Nós estamos juntos escrita por Joana Guerra


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Depois de algum sangue, suor e lágrimas lá consegui escrever este capítulo. A música para este capítulo é autoexplicativa: Primeiro beijo, do Rui Veloso: “Quero o meu primeiro beijo/ não quero ficar impune/ e dizer-te cara a a cara/ muito mais é o que nos une/ que aquilo que nos separa”.



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Gambiarra, 2012

Mal o sol tinha despontado já Davi dançava e cantarolava animado enquanto terminava de preparar o café da manhã, quando Rita entrou na cozinha:

– Já a pé filho?- estranhou ela.

– Não está um dia lindo tia?- respondeu ele sorrindo.

Rita não podia deixar de lhe dar razão. O dia tinha começado com um céu azul de fazer inveja a muitos pintores e uma temperatura muito agradável convidava a sair de casa.

– Vocês conseguiram terminar tudo ontem?- perguntou-lhe a tia, pegando um copo de água.

– Quase tudo tia. O Bira ficou de dar um jeito no que falta. – disse ele, acabando de colocar a mesa.

– Tá filho, então porque é que você já está… Davi, você não me chegou a dizer: a Megan vem pro casamento?

Ouvindo o nome da americana Linus, que estava deitado num canto, levantou a cabeça e as orelhas.

Davi abriu um sorriso enorme:

– Vem sim. Ela já deve estar chegando.- disse ele, se sentando à mesa e se servindo.

Rita esboçou um sorriso de compreensão e, abanando a cabeça, saiu do cômodo.

Perto dali, na PLUGAR, se ultimavam os preparativos para a festa de casamento. Uma festa simples, mas alegre, que iria marcar um novo recomeço depois dos incidentes do ano anterior que tinham ameaçado fechar a ONG.

Jonas Marra não fazia uma ameaça que não conseguisse cumprir. Ele tinha mesmo cortado o apoio financeiro à PLUGAR e proibiu os Parker e outros empresários de ajudarem o projeto.

Se ele julgava que assim poderia forçar o braço de ferro com Davi a seu favor estava muito enganado.

Ainda que o funcionamento da PLUGAR começasse a ficar ameaçado nenhum dos dois obstinados Marra cedeu num milímetro.

Felizmente, as mulheres da família tinham muito mais juízo. Com um pouco de criatividade, Rita tinha conseguido injetar pequenas quantias de capital na ONG, que lhe eram dadas por Megan, que as recebia da sua Grand-mère e que permitiram manter as atividades com as crianças. Tudo nas costas de Davi e Jonas.

A astúcia de espias da guerra fria que elas tinham demonstrado não tinha contudo servido de muito quando, oito meses após a rutura entre Davi e Jonas, um incêndio destruiu boa parte das instalações da PLUGAR.

Davi tentou até ao último momento salvar o que conseguiu do recheio do edifício, só saindo quando Sandra, preocupada com o avançar das chamas, o arrancou de lá:

– Filho, a sua vida é mais importante do que o resto! - dizia-lhe ela completamento coberta de fuligem enquanto o puxava pela mão para a saída.

No rescaldo do incêndio a consternação era geral. A PLUGAR se havia tornado uma instituição muito importante para o bairro, como um símbolo de um amanhã melhor.

Tendo consciência de que não teriam como reconstruir o projeto, Davi se deixou cair entre Sandra e Clint que o abraçaram.

Tomorrow is another day, Davi. - dizia-lhe o escocês tentando consolá-lo – Juntos nós conseguimos.

Não conseguiriam. Por muita boa vontade que todos tivessem seria impossível reconstruir o edifício só com os poucos donativos que tinham recebido.

Mesmo numa situação de aperto Davi não contemplava sequer a possibilidade de pedir ajuda ao pai.

– Casmurrice. - comentavam a sua tia Rita e muitos outros que não compreendiam o porquê dele recusar qualquer ajuda vinda de Jonas.

Mesmo Clint não compreendia a posição de Davi:

– As grandes vítimas dessa guerra estão sendo os kids, Davi. Porquê não assinar uma trégua pelo bem deles?- perguntava ele.

A luta de Davi era interna. Davi Reis não ia aguentar ver o sofrimento das crianças por muito mais tempo, mas Golias não podia aceitar dinheiro sujo, mesmo que para beneficiar outros. As duas metades da personalidade concordavam contudo num ponto: os fins não justificavam os meios.

