A Cortesã escrita por Ami Ideas


Capítulo 1
Enchanté!




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A festa no salão da mansão de Rothandberg tinha sido ocupada por um burburinho. A viúva do Marquês finalmente retirara o luto e decidira presentear todos os seus amigos e conhecidos com a maior festa do ano. Muitas jarras de vinho da melhor safra, assim como acepipes deliciosos deslizavam de bandeja em bandeja nas mãos dos criados muito bem trajados.

O salão luxuoso albergava um enorme candelabro de cristais no tecto, o que criava um brilho adicional cintilante. Vários sofás de madeira bem polida e bordados feitos a mão, ocupavam os cantos onde algumas mulheres se encontravam sentadas a abanar os seus leques e falavam mal dos vestidos e das joias umas das outras. Os homens por sua vez estavam em pé, com os seus fatos, chapéus, e olhos curiosos. Muitos se faziam acompanhar discretamente pelas suas amigas solteiras ou separadas, estas que ficavam num canto afastado das mulheres casadas.

Ainda assim o burburinho que se sobrepunha a majestosa orquestra que muito bem tocava, não se devia ao vestido decotado de Marie de Rothandberg, que um dia antes se tinha desfeito de toda sua roupa preta e brincava de viúva-alegre, e sim pelo facto de ela ter há poucos minutos parado a Marcha musical para anunciar a chegada de Charlie Dumont, deixando a maioria das mulheres ultrajadas e os homens deveras curiosos! Não havia nenhum em toda corte que não teria ouvido falar dessa mulher misteriosa para muitos mas cujo nome já corria além-fronteiras. Diziam as vozes que a sua beleza não era a mais estonteante, mas que o seu charme deixava qualquer um rendido aos seus pés, pronto para extirpá-lo até ao último Níquel.

— É um absurdo ao que nos devemos submeter! Abrir salas para uma meretriz. — vociferou Mrs. Powell, seus cabelos estavam muito bem unidos num coque e o seu vestido preto estava orgulhosamente bem acomodado em seu corpo esguio e pálido. Estava acompanhada de sua filha Maribelle e do marido desta, Adrian Gilleston.

— Dizem as vozes que Charlie Dumont teria ensinado segredos a Marquesa. Eu não me importava de os conhecer! — revelou Maribelle com um ar sonhador. Mrs. Powell beliscou a filha, e estreitou os olhos azuis indignadamente.

— Criei-vos com afinco, Maribelle. Casaste-te com um homem de boa família e tens bons princípios. Não deverás repetir tamanho absurdo! — advertiu, de cenho unido. Maribelle era a beleza em pessoa: Seus cachos dourados baloiçavam como molas, os olhos azuis e a pele branca levemente rosada, a confiavam um ar quase angelical. Muitos foram seus pretendentes, mas Adrian vencera pelo sobrenome e os títulos pessoais em seu cofre.

— Elas se aproximam! — exclamou a jovem sem esconder o entusiasmo, sentiu um formigueiro invadi-la. Se conseguisse ao menos que aquela mulher lhe explicasse certas coisas que não conseguia conversar com a sua imaculada mãe, e muito menos com a sua madrinha. Queria compreender do dito amor que lhe disseram que faria, e que até naquele momento não tinha em nenhum momento sentido com o seu esposo.

— Não acredito que a Marquesa nos fará tamanha afronta! Adrian! — A velha Powell levantou-se a abanar o leque recusando-se a olhar para as duas mulheres que lentamente caminhavam em sua direção. Tal vestido vermelho ousado que Charlie Dumont trazia! "Novas modas de França, alegavam." Era justo como se fosse a segunda pele do corpo ou um dos seus vestidos de dormir, e longo, rastejava pelo chão com uma cauda como a das noivas.

— Sim, querida? Em que lhe poderia ajudar? — respondeu prontamente seu amado genro, sempre bem disposto para ouvir e acatar suas ordens. Não era muito alto como o amigo com quem conversava, tinha o cabelo castanho bem arrumado e uns olhos castanhos claros.

— Marie de Rothandberg vem em nossa direção. Nossa família é pura demais para assistir a integração de uma mulher da vida nesta sociedade. Deturpará a cabeça de nossos filhos que quererão seguir o exemplo. Exijo que nos retiremos desta festa promíscua. — disse, seu queixo estava firme e a mão trémula. Conseguiu ver o desapontamento nos olhos do jovem rapaz, afinal, tal como muitos queria ter o deleite de avistar a mulher da vida, mas como era bem educado disfarçou a decepção com um sorriso tentador.

— Pois claro, senhora minha sogra. Concordo plenamente. — mentiu, apenas para agradar a velha Powell que esboçou um grande sorriso de satisfação.

— Perdoe-me pela intromissão, mas creio que seja um pouco tarde, Mrs. Powell. — O amigo de Adrian aproximou-se. Era mais alto, e alguns anos mais velho que Adrian. Seus cabelos eram muito pretos e contrastavam com sua pele pálida. Os olhos eram dum azul vivo e intimidante.

Ela não o conhecia e por isso fez uma cara feia sem compreender o que tais palavras quereriam dizer. Seguiu o olhar dos dois homens, e arregalou os seus quando viu Maribelle trazer a mulher cuja face estava atrás de um leque como mandava a etiqueta, na direção deles.

— Maribelle Powell Gilleston! — A velha senhora perdeu a compostura ao proferir o nome da filha num tom alto, e chamar a atenção dos transeuntes ao redor. Sua face ficou vermelha de raiva por sua filha tê-la desacatado, e jurou para si mesma que mesmo ela sendo casada levaria um castigo.

— Adrian, mãe! A Charlie Dumont é um doce de mulher. E é tão jovem! — disse a jovem angelical, inocentemente e sem sequer medir a situação a sua frente.

— Quão educada é vossa Maribelle. — Elogiou Charlie, mostrando sua boa educação. Sua voz era aveludada e sensual, e tinha um grande diamante por cima da luva na mão que abanava o seu leque grande. — Enchanté!

— A Mrs. Loretta Powell, eu sou o Adrian Gillestone e o meu amigo James York. Prazer é todo nosso, senhora Dumont. — Apresentou.

Naquele mesmo instante Charlie parou de abanar o leque e desceu a mão involuntariamente até ao colo. Sua face possuía traços finos, embora seus lábios fossem volumosos e estavam pintados de vermelho. Os olhos escuros exibiam cílios longos, seu cabelo preto estava bem preso na nuca e contornado por pequenas pedras.

— Charlotte? — James questionou, sua expressão tornou-se fantasmagórica e seus olhos escureceram ao que viam. Todos os fixaram sem compreender.

— Foi um prazer conhecer a sua família, Maribelle. Espero poder ter a oportunidade de revê-los novamente. Por agora devo ir, muita gente espera ter a honra de minha graça. — disse ela numa calma assustadora, ignorando James. Fez uma leve reverência e caminhou de volta para perto da Marquesa de Rothandberg.

Mrs Powell e a sua família não se demoraram nem mais um segundo naquela festa, e Adrian teria insistido para que o amigo fosse com eles a fim de saber sobre o ocorrido, mas James negara-se. Permanecera na festa sozinho sem ainda acreditar o que via. Charlie Dumont se tinha transformado em uma cortesã e sequer olhara para ele novamente pelo resto da noite.


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