Era tudo muito tedioso, Ethan não tinha comentado o fato do livro ser chato. Era basicamente árvores genealógicas e histórias das famílias, não qualquer famílias, mas sim as famílias dos sangues-puros.

Antonielle, Vladescu, Sterling, Kuran, Steel, Device... Dentre outras, Anne lia desinteressada cada história, ria de umas, chorava com outras. Entretanto, nem tudo é puro tédio, seus dedos deslizaram na fina página e parou sobre um nome.

– Morgan – leu ela em voz alta, como se não acreditasse naquilo.

Era sua chance de conhecer melhor ele, não sabia praticamente nada, somente que era britânico e que seu sorriso a deixava de forma muito estranha.

– A família Morgan é originalmente da Inglaterra, mais precisamente de Londres. É uma das famílias mais antigas do mundo, com apenas três gerações conseguiu o respeito de todos. Sua lealdade para com a corte inglesa e a Rainha é bem visível no modo e na casa dessa família. – ela lia como se aquilo fosse um mantra, como se fosse a maior verdade já lida no mundo.

Anne entendia agora o motivo da casa ser desse jeito tão espalhafatosa, porém não viu a tal lealdade a Rainha em Ethan, talvez ele fosse diferente da família. Seus olhos voltaram rapidamente para a página a procura de algo a mais, mas tudo que se tinha era ... Nada. Pelo que viu o livro estava desatualizado, o nome de Ethan não constava e tinha parado no ano de 1850. Um suspiro escapou de seus lábios por pura frustração.

Seus olhos não saiam daquela pequena descrição e seu coração saltou no peito quando ouviu uma música ecoar pelo recinto. Ela conhecia muito bem aquela música... Paradise do Coldplay. Pegou o celular e viu o nome dele na tela, não pensou duas vezes e atendeu.

– Ethan?

– Anne! – ele parecia nervoso e sua voz saia em um sussurro- Eu quero que você vá para meu quarto agora!

– Pra quê? – ela não entendia nada, estava muito confusa.

– Não posso te dizer agora, só vá e fique por baixo das cobertas entendeu? Não saia de lá até eu ir no quarto – sua voz era quase autoritária, sentiu algo diferente ali, sentiu que havia algum problema, mas sua voz amansou a deixando mais calma – Por favor, An.

– Tá bom já estou indo pra lá.

Não deu nem tempo para se despedir, o celular já avisou o bipe de não ter mais ninguém do outro lado da linha. Fechou o grosso livro na mesa, pegou o livro que Morgan havia dado a ela – Orgulho e Preconceito – e seu celular. Correu para o quarto do rapaz.

Se surpreendeu quando abriu a porta, os móveis eram escuros, a cama dossel eram bem maior que a sua, repleta de almofadas e travesseiros, mas ali tinha um toque de Ethan. Além do seu cheiro tomar conta do lugar, no canto havia uma mesa com um computador que parecia ser de última geração, na parede havia livros e mangás em outras tinham jogos, jogos de várias plataformas. O papel de parede escuro deixava o ambiente bem aconchegante o que a fez querer realmente deitar naquela cama. Tirou os sapatos e se jogou na cama macia sorrindo, puxou o cobertor e ficou ali apreciando o cheiro dele, estava completamente impregnado no cômodo e aquilo a deixava em êxtase. Seus olhos voltaram-se para a estante de mangás e jogos, viu muitos títulos de seu interesse e até conhecidos para ela.

Foi tirada dos devaneios pelo bipe estranho do celular, assim que o pegou viu que havia uma mensagem.

“ Pegue um casaco meu no closet, se vista e fique por baixo das cobertas até a cabeça. Desculpa, isso pode parecer loucura, mas o problema é Keita, ele irá aí para casa e preciso disfarçar seu cheiro. Coloque o celular no silencioso.

Até mais tarde An :) “

Sua respiração parou em “Keita” e o desespero corria por suas veias. Pulou da cama e foi até o closet pegar um casaco dele, finalmente tinha entendido o plano, ele queria que seu cheiro fosse menos perceptível se confundindo ao dele. Após vesti-lo se jogou novamente na cama se cobrindo até a cabeça ficando somente com seu livro e celular ali.

*~*~*~*

– Então agora você resolveu voltar a usar celular? Pensei que tivesse jogado no bueiro aquela noite do baile – Keita falava curioso por ver Ethan digitando rapidamente.

– Meu pai andou me perturbando para comprar um novo, sabe como é... Serviços da família precisam ser feitos mesmo longe de casa – o rapaz respondia tentando passar indiferença ao balançar os ombros, mas na verdade estava tenso e preocupado e esperava que seu plano desse certo.