Umas semanas mais tarde Davi acordou com barulho de obras. Esfregando os olhos, colocou uma roupa qualquer e saiu para a rua, sendo seguido por Linus.

Seguindo a direção do barulho até à PLUGAR, quando lá chegou se deparou com um estaleiro de obras a pleno vapor. Por todo o lado trabalhadores e voluntários azafamados nas suas tarefas. Numa mesa ao fundo Clint, Sandra e Rita fazendo estimativas dos equipamentos que teriam de comprar.

– Mas que milagre é esse? - perguntou Davi espantado, se aproximando deles.- De onde é que saiu o dinheiro para pagar isso tudo?

Sandra riu e abriu a bolsa para tirar uma revista.

– Filho, você não pode ficar admirado por ela te chamar de silly boy. É bem merecido.- disse ela jocosamente, batendo com a revista no ombro dele, antes de lha entregar.

Ele devia andar mesmo a leste de tudo porque não tinha percebido nada.

Abrindo a revista viu uma matéria com Megan que começou a fazer luz dentro da sua cabeça. A maluquinha da Megan tinha decidido, sem lhe dizer nada, fazer um bazar com o conteúdo do seu closet, com as verbas daí resultantes a reverterem para a PLUGAR.

O bazar tinha sido um sucesso e, graças à publicidade que tinha gerado, choveram donativos para a ONG, permitindo que a reconstrução começasse no imediato.

Era mais um favor que ele ficaria a dever a Megan. Davi já não sabia dizer quando o jogo tinha virado. Muitos anos antes ele tinha prometido para si próprio que iria sempre tomar conta da sua bad girl e protegê-la de todos os males.

Todavia, nos últimos tempos, tinha sido sempre ela o cavaleiro andante e ele a donzela indefesa a precisar de resgate. Não que ele se sentisse diminuído por isso, mas sentia que Megan se elevava a um plano moral muito superior ao dele.

Não demorou muito tempo até que a PLUGAR ficasse pronta para a reinauguração. Na mesma época, Clint e Sandra decidiram que tinha chegado finalmente a hora de darem um passo em frente na relação e casarem. Depois de tantos problemas mereciam essa felicidade.

– Estou muito feliz por vocês. Vou ter muito orgulho em ter você como padrasto. - disse na época um Davi emocionado e abraçado a Clint.

O escocês se tinha tornado, ao longo dos anos, numa das figuras que Davi mais admirava pelo seu altruísmo e sentido de ética.

Perto das onze horas a maioria dos convidados já tinha chegado. Por todo o lado corriam as crianças da PLUGAR, brincando com bolas de sabão.

Entusiasmado pelo clima de festa ou antecipando algo de bom Linus saltava e ladrava, sendo segurado por Davi que esperava a hora de acompanhar a mãe ao altar.

O nerd olhava inquieto em volta esperando uma convidada muito especial.

Finalmente Megan apareceu. Ao contrário do habitual, trazia um vestido simples e apenas a pulseira que Davi lhe tinha dado dois anos antes como único adorno.

Bem, como único adorno até que as crianças da PLUGAR a circundaram e lhe colocaram uma coroa de flores na cabeça.

Antes que Davi conseguisse ir ter com ela já metade da Gambiarra disputava a atenção de Megan. Ela era uma lufada de ar fresco onde quer que estivesse e naturalmente atraía com a sua energia a atenção dos que para ela olhavam.

Linus correu na direção da dona, se atirando em cima dela.

Oh boy. Você cresceu tanto desde a última vez. Tomou bem conta do Davi? – perguntou ela, colocando um laço rosa no cachorro.- There boy, pronto para a festa.- disse ela, fazendo festas em Linus.

As pessoas em volta riram, bem dispostas. Davi começou a ficar incomodado por não conseguir chegar perto da sua bad girl, mas empurrar os convidados do casamento da própria mãe não era propriamente um comportamento socialmente aceitável.

Bastou que Megan olhasse na sua direção sorrindo para ele sentir borboletas na barriga, como um adolescente.

Davi olhava para a loira e sentia a alma a doer. Ela era o sonho de qualquer cara. Ela era o sonho dele. Ela era tão linda, tão especial e incrível e ele não tinha nada para lhe oferecer.

Ela merecia o mundo. Ele era um idiota que vivia numa garagem e não tinha um tostão furado nem um mínimo de integridade moral.

