Aliás, tenho conversado muito com o abismo e ele também quer se matar. Às vezes, até me diz para viver, no entanto sua voz é tão baixa... Também deve saber que não adianta me salvar ou me ajudar.

Eu sou uma contradição. O barulho deixa-me surda e não, não é uma festa. É um trem e berram: siga em frente mesmo que não tenha estação. Olhe então para os trilhos. Não há trilhos, eu posso garantir. Noto os olhares cruzados; é aquele medo de tudo acabar. Desmaio. Vomito. Enjoo. Tenho estado doente esses dias. O silêncio tem me corroído muito.

Mas dizem que eu vou sobreviver. Dizem que eu sou forte e que devo continuar. Você sabe, seguir em frente. O eco profundo repete que não há trilhos e talvez a música dê conta. A melodia é sempre uma bela distração, um belo perigo. Assim como os livros, as pessoas, o trabalho, o negócio.

As metáforas não têm conseguido descrever por completo os sentimentos. Eles têm sido muito ruins comigo. E eu não posso ser mais clara: escuro, portanto. A vida acaba e olha, olha lá a morte: não está com medo de nunca mais sofrer? De nunca mais imaginar o quanto a sua vida poderia ter sido boa?

A vidente gargalha pois minhas imaginações são erros e a felicidade está com alguém desconhecido. Aliás, tenho conversado muito com o abismo e ele também quer se matar. Às vezes, até me diz para viver, no entanto sua voz é tão baixa... Também deve saber que não adianta me salvar ou me ajudar. Por que ninguém chega com novos trilhos? Pare de falar de estações e de músicas. De livros e trabalho. Até do futuro já me cansei.

Durmo por dias. Coma quase perpétuo, infelizmente. E imploram para que eu diga algo e eu já disse tanto. Eu continuo me sentindo mal. Então explodo. Vejo sangue, vejo dor e vejo você também. Vejo as palavras tatuadas na minha alma.

Na verdade, eu não gosto de falar sobre isso. E por favor, pare. Pare com o que? As paredes estão me sufocando assim como sua conversa, sua bebida, esse maldito dia. E daqui a pouco, virão as promessas e eu prometi. Espero morrer antes de cumpri-las, porque os machucados não concordam com elas.

Sim, às vezes é proposital, a confusão toda. Falar de uma coisa e logo depois de outra. Afinal o mar tem muitas ondas e nenhuma delas é igual. Durante a noite, ele se junta ao céu e tudo fica escuro. Consegue entender? Não dá para ver qual é qual e eu entendo isso. Eu sinto. Você também sente? Porque eu estou cansada de sentir as coisas sozinha.

Por isso os cortes estão cada vez mais profundos, assim como as mortes. Não é nada físico. É na mente, na mentira. Se eu dissesse que é psicológico, você vai insistir que não existe. Cadê o seu abismo? Os meus problemas não eram assim tão bons? E olha o trem passando por outro ponto em que deveria ter uma estação, mas não tem.

É o vazio e é nele que tudo se corta, tudo se rasga. E vem uma explosão roxa. Eu adoro o roxo! Amo o azul e aqui é tudo preto. Nada contra, a mente é um lugar obscuro mesmo para todo mundo. Talvez eu devesse pensar em pôneis ou em presentes de natal. Quem sabe em arco-íris.

A paisagem é muito bonita aqui. Tem cheiro de chuva e está chovendo de fato. É meio óbvio, mas se pudesse me ver, não diria que o tempo era esse. E na próxima parada, eu vou a pé, porque os trilhos irão acabar de vez. Eu espero encontrar outro trem que me dê uma carona. Sabe, eu estou precisando de uma carona. E antes que as portas abram e eu me ignore, eu peço desculpas, porque eu me esqueci de pular da outra vez.