Antes de sair para ter mais uma aula particular com Miranda, Lola resolveu abrir o jogo com seu pai e dizer que recebeu um convite para dormir na casa de seu amigo Erick e para a sua surpresa, ele consentiu e a deixou ir para casa dele depois da aula de português.
     - É sério que você deixou,pai? – perguntou surpresa.
    - Sim, porquê não? Afinal, você tem se comportado bem ultimamente, não tem me dado trabalho, não recebe recados de reclamações de professores por mal comportamento e tem se mostrado uma jovem mais compreensiva ao se dar bem com Michele. Então não vejo o porquê de não deixá-la ir.
‘’ Mesmo se não deixasse, eu pularia a janela e fugiria de casa como fiz da outra vez’’ pensou Lola, enquanto sorria devido a lembrança deste episódio. Um sorriso travesso se estampou em sua face.
  - E, além disso, vejo que você tem estado bastante feliz e agora sei o porquê disto...
  Lola franziu o cenho.
 - Essa história de namoro de novo não, pai. Por favor!
— Tudo bem – Lúcio levantou as mãos – Não sei como vocês jovens chamam isso hoje em dia, mas esse brilho nos seus olhos não tem outro nome; é amor.
 Lola fez cara feia para o pai e exibiu sua língua em tom de brincadeira e antes de se aproximar dele e dar-lhe um beijo na bochecha em despedida, ela sorriu ao relacionar a palavra ‘’amor’’ com a verdadeira pessoa responsável por fazer seu coração bater mais forte: Miranda. Ela era a culpada de todos os sentimentos de Dolores.

*****

No apartamento de Miranda, antes da chegada de Lola, o clima no local era de tensão. O casal não havia se entendido pelo o que aconteceu, um fato do passado de Miranda resurgiu na vida deles e isto estava abalando o casamento, que aparentava ser um dos mais perfeitos, felizes e sólidos que qualquer um que colocasse os olhos iria achar, mas, como sabemos, as aparências, meus caros, elas enganam e nem tudo o que você vê é verdadeiro.
Henrique tomava café da tarde, em silêncio na mesa, quando Miranda, saindo do quarto (após ter lançado notas de alguns alunos no sistema), seguiu em direção à cozinha, onde encontrava-se seu marido. Seguindo o aroma inebriante do café, a pobre mulher foi toda feliz se sentar à mesa com seu marido, quando, surpreendentemente, Henrique levantou-se da mesa, sem ainda ter acabado de comer e deixou sua mulher sem graça, perplexa e sozinha sentada à mesa. O marido estava evitando a esposa por dias, desde que descobriu a grande mentira omitida por Miranda durante todos os anos que estavam juntos. Ela escondeu a morte do bebê que eles teriam concebido ao mundo. Desde aquele dia, ele evitava a mulher de todas as formas; na hora das refeições ele se ausentava da mesa, deixando-a sozinha e indo comer em restaurantes, bares ou lanchonetes e se ela houvesse preparado algo para comer ele fazia questão de não comer. Na hora de dormir, ele pegava seu lençol  e travesseiro e seguia à caminho da sala e dormia no sofá, deixando sua mulher sozinha na cama, apenas acompanhada com o terrível sentimento de culpa por ter escondido o tal segredo. Mas, o que ele  fez naquele momento ao se levantar da mesa ao menosprezar a presença da própria mulher foi demais para ela suportar. Ela engoliu um gole de café amargo e sentiu descer queimando pela garganta e quando chegou em seu estômago, sentiu uma queimação e presumiu  que o aperto e queimação na boca do estômago não era por causa do café que recém tomado, e sim pelo total desprezo de seu marido.
   Então ela tomou coragem e disse com raiva:
   - Você não vai me humilhar deste jeito. Basta!
   Estas palavras fizeram com que Henrique parasse de andar, desse meia volta e prestasse atenção na esposa.
 - O que você disse? – perguntou ele.
— Isso mesmo que você ouviu. Estou farta disso tudo! Eu não mereço isso. Eu não mereço ser desprezada!
 Henrique ficou em silêncio por um momento e digeriu as palavras ouvidas. Por um instante, Miranda chegou a pensar que ele se redimiria, que pediria desculpas, mas para seu engano e desgosto ele fez o oposto. Fez o que ela não estava esperando, pelo menos não era o que esperava de um parceiro de longa data no qual ela havia construído um casamento sólido e teria depositado toda a sua confiança nele. Mas ela estava enganada. Completamente engada.