Agora ele não era mais um garoto. Era um homem de 20 anos que sabia o que queria. Aliás, que sabia quem queria. Megan. Ele queria fazer da sua bad girl aquilo que ela já era: a mulher da vida dele.

Depois de muito tempo lutando contra o destino ele finalmente tinha percebido o óbvio. Tinha sido sempre Megan do lado dele, o acompanhando passo a passo, entre tristezas e alegrias, na saúde e na doença, todos os dias da vida deles.

Ao caminhar com a sua mãe pelo braço em direção ao altar improvisado, como num passe de mágica, Davi viu flashes de um futuro possível. Eram como fotografias passando pelos olhos dele a alta velocidade.

Megan vestida de noiva caminhando em direção a ele. Ela com uma barriga enorme de grávida. Os filhos deles correndo com Linus pela Gambiarra. Risos. Amor. Família. Felicidade. Vida. Juntos construindo projetos que iriam criar um mundo melhor.

Por isso, Davi não ficou nada admirado quando, ao ouvir a voz do juiz de paz perguntar a Clint se era por livre e espontânea vontade que se casava, deu por si a olhar para Megan e a murmurar um “sim”.

No final da cerimônia, depois de felicitar a mãe e Clint e antes que mais alguém raptasse Megan, ele grudou do lado dela. Mal se deu conta de que já tinha passado um período de tempo aceitável na festa, ele pegou na sua bad girl pela mão e a levou para um local mais afastado.

– Senti tanto a sua falta. – disse ele, colocando as mãos na cintura dela.

Me too.- respondeu ela, o abraçando.

– Eu sei. Mas cada vez custa mais não te ver todos os dias.- disse ele com a voz embargada.

Davi olhava para Megan, tentando decifrar os pensamentos dela. Ela devia saber que ela não lhe era indiferente. Ela devia pelo menos suspeitar que ele a amava, não como um amigo, mas como um homem ama uma mulher.

–Vem comigo.- pediu ele.

Ele pegou na mão dela e se dirigiram para a garagem. Subindo as escadas de mão dada, se sentaram na borda da plataforma, com as pernas balançando.

– Chegamos.- disse ele, sem conseguir tirar os olhos dela.

– Chegamos onde silly?- perguntou ela.

Ele se aproximou ainda mais dela, grudando a lateral do corpo dele à lateral do corpo dela e respondendo:

– À minha treehouse. Minha casa na árvore.

Ela riu com a comparação e se lembrou de quando ela tinha decidido dar uma chance para ele, muitos anos antes.

Oh really? E você vem para aqui quando quer estar sozinho?- perguntou ela, entrando na brincadeira.

– Megan, já faz muito tempo que eu não estou sozinho.

Ele se inclinou sobre ela e colocou uma madeixa do cabelo dela atrás da sua orelha.

Eles estavam tão perto que ele conseguia ouvir a respiração ofegante dela e ela conseguia ver as pupilas dele a dilatarem.

Megan colocou a mão no peito dele, sentido o coração de Davi a bater descompassadamente.

A luz que atravessava a janela criava um halo de luz em volta deles e ele pegou na mão dela, entrelaçando os dedos.

– Megan, eu não te mereço, mas eu…

Foi interrompido por ela que se apoderou dos lábios dele. Uma descarga eléctrica poderosa correu pelo corpo dos dois e a certeza que estavam destinados um ao outro se fez sentir.

Ele enlaçou com os braços a cintura dela, com força para ela perceber que ele nunca a deixaria ir embora.

Ela enfiou as mãos no cabelo dele, tentando diminuir ainda mais a distância entre eles.

Reconheciam um no outro o cheiro, o sabor, o toque e as sensações com que tinham sonhado e que agora eram realidade.

O tempo parou. A Terra deixou de girar e no mundo só existiam eles os dois e aquele beijo. Respirar era uma frivolidade. Prolongar aquele beijo era tudo.

Quando já não aguentavam mais, quebraram o beijo com um estalo e, segurando o rosto um do outro, encostaram as testas, sorrindo.

Sentindo uma emoção descontrolada, Davi já não sabia se havia de rir, de chorar, ou de fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Com os olhos brilhando e um sorriso bobo acabou dizendo:

– Eu te amo Megan Lily.


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Notas finais do capítulo

Bem, só demoramos 10 anos a chegar neste ponto. É a prova de que um homem só percebe que uma mulher o ama quando ela se separa das suas roupas e dos seus sapatos por ele. No próximo capítulo: retomamos deste exato ponto