamar que os treinamentos da Resistência priorizavam a força física e não o raciocínio lógico.

Com o tempo, Alex e Julia fizeram as pazes, e ambos já não sentiam mais raiva do papai (se é que alguma vez Julia já chegou a sentir). Kamila havia melhorado muito nos treinamentos e se sentia bem mais confiante. De vez em quando, era possível ver algum dos outros novatos da Resistência olhando para ela. Sempre que isso acontecia, ou eu ou Alex retribuíamos ao novato com um olhar que dizia mais ou menos: “Se tocar na nossa irmã, a gente mata você”.

_Vocês tem que parar com isso._ Reclamou ela, um dia. _Eu gosto desse tipo de atenção.

_Não podemos evitar._ Retrucou Alex. _Somos seus irmãos.

A verdade é que estávamos nos divertindo com aquilo. A maioria dos novatos evitava ficar perto de nós durante o treinamento.

Um dia, ao invés de acordamos apenas cum um lecionador na porta, acordamos com um lecionador e um soldado. Isso causou um falatório por algum tempo, mas o soldado silenciou a todos apenas pigarreando.

_Muito bem._ Falou o soldado. _Vocês todos estão chegando na fase final do seu treinamento. Estão a poucos passos de se tornarem membros oficiais da Resistência.

O clima de ansiedade e entusiasmo era quase palpável.

_Hoje vocês vão treinar com as pessoas da função que escolheram.

O falatório recomeçou. Isso significava que eu e Alex iríamos ser treinados por outros soldados. Alex olhou pra mim com um sorriso estampado no rosto.

O soldado calou a todos mais uma vez.

_Eu quero as pessoas que escolheram ser soldados façam uma fila à minha frente, e os que escolheram ser lecionadores fiquem à frente do colega ao meu lado.

O lecionador ao lado fez uma careta, logicamente não gostando de ser chamado de “colega”.

Obedecemos ao soldado, e quando todos estavam arrumados nas filas, o soldado e o lecionador pediram para que suas filas os seguissem. A fila de soldados e a fila de lecionadores foram para lados diferentes, a de lecionadores ficando ainda no segundo andar, enquanto a de soldados desceu as escadas. Em pouco tempo, estávamos na sala dos soldados.

A sala dos soldados era também o arsenal da Resistência. Havia todos os tipos de armas, desde espadas a metralhadoras, e ainda um (lindo) lança-chamas. Todos os soldados tinham cicatrizes nos rostos ou nos braços (eu imaginei que havia mais cicatrizes, mas deviam estar escondidas debaixo do uniforme da Resistência). Eu não consegui ver meu pai, mas não me surpreendi por isso. Por ser um general, papai geralmente ficava muito próximo ao Marechal.

_Senhores soldados._ Cumprimentou o homem que nos conduzia.

_Senhor coronel._ Responderam os soldados.

_Acho que todos sabem o que vai acontecer nessa semana.

_Sim, senhor._ Eu devo dizer que fiquei admirado com o modo como os soldados falavam em uníssono.

_Ok. Ouçam, então, vocês, novatos. Na próxima semana, dois de vocês vão acompanhar dois soldados numa patrulha. No final da semana, que se der bem via entrar na Resistência como membro oficial. Quem não se der bem, vai ter que recomeçar o treinamento.

De novo, a ansiedade era quase palpável.

_Alguém aqui não entendeu?_ Perguntou o coronel. Ao silêncio de nossas vozes, ele deu às costas a nós. _Hansome, Renne.

Um soldado e uma soldada deram um passo à frente. O soldado tinha os cabelos muito negros, e olhos ainda mais negros, e tinha uma pele bronzeada. Devia ter 17 anos. Tinha poucas cicatrizes e um olhar brincalhão. A soldada eu conhecia. Era Lívia, a filha de Nora. Ela tinha cabelos negros e olhos cinza bonitos e profundos. Era uma cabeça menor do que eu e Alex. Eu sempre tive certa queda por ela (não sei se deixei isso óbvio). Eu não sabia se Alex também tinha aquele sentimento.

_Hansome, Renne._ Eu não sabia por que o coronel os estava chamando daquele jeito. O sobrenome de Lívia não era Hansome. _Vocês vão escolher dois desses novatos para fazer uma patrulha com vocês hoje. Por favor, façam suas escolhas.

Lívia e “Renne” olharam para todos os novatos, e seus olhares se prenderam em mim, e em Alex. Eles apontaram pra nós e o coronel olhou pra gente, deixando transparecer um olhar de surpresa sarcástica.

_Os filhos de General Linz._ Falou o coronel. _Se aproximem.

Eu e meu irmão obedecemos.

_Vocês farão a primeira patrulha._ Explicou ele. _É bem simples, só sigam as instruções de Renne e Hansome, e vão se dar bem. Vocês vão ter meia hora pra se preparar psicologicamente.

Eu franzi a testa, com uma pergunta na cabeça: “Esse homem está nos escrevendo uma sentença de morte?”.