A Cor Púrpura De Teus Cabelos escrita por Letícia


Capítulo 89
A Fuga




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/600759/chapter/89

 

  Purple Haze - Jimi Hendrix

Purple haze all in my brain
Lately things don't seem the same
Acting funny, but I don't know why
Excuse me while I kiss the sky

Purple haze all around
Don't know if I'm coming up or down
Am I happy or in misery?
Whatever it is, that girl put a spell on me

Help me, help me
Oh, I don't know

Purple haze was all in my eyes
Don't know if it's day or night
You've got me blowing, blowing my mind
Is it tomorrow or just the end of time
Who knows?
Help me, yeah
Come on know
Tell me, tell me



— Você é uma decepção, Dolores!
 Lúcio gritava com Lola raivosamente. Seus olhos quase soltavam de suas órbitas. Suas veias do pescoço se exaltavam e seu semblante era de puro ódio. Em toda a sua vida, Lola nunca o tinha visto agir daquela maneira.
— Pai, eu posso explicar...
  A menina tentava argumentar mas era em vão pois o pai não estava disposto a ouvi-la.
 - Explicar? – ele levantou o dedo indicador – Não precisa me explicar nada, o que eu vi foi o bastante. É nojento, grotesco e abominável. Como você pôde ter um caso com a sua própria professora e ainda por cima nas minhas costas?
  Lola estava sentada no sofá da sala e chorava desesperadamente com as mãos cobrindo o rosto.
 - E como aquela mulher ousou me enganar?
 Ela certamente se esqueceu que sou advogado, mas ela vai pagar pelo o que fez.
— Nós não tivemos nada mais sério antes do meu aniversário – disse aos soluços.
 Lúcio arregalou os olhos horrorizado.
— Como você é capaz de me dizer isso? – ele fechou os olhos e recuperou o fôlego – Ela traiu o próprio marido e iludiu uma garota. Isso é insano, nojento e imoral.
  Ao ouvir o próprio pai falando mal de sua amada, a menina limpou as lágrimas, engoliu em seco e ergueu a cabeça antes de começar a falar o que estava preso dentro dela há muito tempo.
— Ela está separada dele e não quero que a insulte. Eu acho que o seu grande problema não é o fato dela ser mais velha e sim de ser um mulher. Não é isso, papai? – ela perguntou em um tom debochado.
 Lúcio umedeceu os lábios antes de começar a falar. Michele observava tudo em um canto da sala bastante apreensiva.
 - Você e o resto do mundo podem achar que isso é normal, mas não é normal. Você me enganou. Como eu iria desconfiar de vocês duas? Aquelas aulas eram apenas farsa, então? Como você teve a audácia de se relacionar com uma mulher e ainda por cima mais velha que você? Agradeço que a sua mãe não esteja aqui para ficar decepcionada com você – ele disse expelindo raiva como um vulcão.
  Lola balançou a cabeça e quando ouviu a palavra ‘’mãe’’ retomou o choro e se levantou do sofá.
—Não fale assim com ela! – Michele tentou interver se aproximando de Lola e colocando as mãos sob os ombros dela.
— Não se meta, Michele! Você não tem nada a ver com isso. E não a defenda! – ele gritou.
— Não grite com ela! Ela está grávida e merece respeito – a filha se aproximou do pai, respirou fundo e apesar de sentir todo o seu corpo tremer não se calou- Você é homofóbico, machista e ditador. Mamãe não teria vergonha de mim e sim de ver o homem que você se tornou. Você é e sempre foi um péssimo pai e só espero que saiba cuidar do seu novo filho pois no meu caso você não se saiu nada bem em me educar. Eu te odeio! – ela cuspiu as palavras com raiva.
  O rosto de Lúcio ficou roxo de ódio. Ele queria bater em sua filha mas não era algo de seu feitio. Então mandou que ela fosse para o quarto e que ficasse lá até segunda ordem pois apesar de ser maior de idade ainda morava sob o teto dele e então ele era o dono da casa e ela deveria seguir suas ordens. Lola foi para o quarto e bateu a porta com raiva. Ela só conseguia pensar em Miranda e no grande plano que tinham.