– Deve ser um incômodo ainda estar sob ordens da Rainha não? – sua curiosidade era desconcertante, era assim que conseguia suas informações privilegiadas.

– Não recebemos ordens dela Keita – seu semblante se fechou na mesma hora ao olhar o albino.

– Ei, ei, não me olhe assim, só estava brincando – suas desculpas eram sinceras.

– Então? Quem é sua amiga nova?

– Amiga nova? – Ethan guardava o celular no bolso e olhava para frente enquanto andava.

– Sim, um dos meus servos me contou que te viu com uma moça – um sorriso tomou conta dos lábios de Keita, percebeu o nervosismo do amigo.

– Ah que droga, assim não tem a menor graça – ele fingia desapontamento, Morgan era bom em certas coisas e atuação era uma delas.

– Graça? O que não tem graça? – seu sorriso desmanchou na mesma hora.

– Queria apresentá-la no baile sabe? Seria uma surpresa.

– Não me diga que depois de todos esses anos você arrumou uma namorada? Quer dizer... Não que as mulheres não caiam em seus pés, mas finalmente aceitou uma?

– Hum... Não é isso ou pelo menos não por hora, eu acho – seu rosto esquentou quando ouviu aquilo de Keita.

– Você tem que parar com isso de achar sua alma gêmea, tá ficando velho demais sabia? Você precisa curtir a vida, sair por aí, se divertir – ele batia de leve no ombro do amigo.

– Eu prefiro esperar, nunca me apaixonei por alguém e não quero estar com uma pessoa que eu não amo.

– Você é um besta mesmo – ele ria virando a esquina, estavam próximos da casa de Ethan.

– Enfim, você quer saber da minha garoa, mas e a sua? – os olhos azuis cor da noite fitavam os de Keita com curiosidade.

– Ora, ora! Tire os olhos da minha menina bonita! – ele sorria de lado de um modo malicioso – Ela fugiu, não sei como, mas fugiu, eu estava fora de mim naquele dia.

– Resumindo, você estava bêbado – Ethan pegava as chaves de casa e brincava com elas na mão.

– Exato, você precisava vê-la! Não existe igual aquele sangue – os olhos do homem brilhavam se deleitando ao lembrar do sabor.

– Como ela era?

– Como assim? Tá muito interessado, não divido meus lanches você sabe disso – seu tom era possessivo, ele era assim. Sempre muito possessivo com suas refeições.

– Estou perguntando da aparência.

– Loira de olhos... Cinzas? Azuis? Sei lá não reparei muito, mas o corpo até que dava pro gasto.

Ethan olhou para sua casa, seu olhar foi preenchido por fúria quando ouviu aquilo do colega. “Dava pro gasto”, era assim que Keita a definia, sempre soube que o colega era um imprestável, mas aquilo foi longe demais, Anne não era apenas um objeto para Ethan. E ainda por cima nem viu como os olhos lilases dela brilhavam, Morgan achava-os únicos, jamais tinha visto alguém com olhos tão bonitos.

Ambos adentraram na casa, Keita ficou na sala e Ethan na cozinha preparando o chá. Pelo menos era o Ethan pensava, levou as duas xícaras para a sala a encontrando vazia. O temor tomou conta de seu corpo e as xícaras foram abandonadas ali na mesa de centro.

*~*~*

Anne respirava lentamente até ouvir as vozes dentro de casa, reconheceu claramente a voz de seu seqüestrador. Seu coração pulava em desespero em seu peito e seu pulmão buscava mais ar a cada instante, estava encolhida por baixo da aconchegante colcha escura, abraçada em seu mais novo livro.

Os passos chegavam mais próximos da porta do quarto e ela sabia, não era Ethan, o cheiro dele era completamente diferente. Era o cheiro de Keita, aquele cheiro que lembrava a ela canela e sabão de coco, ficou tensa e segurou sua respiração quando a porta do quarto abriu lentamente.

– Ei! Keita! – a voz de Ethan salvou Anne naquele momento.

– Ahhh deixa de ser chato, mostra logo sua garota – ele falava manhosamente.

– Não, quem tem que decidir se vai aparecer ou não é ela e ela me disse mais cedo que não queria, pelo menos não ainda – ele mentia fechando a porta novamente e levanto o rapaz para longe.

Ao longe ela escutava os resmungos de Keita, quando percebeu que estava segurando o ar soltou ele, tentando relaxar. Ethan de fato era confiável, essa foi prova suficiente para ela. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, chorava por medo e por felicidade. Felicidade de ter tido a sorte de achar Ethan ou melhor... Dele ter a achado.