Era uma manhã de terça quando Kougyoku acordou mais cedo que o habitual. Espreguiçou os braços e respirou fundo. Ela estava de bom humor. Talvez fosse o ar fresco deixado pela chuva da noite passada, talvez fosse o sonho que teve com um belo jardim, mas ela soube quando colocou os pés no chão que esse seria um bom dia.

Vestiu uma roupa confortável e prendeu o longo cabelo em um coque costumeiro. Foi até sua escrivaninha, pegando o calendário sobre ela e marcou um X ao lado de tantos outros sobre os números impressos.

Só mais cinco dias.

Sorriu ansiosa. Faltavam só mais alguns dias até seu amado irmão Kouen voltar de sua viagem de negócios em Nova York.

Saiu do próprio quarto entrando um pouco receosa no quarto logo em frente. A cama desaparecia em meio aos livros amontoados nela. Parecia mais uma biblioteca do que um aposento de descanso. De fato, seu respeitado irmão Koumei nunca descansava. Passava suas noites trabalhando no escritório, tirava uma soneca entre um documento e outro. Abriu o guarda-roupas do irmão, pegando uma camisa e uma calça, fechou os olhos com força para pegar constrangida uma peça intima da gaveta. Levaria a muda de roupas à ele no horário de almoço, como foi combinado. Saiu de lá rapidamente, não queria bisbilhotar mais.

Por falar nisso, havia alguém ali que não dava a minima em manter a privacidade. Passou em frente ao quarto de seu irmão gêmeo Kouha. A porta escancarada como sempre, revelando o interior lotado de roupas e acessórios de moda. Ele raramente voltava. Quando questionado sobre isso, ele mencionou passar suas noites pousando na casa de “amigas”.

Kougyoku tinha ciúmes da personalidade sociável e carismática de Kouha. O mais próximo que ela tinha de um amigo era Judal, o garoto que estudou com ela desde o primário. Eles andavam juntos com frequência, mas ele sempre negou o afeto da menina, se limitando à provoca-la com piadas e travessuras.

Desceu as escadas e deixou o pacote com as roupas de Koumei num lugar bem visível para que não se esquecesse dele.

Supostamente deveria morar ali uma família de quatro pessoas, mas a garota sentia como se morasse sozinha. Era assim que passava seus dias. Sozinha… Pensar nisso a deixou cabisbaixa, decidiu abrir a janela para deixar o ar entrar e animar o ambiente.

Foi quando viu através do vidro um rapaz loiro que aparentava ter sua idade descendo pela rua sobre uma bicicleta. Ele tentava desajeitadamente se equilibrar nela, virando o guidão para todos os lados, toda vez que a bicicleta ameaçava cair, ele soltava cômicos grunhidos. No começo Kougyoku se assustou. E se ele se machucasse? Mas depois começou a rir, como há muito não fazia, divertida com a estranha cena. Ela o acompanhou com os olhos, curiosa, até que o perdeu de vista. Ficou desapontada, queria observa-lo um pouco mais. Ele já estava quase conseguindo andar direito!

Aquele garoto parecia ser uma boa pessoa, tinha uma aura amigável.

Acho que poderíamos ser bons amigos…

Não! No que ela estava pensando de alguém que nem conhecia, aliás, alguém que sua timidez jamais deixaria conhecer. Melhor ir tomar o café da manhã e esquecer o assunto.

~ ✿ ~

Foi o que ela pensou… Mas na manhã seguinte, lá estava Kougyoku, às seis em ponto debruçada no peitoril da janela, na esperança de que o garoto loiro fosse passar por ali novamente. As ruas ainda estavam meio escuras, o vento era frio , sua consciência oscilava com o sono. Mesmo assim ela esperava que o acaso voltasse a se repetir, que por acaso ele passasse por ali de novo.

