Oito carneiros escrita por Rose


Capítulo 6
Cap. 6


Notas iniciais do capítulo

O passado recontado em suas inúmeras versões



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/601183/chapter/6

Finalmente Nicolas avistou a cabana que almejavam chegar no início daquele dia, por sorte poderiam descansar todos, inclusive os carneiros que estavam extremamente agitados com todos aqueles acontecimentos. Nicolas não via a hora de descansar e descobrir se conseguiria ordenhar a única fêmea do grupo, precisava deseperadamente comer algo que não fosse peixe e frutas.

O sol já se punha, com o inverno chegando os dias estavam mais curtos e as noites cada vez mais frias. Por hora ele ainda teria como se proteger do frio se a noite se encontrassem mais abrigos como aquela cabana. Mesmo que Félix não resistisse ele não teria opção a não ser seguir pela márgem até encontrar outro reino, outro vilarejo, qualquer lugar que lhe acolhesse mesmo que fosse para limpar os dejetos de algum calabouço.

Se saísse vivo de tudo aquilo, já havia prometido a si, nunca mais voltaria a seu vilarejo natal...As palavras de sua irmã gritando pelo filho sem sequer lhe agradecer pelo sacrifício feito por ele lhe cunharam a alma. Se ele pudesse ouvir os pensamentos como Félix, já imaginava que toda a aldeia estava dando glórias aos céus pois finalmente ele havia partido e sua família não seria envergonhada em praça pública no momento que todos confirmassem a mais verdadeira desconfiança, Nicolas jamais desposaria uma mulher e por muito tempo fôra perdidamente apaixonado por seu melhor amigo e agora cunhado, Eron.

Com Félix agonizando, ele se permitiu pensar em tudo isso, imaginou que a dor que ele sentia o impedia de se preocupar em invadir seus pensamentos e foi assim, dessa forma que adentrou a cabana de madeira que estava a sua frente. Para a sua surpresa tudo parecia ter sido usado na última primavera, havia uma cama estreita, uma mesa e algumas facas, canecas e pratos de metal largados. Sim, havia pó, mas nada que parecesse que ninguém havia entrado ali por séculos.

Com muito esforço, ele conseguiu erguer Félix e deitá-lo na cama, sujo de terra, sangue e ainda exalando um cheiro de cachorro molhado que nauseava Nicolas ao ponto dele ir gritar a beira do rio que já refletia a lua que acabara de surgir:

– Nereidaaaaa...

– Nereidaaaaa...

– Nereidaaaaa...

Silêncio.

– Nereida eu sei que estás aí. Queres que eu grite até o amanhecer? Não haverá mais peixe nesse rio!

Uma cabeça submergiu do leito do rio, seu corpo molhado com seus seios a mostra seria um atrativo para muitos homens, mas não era para isso que Nicolas a chamava:

– Podemos conversar?

– Eu preciso lhe tirar daqui, quando o inverno chegar não haverá quem ou o quê poderá lhe proteger do frio e da neve.

– Eu não vou embora deixando Félix daquele jeito! Que eu posso fazer para ajudá-lo? Muito me espanta que a senhora seja tão íntima dele e não se preocupe nem um pouco com tamanho sofrimento. Ontem mesmo escutei alguns gritos ecoando das margens do rio.

Ela riu, quem diria que um dia em sua vida ouviria um comentário daquela natureza, principalmente de um rapaz atrevido que jamais cederia a qualquer um de seus encantamentos.

– Você está fascinado pelo Félix?

– Eu estou preocupado com ele, somente isso.

– Rapaz, tens a chance de fugir e ter uma vida e preferes ficar aqui para ajudar alguém que caso se recupere lhe matará sem pestanejar? Você sabe qual o nome disso que você sente?

Nicolas foi surpreso por tal questionamento, que tanto preocuparia sua vida para aquela sereia, com um olhar contrariado apenas respondeu que não, que não sabia e assim a sereia começou a lhe explicar que vampiros eram seres extremamente sedutores e para que suas vítimas não fugissem deles, cada um deles tinha algum encantamento preferido, normalmente Félix fazia com que adultos se apaixonassem por ele.