***

— Como assim vocês vão se separar?- perguntou dona Mônica incrédula.
 Miranda exibiu um sorriso no rosto em resposta ao olhar desafiador de Henrique.
— Quando o casamento não vai bem o melhor é se separar – explicou a professora.
 Quando Miranda abriu sua bolsa para verificar a hora percebeu que havia recebido uma mensagem de Dolores. Resolveu que ligaria para ela, então levantou da mesa com um pedido educado.
 Se dirigiu ao corredor e ligou para a amada. Ao ouvir a voz embargada da menina se assustou e ficou apreensiva.
— Oi... o que houve?
— Meu pai e eu brigamos. A formatura foi uma tragédia, Anna exibiu uma foto nossa em que estávamos nos beijando  e todos agora sabem do nosso caso. Temos que fugir ainda hoje – disse Lola desesperada.
  A professora ficou aflita e olhou para os lados para verificar se estava tendo privacidade no corredor de seu apartamento.
— Eu não acredito! – ela disse chocada e levou uma das mãos à testa- Então temos que partir agora mesmo.
— Mas onde nos encontraremos? – a garota sussurrou para ninguém ouvi-la.
 Foi neste instante que Henrique deixou os pais se deliciando com a torta doce e foi sorrateiramente espreitar sua ex esposa e ela não percebeu a presença indesejada.
— Eu irei em meu carro e você pode ir a pé, o local que podemos nos encontrar é bem perto da sua casa. Anota aí...
  Então a menina anotou o endereço da rua em que iriam se encontrar, o que elas não sabiam é que mais alguém também sabia da fuga. Henrique ouvia tudo atentamente, apesar de não saber com quem ela estava falando ele estava ciente de sua intenção. Que era fugir e abandoná-lo, mas ele não cederia tão fácil assim. Sua obsessão pela dama dos olhos esverdeados só aumentava e depois da separação ele estava disposto a fazer o possível para tê-la de volta.
— Anotou tudo? – perguntou Miranda.
— Sim. Quando eu chegar no local te enviarei uma mensagem.
—Tudo bem. Então... te vejo em breve.
— Mal posso esperar para tê-la finalmente – disse Lola esperançosa.
— Eu te amo!
— Eu também te amo e nada e nem ninguém irá nos separar.
  Miranda sorriu e se despediu de sua amada. Antes de voltar à sala, Henrique já havia voltado para o seu posto anterior e sua presença tinha passada despercebida.
— O que houve, querida? – perguntou ele enquanto cortava um pedaço de torta com um colher.
 Miranda se segurou para não responder o vocativo audacioso que ele havia a chamada.
— Bom, irei à formatura como o combinado – ela mentiu.
— Mas já vai embora? – perguntou Fernando com um muxoxo.
— Não vai ao menos comer a sobremesa conosco?
— Não dona Mônica, mas agradeço ao convite. Foi bom vê-los. Até! – ela se despediu apressadamente dos pais com um beijo no rosto, foi quando Henrique a questionou.
— Não vai se despedir de mim?
 Miranda deixou passar despercebido algo malicioso nos olhos azuis e oceânicos daquele homem perverso. Ela não queria se despedir, achava desnecessário e tinha nojo em abraça-lo, mas como nunca mais o veria novamente, resolveu consentir ao seu apelo estranho.
— Tchau, Henrique. Mas eu voltei mais tarde – ela mentiu novamente.
 Henrique a abraçou com força e disse sussurrando ao pé do ouvido:
— Assim espero...
 Miranda se afastou dele e seus olhos verdes miraram os olhos azuis dele. Bem de perto.  Pela última vez. Ela não desconfiou das supostas intenções dele, achou que era  mais um de seus joguinhos de reconquista, mas o que ela não sabia que a jogada dessa vez era mais baixa. Bem baixa e talvez desumana.
NARRAÇÃO DE LOLA

  Meu coração batia acelerado. Minha boca estava seca. Achei que passaria mal de tanta adrenalina.
 Arrumei minha bolsa de fuga novamente e verifiquei os meus pertences mais valiosos. Abri todas as gavetas do meu quarto e catei qualquer resquício de moeda ou nota em dinheiro. Cada centavo seria valioso, apesar de que usaria minha conta bancária quando preciso. Beijei a fotografia de minha tão amada mãe, fechei os olhos e orei para que ela me abençoasse. Para aonde quer que ela estivesse  possa emanar sua força e me cobrir com sua benção e proteção.  Guardei a foto e dei uma última olhada em meu quarto. Passei as mãos em meus livros, em minhas roupas e na minha cama. Certamente sentiria falta daquele lugar mas eu abrirei mão de tudo pata ter Miranda ao meu lado. Havia chegado a hora de partir e crescer.
  Pulei da janela do meu quarto e deixei um bilhete para Michele e meu pai. Limpei minhas mãos de terra e coloquei a bolsa, que havia jogado antes de pular, em meu ombro. Antes de correr em direção ao meus destino, dei adeus à minha casa que por anos havia sido o meu lar. Era hora de deixar tudo para trás e seguir meu sonho. Era hora de ser feliz.

