Memórias de um Deus Pagão escrita por rosett underline bubah


Capítulo 1
Memórias de um Deus Pagão


Notas iniciais do capítulo

Pus 'humor negro' como gênero por que talvez, apenas talvez, algum religioso cético possa se ofender, levando em consideração a adoração por objetos inanimados. Sou religiosa, mas não cética.



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As pessoas tinham fé em nós, e isso nos mantinha... Matinha, simplesmente.

Humanos viviam. Existiam intensamente ao nosso redor. Já nós... Nós.

Nunca fomos vivos; como poderíamos existir? Como poderíamos morrer? Só estávamos ali por estar. Sem função.

Éramos um milagre. Nascidos da fé humana em objetos inanimados embebidos em simbolismos humanos, daí suas preces eram dirigidas a nós na esperança de que realizássemos seus desejos.

Éramos uma maldição. Frutos de um pensamento coletivo de que existíamos e ainda vivíamos para satisfazer seus fetiches em troca de oferendas que sequer usufruíamos. Nós não tínhamos pai ou mãe. Sem capacidade de gerar nossa própria família, éramos um espírito fadado a existir sem vontade.

Matavam por nós. Queimavam alimento, faziam plantio e pediam proteção aos próprios filhos sem ter noção de que eles eram nossos deuses e criadores.

Se supostamente éramos fortes, era graças à força que eles nos ditaram.

Se protegíamos templos, nos emprestaram essa responsabilidade.

Éramos inanimados. Estátuas de pedra e lodo.

Estátuas indigestas pelo tempo.

E ali, diante de uma legião de humanos silenciosos, ajoelhados a nós, ouvíamos entediados os pedidos que jamais realizaríamos, mas sabíamos que, sozinhos, eles conseguiriam, já que nossa existência, devíamos a eles.

Éramos escravos simbólicos das suas vontades. Nada fazíamos e nada nos era cobrado mas eles pediam, faziam sozinhos e nos agradeciam.

Éramos incríveis sem o sermos.

Éramos apenas estátuas; nossos olhos nada viram, embora eternamente abertos, nossa boca nada profetizou, embora, como a deles, houvesse línguas e dentes.

Tínhamos pernas, corpo, valor e até qualidades. Tínhamos história. Vossa fé nos animou, vossas mãos nos materializaram.

Mas, ah... Humanos...

Nós ainda não existimos como vós. Nos esqueçam. Não queremos existir. Mas por vós ainda estamos aqui, existindo sem viver. Existindo sem querer.

Apliquem vossa fé a vós. Deixem-nos repousar na inexistência em paz.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Eu particularmente gostei de ter escrito isso, foi um dos textos ficcionais mais realistas que escrevi. Então tê-lo escrito me agregou certa experiência. Ainda mais, se levar em consideração meus textos comuns.
Muito obrigada por lerem até aqui. *prestando reverencia*



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