Uma tarde especial escrita por Dracule Mihawk


Capítulo 1
Uma tarde especial - Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Olha, eu queria muito escrever sobre meu OTP de Bleach. Sério, juro. Amo Ichihime e esta foi a forma que encontrei para homenagear este casal que adoro demasiadamente.

Infelizmente, porém, não há tantas histórias deles aqui no Nyah!, o que é uma pena... Torço para que, um dia (quem sabe?), essa história mude. Até lá, serei um dos poucos a escrever sobre eles.

Espero que gostem. Boa leitura a todos. o/



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Não havia nada mais prazeroso do que ter a tarde livre graças a um recesso de aulas somado à folga do trabalho. Fazer as coisas que mais gostava, comer os pratos que considerava serem os mais saborosos — sendo estes completamente diferentes da merenda escolar —, ir aos lugares preferidos, ou até mesmo ficar em casa; para Ichigo Kurosaki estaria de bom tamanho, ele se sentiria feliz e satisfeito.

Infelizmente, nada do que ele planejou pôde ser concretizado.

— Ichi-nii, vamos comprar algodão-doce, vamos! — pediu Yuzu, puxando a pesada mão do irmão mais velho, que se deixou guiar como um morto-vivo; estava desgostoso por estar ali.

— Você deveria disfarçar essa sua cara. A Yuzu não teve culpa, Ichi-nii. — Karin Kurosaki, a outra irmã de Ichigo, lhe cochichava enquanto andavam; Yuzu, mais adiantada, nem prestava atenção nos dois irmãos, pois o foco era o algodão-doce. — Foi o papai que te mandou cuidar da gente, se esqueceu?

— O velhote, infelizmente, me mandou trazer vocês duas no parque, pra falar a verdade.

— Por quê? Digo, ele poderia ter feito isso, certo? Afinal, ele não vai atender na clínica hoje. — Karin se virou para o irmão.

— Poderia, mas não iria rolar — resmungou Ichigo.

— E por que não?

— Porque o velho, neste exato momento, está fazendo exatamente o que eu queria fazer durante a tarde inteira: nada.

— Tsc. Vocês dois são mais parecidos do que imaginam. — Karin balançou a cabeça.

— Ichi-nii! Karin-san! Olhem só quem está aqui! — A voz de Yuzu foi o que fez Ichigo e Karin pararem de conversar e se voltarem para frente. Yuzu sorria de satisfação; Karin também; Ichigo abriu a boca e, trêmulo, apontou para as duas pessoas que encontrara.

— Rukia! Renji!

E ali estavam eles realmente, Rukia Kuchiki e Renji Abarai, usando roupas normais, parecendo pessoas normais, e não os mantenedores do equilíbrio do mundo espiritual, os Shinigami.

— E aí, Ichigo, beleza? — Renji sustentava o típico sorriso arrogante. Ele não estendeu a mão para cumprimentar o companheiro, pois, apesar de amigos, Renji e Ichigo tinham certa rivalidade entre si.

— Rukia-neesan! — E Yuzu correu para os braços de Rukia, que a abraçou.

— Como vai, Yuzu? — A Shinigami olhava afetuosamente a pequena Kurosaki antes de, por fim, levantar os olhos para o irmão dela.

— Surpreso em me ver, Ichigo? — desdenhou Rukia; Ichigo ainda estava boquiaberto.

— O que vocês estão fazendo aqui? — Ichigo, finalmente, despertara do transe.

— Viemos ao parque, oras. — Rukia sacudiu os pequenos ombros como se a resposta fosse óbvia. — Não é verdade, Renji?

— Não foi isso o que quis dizer! — retrucou Ichigo. — Quero dizer, vocês dois são tenentes! Não deveriam estar na Soul Society?

— Tá vendo, Rukia? Depois que conheceu aqueles Fullbringers de merda ele nem quer saber mais da gente. Só ficou feliz quando salvamos a pele dele, mas depois...

Há duas semanas Ichigo havia reencontrado os velhos amigos da Soul Society: Rukia e Renji, além de Byakuya Kuchiki, Kenpachi Zaraki, Toushirou Hitsugaya e Ikkaku Madarame. Nesta mesma ocasião, fora salvo do Fullbring Ginjou Kuugo e seus aliados, bem como recuperara os poderes de Shinigami.