***

 NARRAÇÃO DE MIRANDA

Andei em direção ao estacionamento do prédio e entrei em meu carro com o coração batendo à mil. Uma mala que eu havia feito com antecedência estava no banco traseiro do carro. Junto com ela havia uma carteira com meus documentos. A abri e verifiquei se tudo estava de acordo. Então dei partida no meu carro e olhei pelo retroviso antes de dirigir. Verifiquei se não tinha alguém em meu caminho e então rodei o volante e dirigi, deixando meu apartamento para trás. Me livrar de meu passado e dar início a uma nova era a única coisa que me importava. Estava mais próxima de ter Lola para sempre ao meu lado e era aquilo o que eu mais desejava.

***

 NARRAÇÃO DE MICHELE

 Meu esposo estava enfurecido com o que tinha recém descoberto, não o culpo mas sei que ele estava errado com o que tinha dito para Lola.
 Senti uma pontada de culpa, pois no dia que ela havia me revelado que estava apaixonada por uma pessoa do mesmo sexo, eu poderia tê-la encorajado a dizer a verdade ao pai, mas não o fiz. E não passava por minha cabeça que essa pessoa era a professora dela, achei que era uma menina de sua idade, alguém do colégio que frequentava. Não tenho preconceitos com diferença de idade. Ora, olhem para mim. A diferença entre mim e Lúcio são mais de doze anos, mas eu sabia que o caso de Lola era delicado, não por serem duas mulheres mas por Dolores ser muito nova. Torci para que elas não tivessem tido algo a mais antes dela completar a maior idade. Lúcio era advogado e poderia usar a lei contra Miranda e no fundo eu sabia que a intenção dela não era prejudicar ninguém. Antes de ser a amante secreta de minha enteada, Miranda era esposa de meu primo. Pensei imediatamente em como ele iria reagir ao saber daquilo. Acalmei meu marido e ele pediu desculpas por ter gritado comigo. Achei lindo a atitude dela em me defender. Sem dúvidas ela era uma garota especial e eu faria de tudo para ajudá-la.
— Amor, não acha que pegou pesado demais? – perguntei à ele enquanto massageava seus ombros.
— Se peguei pesado? Está brincando, não é? Ela merecia umas palmadas que nunca havia recebido na infância – ele disse enquanto mudava de canal na televisão.
— Agora já é tarde demais. Ela já é uma mulher crescida.
— Sei disso e talvez ela esteja certa em dizer que sou um péssimo pai. Não soube criá-la e por isso se tornou isto. Uma mentirosa – ele começou a chorar.
— Não chore... Olha, vamos comer algo. Eu preparo a janta hoje.
— Não estou com fome – disse rispidamente.
—Tudo bem, mas farei para que Lola e eu comermos. Aliás, posso ver como ela está?
 Lúcio assentiu e seu celular tocou. Era o diretor Cézar.
— Eu sei, diretor. Lamento que a atitude de minha filha tenha sujado o nome da instituição que você dirige, mas você tem que levar em consideração o comportamento ultrajado e descabido de sua filha também.
 Antes de me afastar dele, consegui ouvir que descutia com o diretor do colégio. Balancei a cabeça e bati na porta.
— Lola, você está bem?
 Ninguém me responde, então bati de novo.
— Lola, você está aí?
  Como não obtive nenhuma resposta, levei a mão à maçaneta e a girei. Quando abri a porta do quarto e não a vi, soltei um grito agudo.
 Lúcio desligou o celular e veio ao meu encontro.
— O que foi, querida? – ele me perguntou me olhando preocupado.
— Ela... ela fugiu – eu disse gaguejando.
  Lúcio percorreu os olhos por toda a extensão do quarto e mirou, como eu também, a janela escancarada com o vento soprando a cortina.
— Não acredito que ela fugiu! – ele gritou.
 Antes de entrarmos no quarto e vasculharmos ao redor, ouvi um trovão ao longe e o barulho de chuva caindo do céu. Quando achei o bilhete deixado por ela, logo soube que sua intenção não era voltar tão cedo para casa. Talvez não voltasse nunca mais.