Os olhos pesados ganharam vida ao ver de relance uma cabeleira amarela. Lá estava ele, descendo a rua em sua bicicleta, desta vez já havia aprendido a andar. Kougyoku deu pulinhos, comemorou consigo pela vitória do garoto como se ela mesma que tivesse superado um grande desafio. Ele ainda tinha certa dificuldade em conduzir o veículo, pedalava com o corpo rígido e robótico. Mas tinha um semblante pomposo, orgulhoso com o próprio feito. Kougyoku riu da expressão dele, ele era como uma criancinha empolgada com algo novo que aprendeu.

Distraído, ele tropeçou numa pedra e caiu no chão. A garota levou um susto, inclinando o tronco para fora da janela, para confirmar se ele estava bem. Por um segundo ela pensou no pior. Mas logo ele se levantou, pigarreou ainda ostentoso, subiu na bicicleta e continuou a pedalar como se nada tivesse acontecido. Kougyoku riu sem amarras, esquecendo da máscara de “adulta” que aprendeu a colocar. Apenas riu livremente feito uma criança.

De tarde não conseguiu se concentrar nos estudos. Desenhava um croqui com a roupa que o garoto usava no livro de matemática. Quando terminou de pintar a gola vermelha, notou que já viu aquele uniforme antes.

Onde será que foi…? Ah! É o uniforme do restaurante chinês que abriu no mês passado!

Chegou a conclusão que ele era um garoto de entregas. Ela se lembrou da caixa de plástico presa à bicicleta, a comida de um cliente devia estar lá. Pensou no tombo que ele levou, a comida provavelmente ficou arruinada depois daquilo.

Ele deve estar em uma grande encrenca com o chefe. Riu.

Só então percebeu os rabiscos que fez nas apostilas que pegou emprestadas do seu tutor. Koubun vai ficar uma fera quando descobrir!

~ ✿ ~

Quinta-feira, Kougyoku já havia se acostumado com o novo horário de acordar. Se o garoto passou por ali dois dias seguidos, então talvez seja a rotina de trabalho dele. Desta vez já não bastava vê-lo pela janela, queria chegar um pouco mais perto. Ela segurava um regador e aguava o jardim como quem não quer nada. Essa foi a melhor desculpa que inventou para ficar ali. Estava nervosa, cantarolava uma musica qualquer enquanto fingia despreocupação.

Viu ele chegando ao longe, andando na bicicleta como um mestre.

Então ele já chegou nesse nível!

Se alegrou vendo a habilidade do garoto, mas se lembrou do que estava fazendo. Fechou a cara escondendo o sorriso como pode.

― Bom dia!

Ele disse casualmente. A garota levou um susto e derrubou o regador. O rosto vermelho, olhava para os lados procurando mais alguém por ali. O garoto freou a bicicleta estranhando o desespero dela. Pôs a mão em frente à boca e exclamou aos risos:

― Bom dia, moça do vestido amarelo!

Ela congelou. Ele estava mesmo cumprimentando ela. Como poderia ser outra? Ela escolheu exatamente aquele vestido, da cor que tanto lembrava o rapaz, para lhe dar sorte. Respirou fundo, essa era sua oportunidade.

― … Bom dia!

O garoto correspondeu com um grande sorriso sapeca. Os primeiros raios de sol surgiram em torno deles.

Como foi fácil.

As palavras saíram de sua boca tão naturalmente quanto o sorriso que se formava nos lábios. Por que Kougyoku complicava tanto as coisas? As pernas que antes tremiam, agora estavam tão leves que poderia voar.

― Bom dia! ― Repetiu mais alto, confirmando o sentimento quentinho no peito.

― Isso, esse foi um ótimo “bom dia”! ― o garoto disse brincalhão, e seguiu seu rumo.

Kougyoku pegou o regador do chão, agora queria cuidar do jardim de verdade, talvez plantar algumas flores, deixar tudo mais bonito para os dias que viriam. Mil idéias brotavam na sua mente. Estava ainda mais animada para perguntar o nome dele amanhã.

~ ✿ ~

Que garota estranha.

Alibaba pensou sorrindo. Talvez ele tentasse conversar mais com ela da próxima vez.