– Mas eu sou homem! Que blasfêmia, eu enfeitiçado e apaixonado por um vampiro? Hoje ele me disse algo muito semelhante a seu respeito. Por que devo acreditar no que dizem?

– Nicolas, é muito simples, quem sabendo que será morto poderia tentar salvar seu carrasco? Estou lhe oferecendo a chance de fugir daqui e ainda assim você insiste em buscar algo que o salve?! Eu já lhe expliquei o que ele precisa, sangue fresco humano, não conheço outra coisa que pudesse salvá-lo. Ache outro humano, traga-o aqui e ofereça seu sangue para salvar aquela criatura agonizante. Talvez Félix não queira ser salvo, pense nisso.

– Ele gritou pelo pai. Ele algum dia teve um pai? Vampiros nascem?

A sereia revirou os olhos e resolveu aproximar-se da márgem para que conversassem, nada definitivamente convenceria Nicolas de sair dali sem que antes tivesse suas perguntas respondidas. Talvez, quem sabe, se conversassem um pouco ela conseguiria fazê-lo sair dali.

– Cale-se e me escute... Há alguns séculos atrás Félix já foi um humano como você, ele foi um príncipe filho de um reino já desfeito que hoje tem seus últimos vestígios dentro dessa floresta, ele tinha uma irmã e pais. O rei, seu pai, muito severo lhe criou para ser seu sucessor, mas a partir de sua adolescência começou a desconfiar da real capacidade do filho em comandar o reino e o exército...Para seu desgosto ser ainda maior sua filha implorava que a deixassem casar por amor, como se um dia amor houvesse existido nessas terras...

– Continue, por favor...

– Pois bem, um dia o rei descobriu que seu único filho fora enfeitiçado pelo chefe da guarda que queria roubar-lhe o trono e matar toda a família real, Félix em sua inocência não percebeu que toda a atenção que recebia do chefe da guarda era para que pudesse adentrar cada vez mais nos aposentos do castelo até que conseguisse encontrar o aposento do rei e assassiná-lo. Por pouco ele não conseguiu. Olho por olho, dente por dente, o rei Ceasar ordenou que o chefe da guarda fosse morto em praça pública na frente de todos para que ninguém mais ousasse atentar contra a vida do rei. Félix caiu em desespero e implorou a seu pai que lhe poupasse a vida, que o banisse do reino, mas que de maneira nenhuma o empalasse. Ele implorou... De joelhos...Era verdade que ele queria assumir o reino, mas somente para permitir que eles pudessem se unir na carne, assassinar seu pai nunca fizera parte de seus planos.

– O rei entendeu que o feitiço em seu filho era muito forte, pois nunca imaginou que ele pediria pela vida de outro homem daquela maneira. Incapaz de matar o filho para mostrar que sua vontade era soberana ele lhe perguntou o que lhe era mais importante naquele momento – o reino ou a vida do chefe da guarda. Félix permaneceu calado. O rei encheu-se de fúria e condenou seu filho ao exílio já suspeitando que tudo não seria um plano para que Félix assumissse o trono antes de sua morte.

– O príncipe foi deixado a beira dessa floresta para que morresse ou seguisse ao longo do rio para a Prússia ou Gália, qualquer lugar longe de seu reino. Suas últimas palavras foram súplicas a seu pai para que perdoasse sua fraqueza, pois como sua irmã, também amava um homem. Foi deixado sozinho pelo pai sem nenhum cavalo ou moeda, apenas com uma bolsa com poucos mantimentos para sua viagem. Se voltasse ao reino, teria a mesma sorte que o chefe da guarda.

– Mas ele queria o reino? Ele planejou a morte do pai? – Nicolas não conhecia nenhuma lenda ou história que chegasse perto de tudo que estava ouvindo

– Félix chorou muito até ser encontrado por uma senhora que lhe ofereceu abrigo, ela morava naquela cabana em que ele agora agoniza. Ela, após conhecer a história do rapaz, lhe ofereceu um pacto, um pouco de seu sangue em troca de poderes infinitos que lhe permitissem roubar o trono de seu pai e lhe fizesse aceitar o filho como ele realmente era. Cheio de ódio ele aceitou o pacto. A velha era uma vampira em busca de sangue, seu nome - Idit, na verdade ela queria um companheiro que lhe apaziguasse a solidão e fosse capaz de satisfazer seus desejos mundanos....