‘’ Pai, estou te deixando para que não carregue o fardo de ter uma filha lésbica, pois sei que você é preconceituoso. Se esforce para não cometer os mesmos erros com o pequeno Gabriel e caso ele tenha um orientação sexual como a minha, que ele possa sentir livre para lhe contar. Ainda há tempo de mudar, Lúcio. Basta você querer.
 Michele, obrigada por tudo e pelo seu apoio. Me desculpo, pela milésima vez, por ter lhe tratado mal no início (e por ter derramado aquela macarronada em você), no fim você foi a única que me senti bem em me abrir. Não se sinta triste ou incapaz por não ter feito mais. Você fez o bastante e sei que será uma mãe maravilhosa.
 Espero que sejam felizes juntos e como assim também busco minha própria felicidade, por isso estou os deixando. Adeus.’’


Lúcio ficou estático e boquiaberto com o que eu havia lido. Uma lágrima escorreu por um de seus olhos e eu a vi brilhar sob sua face. Pude sentir que ele estava arrependido e devastado por dentro.
— Não a deixarei partir. Ela é a lembrança mais bela que tenho de Mayra e a amo muito.
 Coloquei uma mão em um dos ombros dele e disse:
— Então iremos atrás dela.
Um relâmpago fez um barulho antes de darmos os primeiros passos para fora de casa.

 NARRAÇÃO DE HENRIQUE

 Assim que Miranda fechou a porta e partiu, eu me apressei e fui em direção ao local onde estava guardado algo que nunca tinha sido usado por mim. Na cômoda da sala, abri uma das gavetas e meus olhos brilharam ao verem a caixa verde água de madeira. Ela guardava algo que tinha pertencido ao meu avô paterno e eu guardava apenas por precaução.
 Umedeci os lábios e sorri ao ver que a arma estava lá. Despistei meus pais e não os permite que vissem o que eu estava fazendo. Peguei a arma rapidamente e guardei em meu bolso da calça. Fechei a gaveta rapidamente e senti um frio na espinha. Respirei fundo e antes de corres atrás de Miranda me despedi de meus pais.
— Volto logo.
— Vai aonde, querido?
— Vai nos deixar aqui, meu filho? – perguntou meu pai.
— Tenho que resolver uma coisa urgente.
— Mas logo agora?
— Bom, volte logo. E querido, tenha juízo.
 Ela se despediu com uma frase típica de pais, independente da idade os filhos sempre ouçam aquilo.
— Pode deixar.
 Mas o que eles não sabiam era que a última coisa que eu precisava naquela noite era juízo.

***
 Entrei em meu carro e vi no instante em que o carro dela cruzou a portaria do estacionamento. Eu teria que me apressar para alcança-la, mas sabia que eue Ra mais habilidoso, ágil e eloquente na direção. A segui mas mantive uma certa distância para não ser descoberto. Começou a chover e eu tive que ligar o para-brisa para que a chuva não atrapalhasse a minha visão.

***

 NARRAÇÃO DE LOLA

  A chuva forte molhou todo o solo e embaçou minha visão. Por sorte eu havia tirado o vestido de formatura e colocado uma calça jeans, coturnos, uma blusa branca e por cima joguei um casacão com gorro. Cobri minha cabeça com o gorro  e apressei meus passos. Quando finalmente cheguei ao local do encontro, aguardei apreensiva. Perto da rua, havia uma loja que estava fechada, então fiquei embaixo da marquise para me proteger da chuva. Peguei meu celular da bolsa e digitei que estava no local. Alguns segundos depois ela me respondeu dizendo que estava quase chegando e então meu corpo não tremeu apenas de frio, mas também de ansiedade. Era um misto de apreensão, medo, alegria e tristeza por ter brigado com meu pai. Meu corpo e minha mente era um ninho de confusão.