— Não é que eu não esteja feliz em ver vocês, caramba, é só que...

— Tá, tá bom, nós entendemos! — Renji revirou os olhos, entediado. — Não precisa fazer cerimônia.

— Ichigo — Rukia o chamou, a voz mais séria do que antes —, precisamos conversar. Você e eu, a sós.

Ichigo corou e prendeu a respiração. Desejaria tudo, menos trabalhar como Shinigami naquela tarde nem nada do gênero.

— Sobre o quê?

— Ora, que parte de “a sós” você não entendeu, idiota? — ela disse ríspida, exatamente como Ichigo a conhecia. Ele se sentiu mais à vontade.

— O.K., eu vou — falou Ichigo no tom de tédio que lhe era costumeiro.

— E-ei, Rukia! E quanto a mim? — perguntou Renji.

— Cuide da Karin e da Yuzu, Renji. Leve-as para... — Rukia parou pensativa — para... aquela coisa que anda sem controle e bate uma na outra, é... Qual é mesmo o nome daquilo?

— E eu que vou saber? — Renji sacudiu os ombros, igualmente confuso.

— Carrinho bate-bate — murmurou Ichigo.

— Isso! Vá com elas, Renji! — ordenou Rukia antes de tomar o braço de Ichigo e guiá-lo para longe. — Ichigo, vem comigo!

Rukia arrastou o braço do companheiro, deixando para trás duas meninas Kurosaki e um Renji Abarai que, inutilmente, resmungava “Caminho taque-taque, não... Carrinho taque-taque, argh! Qual era mesmo o nome daquela coisa?”.

Ichigo, já bem longe das irmãs e de Renji, sentia-se impressionado. Rukia parecia se guiar perfeitamente pelo parque de diversões. Pelo que sabia, ele nunca a havia levado em tal lugar no período em que ela morara no armário dele. Era incrível vê-la desviar-se para esquerda e direita como se frequentasse aquele ambiente há anos.

— Ei, Rukia, onde estamos indo?

— Cale a boca, idiota!

Ela parou abruptamente, pegou algo dentro da bolsinha branca em forma de coelhinho — um suco de caixinha —, abriu-o e levou o canudo à boca.

— Eu finalmente aprendi a beber isso — disse ela após sugar um pouco do líquido.

— Aham, certo... — Ichigo vasculhava ao redor, procurando qualquer coisa que fizesse Rukia chamá-lo ali. Sem encontrar nada, ele perguntou mais uma vez: — Rukia, afinal, o que diabos estamos fazendo aqui? O que você queria falar comigo?

Rukia demorou a responder, estava concentrada demais saboreando o suco de caixinha. Ela, por fim, terminou de beber, amassou a caixa e a arremessou perfeitamente em uma lixeira há um pouco mais de um metro dali.

— Você não percebeu, Ichigo?

— O que eu exatamente deveria perceber? — perguntou intrigado.

— Lerdo como sempre...

Rukia ergueu o braço e segurou o queixo de Ichigo com força, girando a cabeça dele para a esquerda.

— Ali no banco, depois da fonte, idiota!

Ichigo demorou a perceber, mas, por fim, encontrou-a.

Estava sentada graciosamente sobre um dos bancos de madeira. Os cabelos ruivo-claros, quase da mesma cor dos alaranjados de Ichigo, desciam sobre os ombros dela; as presilhas azuis em detalhe. Os olhos cinza desviados para baixo, fixos no celular. Era difícil encontrar Orihime Inoue separada da melhor amiga, Tatsuki Arisawa, mas ali estava ela, Inoue, sozinha num banco de parque.

— Vai lá e fale com ela! — ordenou Rukia.

— Hã? — Ichigo demorou um pouco para assimilar a informação. — Ei, ei... mas como assim?

— Inoue está lá sozinha, oras! Vai lá e fale com ela!

— Mas por quê? — perguntou Ichigo, estupefato. — O que eu deveria falar com a Inoue?

— Ichigo, você sempre teve sérios problemas para perceber o óbvio... — Rukia revirou os olhos, desacreditada.