– Como você?

– Sim, como eu...Ainda não terminei, quer saber o que acontece?

– Sabendo que Félix, apesar de tudo, amava seu pai e sua família, a vampira o mordeu e o deixou inerte por cem anos, todos que ele conhecera já estariam mortos e assim seria mais fácil para ele aceitar sua nova condição e unir-se a ela. Doce engano, quando ele finalmente despertou a primeira coisa que fez foi retornar ao seu reino em busca do perdão do pai... Para seu desespero descobriu que seu pai falecera a pelo menos oitenta anos; e sua irmã e sobrinho, há pelos menos sessenta anos. Todas as pessoas que amava estavam mortas e ele carregaria o peso de não ser perdoado pelo seu pai pela eterniade.

– Ninguém o conhecia, mas haviam vários retratos dele com sua família pelo castelo e não demorou para que todo o reino fugisse daquele ser amaldiçoado. O reino foi abandonado a própria sorte, mesmo Félix implorando que ali ficassem pois ele só queria saber onde seus pais haviam sido enterrados. Todos fugiram deixando o castelo e as riquezas para trás com medo do demônio de olhos amarelos que urrava na praça central clamando por seu pai.

– É por isso que ninguém fala desse castelo! Não sobrou ninguém lá!

– Sobrou apenas Félix, que voltou a floresta em busca de Idit para matá-la de alguma forma, depois de mais cem anos de procura ele conseguiu matá-la e como castigo, já agonizante Idit soltou vários demônios para que todas as aldeias em volta fossem destruídas, Lupus que você conheceu hoje mais cedo também fazia parte desse grupo. Para evitar um mal maior ele jurou que não deixaria essa floresta até que conseguisse matar todos os seres libertos por Idit que ameaçariam o mundo dos humanos. Isso é o que eu sei, foi minha mãe que me contou. Somente Félix pode lhe explicar nos detalhes que necessitas saber.

– Sim, isso eu lembro das histórias de várias aldeias, um monstro pedindo sangue de um recém-nascido em troca de proteção.

– Não há mais demônios nessa floresta, ele pode morrer em paz. Eu preciso lhe tirar daqui para que também tenha o meu destino abençoado. Por favor, Nicolas, deixe-me guiá-lo até a outra margem do rio para que saia daqui.

Toda aquela história havia deixado o jovem loiro confuso, pela primeira vez havia escutado que alguém poderia ser como ele, seria por isso que o vampiro lhe pareceu tão curioso com alguns de seus pensamentos, afinal para que interessaria saber ao vampiro o episódio das moedas.

– Eu não vou embora Nereida. Além do Félix, tenho cinco carneiros para cuidar. Preciso de sua ajuda.

– Eu não sei como ajudá-lo além de tudo que lhe expliquei agora. Preciso consultar minhas irmãs em outros rios. Talvez alguém saiba de algo, já que não consigo lhe tirar daqui só me resta ajudar.

– Obrigado. Preciso lavá-lo, ele cheira mal.

– É o veneno que o consome. Vê aquelas plantas ali, tire algumas folhas e leve-as para esfregar nele, na cabana deverão haver algumas peças que conseguirá trazer água do rio. Eu tentarei achar alguém que nos ajude. Partirei pela manhã e retornarei em três dias.

– Ele pode me escutar?

– Eu não sei. Boa sorte Nicolas.

Incrédula com a determinação do rapaz, a sereia voltou a submergir enquanto acompanhava Nicolas indo em direção aos carneiros com algumas folhas e um cantil com água.

O cheiro dentro da cabana estava insuportável e Nicolas estava a passar mal pelo cheiro de enxofre que o vampiro exalava.

– Félix, você me ouve? Eu preciso limpar você. Com licença.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

obrigada a todos que estão acompanhando, espero que continuem gostando da história



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Oito carneiros" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.