Por uma vez na eternidade escrita por Kori Hime


Capítulo 1
Por uma vez na eternidade


Notas iniciais do capítulo

Desafio aceito!



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A rotina no castelo era rígida e tediosa na opinião de Anna. Ela era acordada pontualmente as sete da manhã, embora continuasse sempre dormindo até as oito horas, com batidinhas insistentes na porta. Quando era vencida, saía da cama e se arrumava. Enquanto escovava os cabelos, sempre pensava em qual era o objetivo daquilo, já que ninguém a veria. Para que tinha que vestir aqueles espartilhos apertados e pentear os cabelos? Para que acordar cedo, se ela não estava atrasada para nenhum compromisso?

As aulas de literatura só começavam as dez horas e depois vinha filosofia e história. Anna gostava muito de ler, aos 18 anos já havia lido basicamente todos os livros da biblioteca, tirando os de matemática e alguns misteriosos livros que estavam em um idioma que ela não dominava, mas as figuras de trolls eram impressionantes.

Naquela manhã, as aulas foram suspensas para que Anna tomasse lições de dança. Ao ser lembrada pela criada, a princesa vestiu-se mais apressadamente e desceu as escadarias num piscar de olhos.

Anna abriu as enormes portas do salão, imaginando como seria quando finalmente aquelas cortinas fossem abertas e os convidados estivessem rodopiando pelo salão. Os homens elegantes em seus trajes finos e as mulheres em belos vestidos da última moda.

— Princesa Anna — chamou um dos conselheiros reais. — A princesa Elsa não irá nos acompanhar nessa aula, ela encontra-se indisposta.

— Jura? Novidade seria se ela saísse do quarto e... — Anna interrompeu sua frase e pigarreou. — Digo, é uma pena, mas eu estou muito animada em começar a aula. Quem será meu professor? — ela deu uma risadinha boba, corando as bochechas.

— Oh! Sinto muito em decepcioná-la, senhorita, mas, a pedido de sua irmã, eu mesmo serei o encarregado das aulas. Como o baile da coroação é daqui um mês, teremos muito tempo para trabalhar.

Mesmo triste com a notícia, Anna esforçou-se para manter um sorriso cortês e não demonstrar sua decepção, pelo menos até que a aula terminasse.

Ela sentia os pés doloridos, pois o conselheiro havia pisado algumas vezes em seus dedos com aqueles sapatos de salto. Ele dizia que eram ortopédicos, mas o que parecia mesmo era que alguém queria ter nascido 4 centímetros mais alto.

Anna mergulhou os pés em uma infusão de água e essências que a criada trouxe prontamente quando ela desabou na cama.

— A senhorita precisa de ajuda para se refrescar antes do almoço? — a criada aguardava ao lado da cama, enquanto Anna brincava com os pés na água.

— Hmm? Ah! Não, tudo bem. Eu estou bem assim, tenho certeza de que vou almoçar sozinha, então não tem problema continuar com a mesma roupa. — ela riu, um pouco sem graça, dispensando a criada e agradecendo pela infusão. Estava mesmo resolvendo.

Anna secou os pés e depois ficou deitada na cama, observando o teto, sem nenhuma novidade. Os mesmos 15 gessos em formato de onda para a direita e os outros 15 para a esquerda, o lustre com 135 cristais e um pontinho escuro se mexendo no teto?

— Eca! O que é aquilo? — Anna estreitou os olhos — Uma barata?

Ela pulou da cama, pegando seu sapato, pronta para matar a barata se fosse preciso. De repente, a barata criou asas e voou pelo quarto. A princesa começou a correr desesperada e gritando por ajuda.

Um guarda abriu a porta tão rapidamente que quase acertou o nariz de Anna.

— Senhorita? Peço perdão, mas ouvi gritos.

— A barata! Mata a barata! — Anna gritava, apontando na direção em que a barata havia se escondido.

O guarda estava prestes a acertar a barata, quando ela voltou a voar novamente. Anna gritou, levando as mãos até o rosto, vendo a barata escapar pela porta do quarto.

— O que está havendo aqui? — Diante da porta, estava Elsa. — Ouvi gritos, aconteceu alguma coisa com você?

— Elsa. — Anna falou surpresa, já fazia um ano desde que a irmã chegara tão perto assim de seu quarto. Da última vez, ela só apareceu para se certificar de que a lareira do quarto estava aquecendo tudo, pois o último inverno foi rigoroso. — Está tudo bem, digo, foi uma barata. Você não vai acreditar, ela estava voando pelo meu quarto.

Elsa deu um passo para trás quando Anna se aproximou. Assim que foi repelida, a princesa abaixou a cabeça e mexeu em sua trança.

— Se está tudo resolvido, eu já vou. — Elsa falou, virando-se no corredor.

— Espera, eu... Elsa, você já está melhor? Poderá ir à aula de dança amanhã? Foi muito divertido.

