Oito carneiros escrita por Rose


Capítulo 3
Cap. 3


Notas iniciais do capítulo

Um acordo.



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Ninguém nunca soube dizer o que era real ou lenda no mundo dos vampiros, alguns espalhavam que o mais seguro era andar com uma cruz e alho, outros acreditavam que eles não eram refletidos no espelho e principalmente que nunca entravam sem ser convidados. Félix de uma certa forma se divertia com todas aquelas lendas pois o que ele sabia de verdade é a muito tempo não desejava tanto matar um humano.

Enquanto mirava Nicolas adormecido perto da fogueira, ele imaginava se teria forças para esperar mais alguns dias de caminhada até que chegassem ao castelo (ou o que havia restado dele), nem se lembrava ao certo quantas vezes havia descido pela margem do rio em busca de algo que pudesse mantê-lo saciado e forte para conter todos os demônios que ele mesmo havia permitido que morassem ao longo da floresta que o cercava agora. Já havia se esquecido quantos haviam morrido, de uma certa forma era esse o motivo que lhe fazia preferir recém-nascidos até aquele estranho momento que encontrou esse rapaz que sem pestanejar se ofereceu em lugar do sobrinho. Talvez a curiosidade em saber o porquê daquela troca fosse a razão de tudo.

Recostado em uma árvore e perdido em seus pensamentos ele permanecia de olhos fechados, vampiros não dormiam e ele se lembrava com um sentimento tão nostalgico como era boa aquela sensação de dormir. Fechar os olhos por uma boa noite de sono e não pensar em nada.

“Nossa, estou cheirando muito mal.”

Essa frase inocente acabou por não chamar a atenção do seu algoz que estava a poucos metros na penumbra da madrugada assegurando-se que sua refeição não iria fugir. Mas Nicolas eram um homem de palavra, sabia que havia trocado sua vida pela de seu sobrinho na esperança que ele honrasse o nome de sua família na aldeia. Nicolas nunca seria aceito ou teria algum lugar ao sol, não naquela época naquele lugar.

Com um esforço além do normal ele levantou-se, despiu-se e foi em direção ao rio, melhor lavar-se e estar limpo para sua hora derradeira, não fazia idéia de o porquê dos carneiros, mas com certeza eles deveriam ser mais importantes que sua própria vida.

“Ele tem razão, um banho não faria mal a ninguém. Quando chegarmos ao castelo poderá ser seu último desejo.” De tão distraído em seus próprios pensamentos Félix só percebeu que Niko estava a adentrar na água quando escutou seu grito apavorado sendo abafado pela água.

– Maldição! Sereias de rio!

Nicolas já estava submerso debatendo-se quando Félix pulou na água de encontro àquela sereia que queria afogar sua refeição. Era impensável que alguém entrasse no rio sem pedir permissão a ela.

“Ele deve morrer”.

“Ele é meu!”

“Ele é do rio, ninguém entra no rio sem me pedir permissão.... O que lhe faz mantê-lo vivo?”

“Não vamos mudar de assunto! Eu entrei no rio sem sua permissão.”

“Você é sempre bem vindo. Mas veja, enquanto nós discutimos o humano se afoga...Morto ele não vale nada para você. Aqui ao menos ele será uma boa refeição para meus amigos peixes”

A parte daquela troca de pensamentos, Nicolas se debatia desesperadamente buscando um ar que já faltava, na angústia do afogamento ele não podia perceber o que estava acontecendo a não ser que algo segurava firmente sua perna.

“O que você quer de mim criatura?” Antes que ela pudesse responder Félix já sabia a resposta e lhe agoniava que sua presa morresse nas mãos de outra pessoa que não ele.

“Aceito”

“Todo esse sacríficio por um humano? Já faz tanto tempo...Tens saudades?“ Antes que Félix pudesse dar qualquer resposta a parte dela no acordo estava cumprida, Nicolas afundava no rio ao inves de buscar a superfície.

“Se ele morrer, nada feito.”

“Não acordamos que ele estaria vivo, melhor você se apressar em salvá-lo porque independente disso eu estarei lhe esperando.”

“Maldição!”

“Todos nós somos condenados. Eu estarei esperando meu pagamento a beira do rio.”

Félix puxou para a superfície o corpo amolecido do rapaz, tentou acordá-lo com um tapa como se aquilo fosse liberar a água de seus pulmões. Em vão. Por fim entregou-se a única coisa capaz de salvar aquele rapaz loiro e agora de pele azulada.

