Colorful escrita por Isabelle


Capítulo 17
Capitulo 16 - Noah


Notas iniciais do capítulo

De onde vem o jeito tão sem defeito
que esse rapaz consegue fingir?
Olha esse sorriso tão indeciso
tá se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
— Los Hermanos



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Meus olhos estavam transbordado em lágrimas pesadas, que pareciam sangue, do tanto que fizeram meus olhos arderem. Acho que as segurei por tanto tempo, que agora elas doíam quando escorriam. As mãos de Sally enroscavam as minhas me transmitindo força, mas tinha quase certeza de que nada naquele momento anularia a minha dor. Não conseguia me focar em nada a não ser no caixão que estava lacrado por conta de ali dentro só haver um corpo, nada de cabeça, já que Elliot havia perdido a cabeça.

O Padre continuava falando. Era um homem baixinho, e usava aquela túnica ao modo padrão. As palavras dele, por mais que fossem inspiradoras, só parecia aumentar o buraco que havia sido aberto em meu coração.

Ele quis que nós fizéssemos pequenos discursos fúnebres, e eu pensei que meu mundo todo ia desabar. Não tinha palavras para descrever o quanto isso seria doloroso. Já não bastava que ele tivesse morrido, agora eu teria que falar?

Sua mãe, que estava desesperada e com os olhos vermelhos, cobertos por lágrimas, mas, mesmo assim, as palavras que ela disse conseguiram me iluminar mais do que as do Padre. Ela fora sincera sobre toda a ocasião, e ao mesmo tempo poética. Aquilo não fez com que minha aura melhorasse, mas algo dentro de mim doeu muito menos.

Quando todos esperaram que fosse a minha vez de falar, eu me mantive quieto. Por mais que eu quisesse, eu não conseguiria. Não conseguiria ficar em pé, pensando que realmente o corpo do meu melhor amigo estava ali, enquanto o seu assassino estava a solta.

Sally soltou sua mão da minha e deu um passo para frente. Ela olhou para aquelas pessoas, a maior parte que ela nem ao menos conhecia, e deu um sorriso fraco. Meus amigos da delegacia, alguns parentes de Elliot, Cely e Will, e outras pessoas conhecidas, estavam ali no meio, e mesmo assim, ela se dispôs a falar.

― Eu não conhecia o Elliot muito bem, pra falar, nós eramos apenas conhecidos, mas tanto quanto todos que estão aqui, eu sei como está sendo esta dor. ― Ela olhou para mim levemente. ― Noah, era o melhor amigo de Elliot, e vice-versa. Olhar para os dois, era como ver um casamento. ― Todo mundo riu, inclusive eu. ― Eu não o conheci, como Noah conhecia, mas sei que as palavras nesse momento faltam na garganta dele, está sendo tudo muito difícil. ― Ela fez uma pausa. ― Os dois estavam sempre dispostos um com o outro, sei bem disso. Elliot era uma pessoa com um otimo senso de humor, e era tão encantador com todos. E sei que se Noah estivesse aqui na frente agora, ― eu comecei a chorar mais, junto com Sally, ― sei que ele falaria que nada mais na vida vai doer mais que perder o Elliot. Que ele não consegue nem dizer o quanto vai sentir saudades dele, e quanto ele espera que ele esteja em um lugar melhor. Eu sei muito bem, que tentaremos fazer o possível para saber quem foi o causador dessa morte. ― Ela sorriu de lado com lágrimas nos olhos, mas veio perto de mim e pegou minha mão.

Me senti aliviado por alguns minutos, mas logo que as outras pessoas, que mal sabiam de nada, começaram a falar coisas nada a ver, coisas que não refletiam o Elliot, tive vontade de gritar.

Comecei a ter lembranças daquela noite. Da fantasia. Do corpo sem a cabeça. Do meu melhor amigo morto, e quase vomitei. Sally olhou para mim, e me forçou a ir para longe de todas aquelas pessoas. Will e Cely continuaram lá conversando com alguns conhecidos com pesar nos olhos, enquanto eu era obrigada por Sally a me distanciar daquele tumulto de pessoas.