O rapaz se voltou mais uma vez a olhar de longe para Orihime. O casaco branco dela, assim como o dele, estava entreaberto. Por baixo, Inoue usava uma blusa preta de seda. Ichigo nunca havia parado para prestar muita atenção na amiga. Ela estava bem bonita, muito bonita, pensou Ichigo. Do lugar em que estava sentada, Orihime suspirou e ergueu os olhos cinzentos, como se procurasse algo ao redor. No momento em que ela se mexeu, Ichigo percebeu o par volumoso de...

— Ichigo! — chamou Rukia, um pouco impaciente. — Vá logo!

O garoto, reconcentrando-se, virou-se para Rukia, que batia o pé, os braços cruzados.

— Tá, eu vou... — Deu dois passos à frente, mas parou em seguida. — Por que você não vem também, Rukia?

— Não posso.

— Não pode? Por quê?

— Porque... — ela consultou o relógio de pulso, também com detalhes de coelhinho — Porque devo voltar à Soul Society agora, oras — mentiu.

— O quê? E minhas irmãs? — Ichigo sobressaltou-se, surpreso. Rukia não demonstrou a própria satisfação, Ichigo engolira a mentira deslavada dela; ele era tão ingênuo, tão idiota.

Eu devo voltar para a Soul Society, Ichigo. O Renji vai depois de mim. Não se preocupe com suas irmãs.

— Mas...

Rukia não quis discutir mais com ele. Deu-lhe as costas e o deixou sozinho.

“Voltar para a Soul Society, tsc”, resmungou Ichigo com seus botões.

E assim, Ichigo se pôs a andar. Por alguma razão ele se perguntava se estava indo de encontro a um prêmio especial ou, como um cordeiro, ao matadouro.

— Boa tarde, Inoue — saudou Ichigo, um pouco sem jeito.

Aquela voz. Orihime se virou o mais rápido que pôde para constatar se era verídico o que ouvira ou se era apenas uma distração da própria imaginação.

Era verdade, ele estava lá. Ichigo Kurosaki estava ali, diante dela.

— O-oi, Kurosaki-kun! Como vai? — O rosto de Orihime se iluminou, o sorriso estava radiante, e Ichigo notou. As bochechas dela levemente coradas. — Boa tarde!

— Eu posso me sentar, Inoue?

— Claro! Pode, sim! — A garota se afastou um pouco para a esquerda, permitindo que Ichigo se assentasse ao lado dela. Assim o rapaz fez.

Não demorou ao típico silêncio constrangedor envolvê-los. De um lado, Orihime Inoue — ansiosa, tímida, uma garota apaixonada que esperava qualquer iniciativa vinda do amado, por mais ínfima que fosse; do outro, Ichigo Kurosaki — sem ação, desnorteado, inexperiente em conversas particulares com garotas. “Seria aquilo um encontro?”, pensou Ichigo. Ele e Inoue, sozinhos em um parque, com roupas que até combinavam. Ah, o destino, a sorte, o azar, ou seja lá o que era aquilo parecia estar zombando dele.

Tomando toda a coragem que havia em si, Ichigo se virou para Orihime, que estava a observá-lo, curiosa, com aqueles olhos cinzentos e bonitos.

— Então, é... — ele começou.

— Você veio com suas irmãs? — ela falou exatamente na mesma hora que ele; embolaram-se na tentativa fracassada de romper o silêncio.

— Hã? Minhas irmãs? — Por cavalheirismo, Ichigo preferiu deixá-la falar. E talvez isso também o ajudasse a pensar no que dizer.

— Sim. Eu acho meio estranho o Kurosaki-kun vir aqui em um parque de diversões por vontade própria. Digo, isso não combina com você, Kurosaki-kun. — Ela forçou um sorriso, querendo não parecer grosseira. Ichigo não se ofendeu, até sorriu e concordou com a cabeça.

— Eu deveria estar em casa, mas o velho me mandou trazer a Karin e a Yuzu para o parque — resmungou, lembrando-se do ocorrido. — Mas e você, Inoue, por que está aqui?

— E-eu? Bem... — Ichigo estranhou por que uma pergunta tão simples como a dele pareceu desconcertar a colega. Nada disse, apenas a ouviu falar. — Bem, a princípio eu havia marcado de vir aqui com a Tatsuki-chan, mas ela não pôde vir. Tinha aula de caratê no Dojô. Sendo assim, eu vim sozinha...

— Sozinha? Mas por que não ligou para outra pessoa? O Chad ou o Ishida, talvez — Ichigo falou sem pensar.