 

***

NARRAÇÃO DE LÚCIO

 Eu não queria que Michele fosse comigo. Ela estava grávida e deveria se poupar e ainda mais pois estava chovendo, mas ela insistiu tanto que eu resolvi ceder.
 Entramos em meu carro e fomos em busca de minha filha. Muita coisa tinha acontecido em tão pouco tempo. Eu cérebro ainda tentava assimilar todos os fatos. Nunca passou em minha mente que Lola gostava de mulheres. Para mim ela tinha uma queda pelo amigo Erick, mas pelo visto que estava enganado. Eu sou uma pessoa de cabeça fechada, admito. Para mim a homossexualidade não era algo normal. Eu sei que talvez eu não estivesse certo, mas era aquilo que eu pensava. Nunca tinha desfeito de ninguém com estas condições – até porque sou advogado e lido com diversos tipos de pessoas- mas quando a coisa acontece no seu gramado e não  só no seu vizinho, as coisas são diferentes. Quando eu vi a foto de Miranda e minha filha aos beijos fiquei horrorizado. Desejei que aquilo tivesse sido um pesadelo, mas não era. Aquilo era real e estava acontecendo debaixo do meu nariz. Me senti enganado. Eu havia aberto minha vida para aquela mulher e confiado minha filha sob seus cuidados e fui enganado no final da história. E ainda por cima ela era esposa do primo de minha mulher. Quando jantamos todos juntos, me senti em família, mas agora percebo que aquilo era uma farsa. Após discutir com Lola eu fiquei com muita raiva e senti que poderia perder a cabeça e até mesmo agredi-la. Mas quando li seu bilhete de despedida e engoli aquelas palavras me senti culpado. Culpado por não ter dado atenção suficiente à ela, culpado por não tê-la educado devidamente. Culpado por não ter tido sua confiança e por mal conhecê-la profundamente. Quando percebi que não a veria nunca mais senti meus estomago se contorcer e minha cabeça latejar.
 Lola havia sido o fruto da relação mais bela entre mim e Mayra, que havia acabado devido a um acidente terrível. Eu não poderia perder mais alguém que eu amava tanto. Apesar do mal relacionamento que tinha com minha filha eu não poderia deixá-la partir Não sem antes ao menos dizer que a amava.
 

***

 Depois de rodarmos com o carro em ruas nas proximidades, logo de vista percebi a presença de uma menina embaixo de uma marquise. Era Lola. Reconheci na hora pelo casaco e pela silhueta.
— Vamos buzinar para ela nos ver- disse Michele.
— Calma. Parece que ela está esperando alguém.
— Será que é... – Michele me olhou com aqueles olhos azuis esplandecentes.
— A Miranda? – o nome dela saiu com gosto amargo de minha boca.
— Vamos esperar aqui no carro para ver. Desligue as luzes do farol e estacione o carro.
 Fiz o que ela havia me dito e ficamos observando tudo com uma certa distância.

***

 NARRAÇÃO DE MIRANDA

 A chuva que caía tinha engrossado e isto tinha desacelerado meu ritmo. Tomei cuidado com a pista molhada e escorregadia.
 Segui caminho até ao meu destino.
 Quando finalmente cheguei, estacionei meu carro na calçada. A rua estava deserta, a não por uns carros que passavam. Visualizei Lola ao longe e saí do carro. Bati a porta e senti a chuva cobrir meu corpo. Senti as primeiras gotas frias tocarem a minha pele quente. Eu estava com o vestido elegante da formatura e não me importei em me molhar. Eu queria correr de encontro à ela e abraça-la e beijá-la antes de dar início a nossa jornada. Sorri quando acenei e ela me respondeu  de volta. Corri com os sapatos altos no aslfato da rua. Deixei meus cabelos loiros e molhados soltos enquanto eu corria, segurando a barra de meu vestido longo, indo em direção a pessoa que eu mais amava.

***

 NARRAÇÃO DE HENRIQUE

 Quando Miranda estacionou o carro eu tive que estacionar a uma certa distância. Agradeci aos deuses por ter mais automóveis naquela rua, pois assim ela não iria me descobrir.
 Me  surpreendi quando ela saiu do carro e foi correndo na chuva em direção a alguém ao longe.
 Não pensei duas vezes e também saí do carro, mas com a arma ainda em meu bolso. Quando percebi que a pessoa que a aguardava era uma mulher, quase tive um infarto. Ela estava me traindo com uma mulher?
 Dei uns passos mais adiante para enxergar melhor. Não iria entregar minha mulher tão fácil assim.