— Eu não posso. Estarei ocupada. — ela respondeu com uma voz fina. — Mas aproveite as aulas em meu lugar. — Elsa tentou um sorriso, mas logo se afastou, retornando para seu quarto.

Ao final da primeira semana, Anna estava entediada, o que não era bem uma novidade. As aulas de dança foram um fracasso imenso. O conselheiro conseguiu transformar os dedos da princesa em purê de batata, de tanto que pisara neles.

O jantar foi servido pontualmente às seis horas da noite. Anna foi servida com uma pequena porção de salada de mariscos, depois, uma leve sopa de ervilhas e para finalizar, um peixe grelhado com molho de ervas. Estava tudo muito bom, mas a princesa não sentia fome. Mas ela não dispensou o Petit gateau de chocolate na sobremesa.

A longa mesa repleta de cadeiras vazias, deixava o clima ainda mais sombrio. Anna sempre pedia para que ascendessem mais velas na sala de jantar, assim poderia se sentir mais acolhida pelo calor das velas e a iluminação que elas proporcionavam. Porém, só fazia lembrar que estava só, em um enorme castelo.

Anna se recolheu para seus aposentos, não sentia vontade de ler um livro, ou relaxar nas poltronas da sala de visitas, onde os seus companheiros (os quadros) encontravam-se sempre disponíveis para um bate papo.

Deitada em sua cama, dessa vez sem barata voadora, ela pensou que se fizesse algo importante no seu dia a dia, poderia se sentir mais produtiva e importante. Afinal, era uma princesa, e o que as princesas faziam? Seus livros de histórias infantis diziam que elas eram resgatadas por corajosos príncipes, só que Anna já não acreditava mais em tais contos de fadas. Ela sabia que ninguém a resgataria de sua torre. E que se quisesse ter um final feliz, ela mesma deveria começar a mudança.

Bem, a primeira tentativa foi falar com Elsa. Bateu três vezes na porta da futura rainha e perguntou se ela poderia atendê-la. Como resposta, veio um sonoro “agora não”. Anna balançou a cabeça, como se estivesse pronta para ouvir aquilo.

— Eu não quero tomar muito do seu tempo, só gostaria de saber se tem algo que eu poderia fazer por você, sabe, ajudar na coroação. Seria ótimo poder ocupar meu tempo com algo importante.

Anna colou a orelha na porta do quarto de Elsa, esperando ouvir qualquer ruído que fosse. Parecia que uma corrente de ar soprava lá dentro. Pensou que poderia ser a janela aberta.

— Você já está fazendo um ótimo trabalho com as aulas de dança. — a resposta de Elsa veio fraquinha do outro lado da porta.

— Sim, eu sei. Mas quero dizer algo mais importante do que dançar. — Anna apertou os olhos com força, juntando coragem para falar. — Eu quero trabalhar.

— O que?

— Trabalhar. Decidi que preciso trabalhar, se quero me tornar uma boa princesa para nosso reino.

— Anna... — a voz de Elsa morreu no ar.

— Eu só vim até aqui, pois você é minha irmã mais velha. Achei que poderia ter um conselho para me dar. — Anna jogou as costas contra a porta. — É meio solitário aqui do outro lado. — ela cantarolou bem baixinho num sussurro. Seu corpo foi escorregando até cair sentada no chão.

— Anna, vá para a cama, já é tarde. Amanhã conversamos. — Elsa ficou em silêncio depois.

O silêncio de Elsa não desanimou Anna, afinal, já não era a primeira vez que a porta do quarto da irmã se mantinha fechada para ela.

Na manhã seguinte, Anna se levantou com o nascer do sol. Ela vestiu um vestido confortável e amarrou o cabelo bem preso para que não a atrapalhasse. Quando o guarda real bateu à porta de seu quarto, para acordá-la, Anna abriu a porta prontamente se colocando a disposição para ajudar no que fosse preciso para a coroação que seria realizada em breve.

— Mas, princesa... — começou a falar o conselheiro responsável pelos negócios do reino. — Está tudo encaminhado.

— Deve ter alguma coisa para eu fazer. Que tal os convites? — Anna levou o dedo até a bochecha, divagando sobre as cores dos convites. — Acho que azul, ou lilás.

— Os convites já foram enviados. — o conselheiro disse. — Quatro meses atrás.

— Oh! Bastante tempo. — ela pensou mais um pouquinho. — Que tal o bolo?

— Da última vez, a senhorita quase colocou fogo na cozinha quando tentou assar uma torta na aula de gastronomia, com o mestre Rafaello. Recorda-se?

— É, é verdade. — Anna corou, balançando as mãos atrás do corpo. — Não importa, eu posso ajudar a confeitar os doces. Sou muito boa em espalhar cobertura.

— Sinto muito, princesa, a cozinha já está bastante atarefada. — da maneira que ele impôs suas palavras, Anna entendeu o recado. Mas isso não quer dizer que ela desistiu.

— Varrer o chão?

— Já providenciamos isso.