— Chad-kun? Ishida-kun? Ah, eu me esqueci deles...

Não passou despercebido a Ichigo a forma como a voz de Orihime assumira um tom de desapontamento. Ele não sabia aonde havia errado, mas, de qualquer jeito, amaldiçoou-se introspectivamente.

— Você... se divertiu aqui? Er... até agora, quero dizer — Ichigo tentou tomar as rédeas da conversa para si. Orihime assentiu de forma duvidosa.

— Sim, claro. Encontrei a Kuchiki-san e...

— Espera! Você encontrou a Rukia? Aqui?

— Sim, nós duas ficamos conversando por um tempão. Por quê?

Daí tudo se encaixou na mente de Ichigo Kurosaki. Estar ali com Orihime não fora mera casualidade; Rukia havia planejado um encontro entre os dois há horas ou, conhecendo bem a garota, há dias.

— “Voltar para a Soul Society...”. Tsc, aquela maldita — ele pensou mais alto do que gostaria.

— O que disse, Kurosaki-kun?

— Hã...? Ah, nada! Nada, Inoue! Eu só estava pensando na...

— Na Kuchiki-san, não é mesmo? — adivinhou Orihime. Ichigo se calou, constrangido.

O silêncio de Ichigo foi quase venenoso para a garota. Orihime sentia os próprios lábios tremerem, denunciando-a. Por que, depois de anos, ela ainda alimentava tamanha esperança em algo que sabia que jamais aconteceria? Sempre sentira algo especial por Ichigo Kurosaki, um sentimento tão tímido quanto ela, que, com o decorrer do tempo, cresceu e tornou-se o amargor que lhe preenchia o coração naquele momento.

O amor doía.

Orihime sempre suspeitou que Ichigo e Rukia se amavam secretamente, apesar de o garoto nunca ter expressado sentimentos amorosos para nenhuma menina. Rukia, por sua vez, quando era abordada por tal assunto, sempre negava. Dizia que Ichigo e ela eram apenas bons amigos, nada mais. Agora, questionava-se Inoue mais uma vez: seria verdade? Talvez Rukia não o amasse, de fato, mas e Ichigo? Sentia algo pela amiga Shinigami?

— Ela me pediu para ficar aqui — sussurrou Orihime, voltando os olhos para o chão —, a Kuchiki-san. Ela me encontrou aqui. Nós conversamos bastante e...

— E... Ichigo a encorajou a continuar. Sendo o mais atencioso possível.

Orihime suspirou.

— Bom, ela percebeu que eu estava... me sentindo sozinha. Na hora, a Kuchiki-san se levantou e me pediu para esperar. Disse que voltava em poucos minutos. Depois, você apareceu, Kurosaki-kun, e estamos conversando desde então.

Rukia. O tempo todo. Ichigo poderia pensar e admirar quão astuta fora a Shinigami, mas seus pensamentos o traíam; estavam focados nas palavras, no rosto, em tudo o que significava Orihime Inoue naquele momento. Por mais estranho que fosse pensar por tanto tempo em uma garota, Ichigo não se sentia confortável ao tentar apartar tais pensamentos. Ele queria pensar na amiga que estava ali, desabafando com ele.

E era bom pensar nela.

— Inoue, eu me importo com você.

Houve silêncio. Orihime, ainda com os olhos voltados para o chão, surpreendeu-se com aquelas palavras. Eram simples, mas bonitas. Inoue lutava com a própria vontade. Ela queria ser destemida como Rukia, ser capaz de dizer tudo o que desejava dizer; fazer tudo o que desejava fazer. Tantas vezes pensou em se confessar para Ichigo, tantas vezes havia ensaiado em como abordá-lo e abrir o coração para ele. Tantas vezes desejou concluir aquele ato no quarto dele há dois anos, quando quase o beijara.

E tantas vezes quis beijá-lo. Sonhou estar com ele.

Mas, por algum motivo miserável, ela desejou apenas fugir dali, escapar daquele lugar antes que sua timidez a envergonhasse ainda mais diante do rapaz.

— E-eu preciso ir, Kurosaki-kun. Me desculpe, mas já está tarde... Eu realmente devo ir. Foi bom te ver. Nos vemos amanhã, certo? Até amanhã, Kurosaki-kun — ela falou em um ritmo rápido e envergonhado. Sem demora, a moça se levantou do banco.