***

 NARRAÇÃO DE LÚCIO

 Avistei de longe que Lola tinha acenado para alguém, meus olhos percorreram até à pessoa e pelos cabelos e roupa, sabia de quem se tratava. E para meu desagrado havia confirmado naquele momento que era Miranda.
 - Você fica aqui, pois irei buscar minha filha – disse para Michele e nem dei tempo para ela responder.
 Fechei a porta do carro com força e praguejei baixinho quando comecei a ficar encharcado pela maldita tempestade.
 Apressei meus passos e quando estava prestes a ficar mais próximo delas, a cena que vi me deixou atônito.

 

***
 
 NARRAÇÃO DE LOLA

 Quando vi minha amada correr em minha direção no meio da chuva, meu coração saltou do peito de felicidade. Ela realmente veio. Cumpriu com nossa promessa. Também resolvi correr ao seu encontro. Tirei o gorro que cobria meu cabelo. Que se dane essa chuva! Ganhei velocidade e no meio do caminho, finalmente, nos encontramos. Estávamos prestes a celebrar nossa vitória e o que mais queria era tê-la em meus braços.

***

 NARRAÇÃO DE MIRANDA

 Meu peito arfava sem fôlego. Me irradiei de alegria quando a vi correr em minha direção com seus cabelos coloridos ao vento. Finalmente nossos corpos se encontraram no meio do caminho. Olhei profundamente em seus olhos e senti suas mãos ao me abraçar. A abracei fortemente e beijei sua testa molhada.
— Nada vai nos separar agora.
— Eu te amo, Miranda!
 Senti seus olhos castanhos atravessarem minha alma e não cogitei em beijá-la.
 Nossos lábios molhados se tocaram e nossos corpos sedentos de desejo se conectaram.

***
NARRAÇÃO DE HENRIQUE

 A cena que vi me deixou primeiro bastante surpreso, depois fiquei enojado e por último com raiva.
 O ódio que emanou de meu corpo esquentou-me por instantes daquele vento frio e chuva que lambiam nossos corpos. Não pensei duas vezes em fazer o que estava prestes a cometer. Levei minha mão ao bolso e segurei fortemente a arma carregada em meus dedos. Mirei nas duas que estavam aos beijos diante de mim. No momento que um estrondoso barulho de um relâmpago soou sob nossas cabeças, senti meu dedo apertar o gatilho na mesma hora e esbocei um sorriso maldoso nos lábios com sede de vingança.

***

 NARRAÇÃO DE LOLA

  Sentia o gosto do beijo da pessoa que eu mais amava em meus lábios. Meu corpo tremeu ao ouvir o barulho estrondoso. Era um relâmpago, mas também jurei que havia escutado um barulho de tiro.
 Foi quando percebi que Miranda havia parado de me beijar e senti suas mãos se afrouxarem em meu corpo. Ela soltou um gemido de dor e seu corpo ficou mole. A segurei em meus braços e me desesperei ao ver uma manche de sangue no vestido verde água no abdome.
 Meu cérebro entendeu o que realmente estava acontecendo e estremeci de medo.
— Amor, você está...
 Senti o peso do corpo de Miranda e a pálpebra de seus olhos tremelicaram.
 O mundo estava desmoronando mais uma vez para mim.

***

 NARRAÇÃO DE MIRANDA

 Os beijos de Lola me acalentaram quando senti uma dor terrível e ardente em minha barriga. Meu corpo cedeu-se e minha visão começou a ficar turva. Comecei a ficar fraca e perder os sentidos. Ela foi me aparando enquanto eu murchava como uma flor em seus braços. Parecia que estava sendo despedaçada pétala por pétala. Quando vi o desespero de Lola, sabia o que tinha acontecido. Olhei para minha barriga e vi o sangue vermelho marchar minha roupa. Eu havia levado um tiro e estava morrendo nas mãos de minha amada. Ela se sentou no chão e me segurou nos braços.
  Lembrei da obra de  Michelangelo em que a Virgem Maria segurava seu filho Jesus. Mas aquilo não era arte, era a vida real dura e cruel. Eu estava morrendo e antes que me entregasse por completo, proferi a única frase que pairava sob minha cabeça.
— Eu te amo – disse com dificuldade.
 O som ao meu redor começou a ficar fraco, mas pelo desespero de Lola sabia que ela estava gritando por ajuda e chorando muito.
— Não me deixe, Miranda! – ela gritou – Você não pode morrer! – ela me abraçou e beijou meus lábios – Eu te amo.
 Foram as últimas palavras que ouvi e a visão de Lola, com seus cabelos cor de púrpura molhados foi a última visão que tive.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Cor Púrpura De Teus Cabelos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.