— Que tal dedetizar o castelo? Temos baratas voadoras por aqui. — Ela falou com o nariz erguido.

— Hoje de manhã. — O conselheiro já estava acabando com as esperanças da princesa.

Anna fez um bico, desanimada.

— E que tal se eu tocasse uma música na festa?

O conselheiro coçou a barba, fazendo uma cara pensativa. Anna cruzou os dedos, aguardando a resposta.

— Não seria assim tão mal. — ele respondeu, fazendo-a dar pulinhos de alegria. — A senhorita toca flauta tão bem desde que era uma menininha. Podemos fazer a apresentação após a valsa.

Anna segurou as mãos do conselheiro e rodopiou pelo salão, comemorando.

— Começarei a treinar agora mesmo. Podemos fazer um pequeno palco, assim todos poderão me ver. — ela parou de rodopiar, e enquanto fazia planos, o conselheiro sentia-se completamente tonto.

A princesa correu pelos corredores do castelo, cantarolando uma melodia, não queria esquecê-la. Seria uma música especial para homenagear a rainha. A sala de música era um dos lugares favoritos de Anna, mas já fazia um bom tempo que não tocava nada. Era péssima no piano e violino, mas gostava muito de flauta.

A melodia não foi esquecida, e nos dias seguintes, Anna treinou horas e horas sem parar. Estava se sentindo tão bem e feliz por fazer parte daquele dia especial de Elsa, que fantasiava a reação de sua irmã ao vê-la tocar uma música criada especialmente para ela.

Era maravilhoso ter um trabalho para fazer.

Na noite anterior a festa de coroação, Anna ficou até tarde repassando a música. Sentia medo de falhar, um frio na barriga, e ao mesmo tempo ansiedade.

Acabou acordando um pouco atrasada no grande dia, mas não menos animada. Entretanto, o dia não terminou exatamente como a princesa imaginou. Tudo aconteceu tão rápido, que Anna sequer teve tempo para lembrar-se da melodia que fizera para Elsa.

No final de toda aquela aventura congelante, Anna estava deitada em sua cama, não mais olhando para o teto e contando quantos cristais o lustre possuía, ou quantos gessos compunha a arte. Anna estava aconchegada embaixo das cobertas e travesseiros, sendo servida pela rainha. Um chá bem quentinho e uma sopa para que ela conseguisse dormir bem aquela noite.

— Eu estou bem, juro que estou. — Anna sorriu, achando tão maravilhoso ter Elsa ao seu lado. Era incrível, parecia um sonho.

— Sei que sim, mas quero ter certeza. Amanhã logo cedo o médico irá te examinar. Por favor, não faça manha, quero vê-la curada.

— Eu estou curada. — Anna empurrou as cobertas e balançou os braços. — Vê? Estou ótima. Poderia me levantar e dançar pelo castelo.

As duas gargalharam, mas Elsa não queria correr riscos desnecessários. Cobriu a irmã e alisou o cabelo dela, dando-lhe um beijo na testa.

— Tenho um pedido a fazer antes de você dormir. — Elsa falou, dando alguns passos em direção ao guarda-roupa da irmã.

— Pode me pedir o que quiser, majestade. — Anna ainda mantinha um sorriso meigo nos lábios. Ela observou Elsa abrir o guarda-roupa, e tirar de lá de dentro sua flauta.

— Eu a observava tocar todas as noites, até tarde. — Elsa confidenciou, entregando a flauta para Anna. — Fiquei aguardando o momento para que você se apresentasse para mim, no dia do baile. Mas não houve tempo de você tocar. — a rainha pousou as mãos na frente do corpo, sem jeito por ter que recordar-se daquele terrível momento em que perdera o controle na frente de todos. — Sinto muito por tê-la feito perder noites em claro trabalhando na canção. Se esforçando para que tudo fosse perfeito, enquanto eu... bem...

— Não diga nada, Elsa. Eu não preciso ouvir nenhuma explicação. — Anna olhou para a flauta, e mudou de assunto. — Quer dizer que você sabia de tudo?

— Sim, e devo te parabenizar, sua canção é belíssima. Me emocionei todas as vezes que ouvi. Era quase que um conforto para mim, poder suportar tudo o que eu estava sentindo, aquela pressão que eu passei. Sua música me fez ter forças para sair da cama naquele dia, e dar os primeiros passos como rainha de Arendelle.

Anna não conteve as lágrimas, ela saiu de baixo das cobertas e pulou em cima da irmã, como fazia quando eram pequenas.

— Eu estou tão feliz. — Anna se recompôs, limpando as lágrimas com a ajuda da irmã.

— E eu também estou. — Elsa sentou na cama. — Você poderia tocar para mim?

— Claro, eu tocarei.

Anna respirou fundo, ela fechou os olhos e, sem dificuldades, tocou a melodia que tanto havia trabalhado. Ao seu lado, Elsa apreciava a canção. Aquela reação que Anna havia fantasiado sobre sua irmã, era ainda melhor. Agora que era real.


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