– Dai-me forças para que eu não o mate! – Félix sabia que poderia matá-lo se não se controlasse, por algum capricho interno o queria vivo, lembrou-se que ainda haviam seis carneiros para se aproximar daquele homem que parecia não existir de tanta inocência.

A lembrança de ajudar um ente de um mundo que já não era mais seu veio a tona, se o tempo lhe havia roubado muito dos sentimentos que um dia o habitaram ; ainda tinha esperanças que saberia como agir. Entre tantos pensamentos prometeu que a si que conseguiria ser mais forte e salvar aquela alma desenganada, mesmo que fosse apenas uma única vez.

Funcionara, com o toque sábio de seus lábios ele conseguiu expulsar a água daqueles pulmões tão frágeis, entre o primeiro refluxo de água e a primeira tosse para que ele acordasse lhe incomdou que a ninfa presenciasse a cena que representava o oposto de tudo aquilo que era de destino a Felix – ele estava salvando alguém e não matando. Naquele que seria a última expiração a fim de reestabelecer a plena respiração de Nicolas Félix se viu traído por algo que há muito tempo não imaginava que pudesse sentir. Aquela sensação lhe invadiu iniciando um longo e sinuoso caminho entre sua boca e o baixo ventre, seria um caláfrio? Nem imaginava que poderia mas ainda assim era verdade, aquela sensação tão, tão distante de quem ele se tornara, de quem ele era. Desejo.

– Coff, coff, coff – Finalmente Nicolas correspondia ao esforço de seu algoz e despertava atordoado. O que havia acontecido? Não se lembrava de absolutamente nada. Já havia amanhecido e o reflexo do sol iluminava o rosto de seu salvador nun contraste impossível de se imaginar.

– Félix, o que houve?

– Inferno! Inferno, levante-te criatura e vista-se. Aguarde próximo aos carneiros. Não me chame pelo nome. Agora vá!

Sem saber o quê dizer ele percebeu que estava nu e fechou os olhos, não havia como esconder-se e aquela situação o deixou tão atordoado que foi preciso mais um grito de Félix para que saísse de perto dele.

Sentado a beira do rio o vampiro mais que furioso observou o rapaz sair correndo de perto dele com um sorriso que teimava em aparecer entre a sua expressão de ódio que se tornou dominante assim que ele virou a face em direção a ninfa.

“Nereida, agora não.”

“Por que não, que lhe impede? O rapaz? Temos um acordo, ele vive.”

“Temos um acordo, temos um acordo, eu devo ter salgado o mar morto para ter você repetindo isso como um mantra...Você terá o que quer, mas agora não. Não quero o rapaz nos observando. Essa noite alcançaremos as cabanas de caça de verão, com ele em alguma cabana você terá sua parte no acordo.”

“Nunca imaginei o mestre da floresta com vergonha. Chega a ser engraçado. Estarei pronta ao anoitecer para ter meu pagamento.”. Com a certeza que receberia sua recompensa por libertar o jovem ironicamente a ninfa de cabelos ruivos adentrou nas águas novamente. Félix sabia que seria seguido até a noite e lhe irritava fazer acordos daquela natureza.

– Criatura! Mas o que eu disse pra você? Como ousaste me desobedecer?

– Eu só achei...

– Você acha demais, você quase morreu!

– Como eu não morri, até agora não entendi? – Nicolas já estava vestido e nitidamente apavorado, o que havia acontecido de tão ruim? Tinha medo de pensar, se pensasse seu algoz poderia ficar mais curioso pois ele não tinha respostas para explicar aquela sensação estranha de bem-estar. Estaria enlouquecendo frente a eminência de sua morte.

– Você não está aqui para perguntar nada, nem os carneiros você conseguiu cuidar direito!

Quando Nicolas se virou para contar os carneiros viu que algo jamais pudera imaginar – realmente faltava um animal.

– Se eu devo morrer porque já não me mataste? Por que se preocupa tanto com os carneiros?

– Nem mais uma palavra ou pensamento. Seguiremos calados pela margem do rio.

Apesar do silêncio Félix seguia caminhando enojado, sabia que a ninfa lhe acompanhava por debaixo da água e não haveria de desistir em cobrar seu pagamento para libertar Nicolas. Se era uma maldição a sereia do rio estava certa, por que manter aquele rapaz vivo? Ainda haviam seis carneiros vivos para lhe dar tempo em responder essa pergunta para si próprio.


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Notas finais do capítulo

(resolvi embarcar na viagem de escrever isso :) agradecendo a todos que leram e comentaram.
(até breve)



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