— Inoue.

Por que ele teve que chamá-la? Por que ela não conseguiu ir embora? Por que ela parou e respondeu “S-sim?”.

Ichigo também se levantou. Com as mãos nos bolsos, sem saber se o que estava prestes a dizer era ou não o certo, arriscou:

— Eu posso te levar em casa, Inoue?

Mentira, ilusão, surrealidade. Teria Inoue ouvido direito?

— Perdão, Kurosaki-kun...? Eu não...

— Eu posso ir com você até a sua casa? Quer dizer, te acompanhar, sabe. Não quero te... — os olhos de Ichigo tão rapidamente desviavam-se para diversas direções. Todas, menos a que levava ao encontro com os olhos de Inoue. — Te... Sabe, não quero te deixar sozinha — conseguiu concluir a frase.

E os lábios de Orihime se entreabriram timidamente. Surpresa com o que estava acontecendo, ela demorou a responder, fato que deixou Ichigo ainda mais nervoso com ele próprio. Ele não sabia dizer se estava ou não agindo da forma correta. E se estava, não sabia como dar continuidade a boa atuação, uma vez que Inoue não tinha reações de fácil interpretação.

— Inoue, você...

— Pode, pode sim, Kurosaki-kun! Eu fico lisonjeada! — O sorriso que ela deu a ele vacilou por um breve momento. — Mas e suas irmãs?

Em seu interior, Ichigo comemorou; recebera uma resposta positiva. Quanto às irmãs, não era uma questão complicada.

— Elas vão ficar bem. O Renji está com elas. Além disso, a Karin é bastante esperta — assegurou Ichigo.

— O Abarai-kun está aqui também? Eu não o vi.

Ichigo sacudiu os ombros, despreocupado. Andou até estar ao lado da garota e, sorrindo da forma mais simpática que podia, ele a convidou a partir.

Dobraram a esquina lado a lado. Ele falava, ela ouvia e, quando não, ria. Ichigo nunca fora bom em ser engraçado — nem achava que estava sendo naquele momento —, mas ficou muito satisfeito ao ver Orihime achar graça no que ele falava, e ela não parecia rir apenas para agradá-lo; era sincera.

E o sorriso dela era tão bonito, Ichigo mais uma vez se deparou pensando na garota.

— Ela realmente fez isso com você, Kurosaki-kun? A sua patroa?

Ichigo assentiu.

— É. A Ikumi-san fez realmente isso. — Lembrou-se Ichigo do trágico episódio em que sua patroa o prendera.

— Mas quem amarra o próprio empregado no sofá de casa, ainda mais ele sendo menor de idade?

— A Ikumi-san. — Ichigo suspirou.

Caminharam mais alguns metros. Orihime falou:

— O meu patrão é muito gentil comigo. Ele é sempre tão prestativo, sempre me elogia.

— Ele deve ser um cara legal. — Ichigo pôs as mãos nos bolsos da calça.

— Certa vez, ele me pediu para ficar no escritório dele. Disse que queria falar algo a sós comigo...

Ichigo quase tropeçou, distraído.

— O-o quê? Como assim?

— Mas eu nunca pude saber do que se tratava. Ele foi levado à delegacia no mesmo dia. Tenho certeza de que, qualquer que tenha sido a acusação, meu patrão é inocente. Ele é uma boa pessoa.

“Ou um pedófilo”, pensou Ichigo.

— Você é muito inocente, Inoue — comentou Ichigo, com certo desgosto.

— Hum? Por quê?

— Oras, porque... — Ichigo se interrompeu. Talvez não fosse uma boa ideia conversar sobre um assunto tão delicado. — Ah, deixa pra lá. Mas, e as vendas de pão? Estão rendendo?

Orihime sorriu eufórica.

— Estão ótimas, Kurosaki-kun! Agora tenho dois clientes! — Ichigo fez esforço para não extravasar sua opinião a respeito daquele número tão minúsculo. Por pouco ele gemeu desapontado, mas conseguiu se conter a tempo.

— Er... Isso são... boas notícias, não? — falou sem graça.

— Ótimas, na verdade! E estou prestes a criar uma nova receita.

Ichigo engoliu em seco. Já ouvira falar a respeito dos dotes culinários absurdamente estranhos de Orihime Inoue.

— Nova receita? — Ele não acreditou que havia perguntado isso.

— Sim. Bolo de carne moída com recheio de brigadeiro e cobertura de leite condensado. Também estou pensando em jogar algumas pitadas de orégano por cima. Deve ficar bom, né?

Ichigo sentiu o estômago revirar; não de fome, mas de nojo. Imaginou-se, também, casado com Orihime e ela cozinhando para ele todo o dia? Sobreviveria?

“Espera! Eu e a Inoue? Casados? O que diabos eu estou pensando?!”, ele afastou tais pensamentos, balançando a cabeça em frenesi. “Somos amigos! Ela é sua amiga, Ichigo! Sua amiga!”

— Kurosaki-kun, você está bem? Por que está balançando a cabeça? — perguntou Inoue preocupada.

Então Ichigo percebeu o quão idiota estava sendo na frente da garota.

— Estou ótimo, Inoue. Foi só... um mosquito na minha cabeça — disse a primeira coisa que lhe veio à mente. — Ah, olha, chegamos.

A casa de Orihime era pequena — a menor da rua. Ichigo sabia que fora ali que a garota crescera com o irmão mais velho desde que este fugira com ela dos pais, que a maltratavam. Com a morte do irmão, Orihime passou a viver ali sozinha.

Sozinha. Sempre sozinha. Era incrível como, apesar das circunstâncias adversas, ela conseguia encontrar motivos para sempre ser uma menina sorridente. Era uma pessoa forte, pensava Ichigo.

Orihime caminhou com mais vagarosidade até a porta de casa, aproveitando os últimos segundos daquele bom momento com Ichigo Kurosaki.

A chave foi de encontro à fechadura. Orihime abriu a porta devagar, suspirou, fechou os olhos e, abrindo-os com lentidão, se virou para o rapaz que, atento a observava.

— Eu adorei caminhar com você, Kurosaki-kun. Obrigada por me trazer em casa — ela sorriu.

Ichigo agiu por instinto. Subiu as escadas da calçada e acessou a varanda da casa. Estava mais uma vez perto da garota.

— Não foi nada, Inoue.

Novamente o silêncio constrangedor os envolvera. Eles se observavam por um bom tempo, esperando que um tomasse a iniciativa para fazer conversar coisa; nenhum dos dois sabia como agir.

— Então... é isso, não é? — perguntou Ichigo apenas para não deixar o silêncio tomá-los.

— É... — Orihime respondeu.

— Então... até amanhã, Inoue.

— Até amanhã, Kurosaki-kun.

— Na escola, certo?

— Na escola — ela confirmou, sorrindo.

Assim, o rapaz deu as costas para ela. Já estava na altura das escadas quando, instintivamente, também, a moça chamou-o:

— Kurosaki-kun...

Ichigo se virou na hora e corou. Orihime se apoiou na ponta dos pés e beijou a bochecha de Ichigo. Os lábios carnudos dela lhe tocaram de leve a pele do rosto. Ichigo sentiu um leve arrepio percorrer-lhe o corpo.

— Obrigada por me fazer companhia. — Ela sorria para ele, as maçãs do rosto enrubescidas.

E Inoue, tão rápido como fora até Ichigo, voltara, indo para dentro de casa.

Ichigo ficou alguns segundos ali, parado à porta de Orihime, com uma das mãos na bochecha, exatamente no ponto em que ela havia lhe beijado.

A brisa vespertina varria as folhas na rua e nas calçadas gramadas. Ichigo se virou para trás, a porta da casa de Orihime já estava fechada.

Ele desceu as escadas pausadamente, degrau por degrau. Um sorriso tímido e satisfeito nos lábios.

Aquela tarde valera a pena, afinal.

E Ichigo atravessou a rua. Teve a ligeira impressão de, no alto de um telhado, alguém observá-lo. Olhou para trás, mas só havia uma antena de televisão. Ichigo, desconsiderando o caso, foi embora.

No alto da casa, Rukia Kuchiki acompanhava o amigo se distanciar cada vez mais de seu campo de visão.

— Muito bem, idiota. — Rukia sorriu e desapareceu no ar.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem, pessoal!

Até uma próxima oportunidade o/