Sentamos em um banquinho que não era tão longe, nem tão perto do cemitério. A missa tinha sido linda, mas, tudo em minha pesava. Eu precisava urgentemente de um banho, refrescar os pensamentos, eu precisava ficar em um canto sozinho.

― Ei. ― Sally me despertou. Ela estava tão linda. Os cabelos pretos haviam sido domados em um rabo de cavalo, ela usava um vestido rodado florido, e seus olhos verdes estavam brevemente delineados por um lápis branco.

― Não tinha caído a ficha, sabe? ― Eu suspirei. ― Que ele realmente tinha ido embora.

― Eu sei, eu sei bem. ― Ela disse, como se também não se conformasse.

― Só queria que pegássemos esse cara, entende? ― Eu disse irritado.

― Eu também queria, mas ele é esperto, temos que começar a ver as coisas no ponto de vista dele. ― Ela sugeriu, e eu realmente cogitei aquela ideia.

Resolvemos ir para casa mais cedo, afinal, eu não tinha mais humor para continuar ali, com aquelas pessoas. Preferi ficar apenas deitado em minha cama, enquanto Sally estava ao meu lado, resolvendo alguns problemas da faculdade, e fazendo algumas tarefas que ela havia perdido. Ela começou a cantarolar uma canção, e eu sorri. Sua voz era doce, e ao mesmo tempo forte e grave. Era bonita, e vinha do coração. A música era brasileira, mas eu não conhecia. Era confusa e poética, bem no estilo da Sally.

― Que música é essa? ― Eu perguntei.

Ela parou de cantar na hora, e olhou para mim de lado. Parecia estar envergonhada por ter começado a cantar comigo ali no quarto, mas eu apenas tentei sorrir, mostrando que precisava daquilo agora, e ela fechou os cadernos.

― Se chama A desenhista, da Ana Larousse. ― Ela se aproximou, e eu deitei a cabeça em seu colo. O cheiro dela era bom. Era algo doce, mas não muito forte.

Aquela tonelada de sentimentos estavam todos a flor da pele, e eu sabia que não podia me deixar levar, contudo, ali estava Sally. A menina que eu gostava. Tão perto de mim que eu conseguia escutar as batidas do seu coração que parecia estar bem mais calmo que o meu. Sua mão deslizava pelo meu cabelo, enquanto ela cantarolava alguns versos da música anterior. Era tão calma e pacifica, e me fazia ter mais vontade de chorar, mas apenas fechei os olhos e me deixei levar.

Não me preocupava com nada naquele momento, apenas com a escuridão que me encobria com um manto leve, e me deixava em um sono absoluto. Não liguei de usar aquele terno velho e com cheiro de mofo. Não me importei com nada. Apenas queria dormir para sempre, e não pensar que no outro dia eu teria que acordar e ir dar depoimento sobre a morte do Elliot.

Acordei horas mais tarde, com a risada de Cely invadindo todo meu apartamento. Ela e Sally pareciam conversar sobre alguma coisa muito engraçado, pois toda hora as duas se dispunham a rir como loucas. Me levantei e troquei de roupa, colocando uma bermuda de flores e uma blusa branca, e desci as escadas.

As duas estavam sentadas na sala, tomando café, e continuavam rindo, de alguma coisa que eu realmente não conseguia entender.

― Ei, dorminhoco. ― Sally disse e eu sorri de lado.

― Bom dia, Bela Adormecida. ― Celeste disse, e eu dei uma piscadinha para ela, enquanto pegava uma xícara e colocava café.

― Sim, eu sei que sou belo até quando acabo de acordar, faz parte do brilho natural. ― Me sentei ao lado delas.

― Você tem certeza que não é parente de algum modo do Will? ― Celeste perguntou me olhando focada. ― Porque sério, esse convencimento todo.

― Não é convencimento. ― Eu revirei os olhos. ― É uma constatação de um fato, porque sejamos sinceros Cely, olha isso. ― Eu apontei para mim mesmo, e elas riram.

― Sim, claro, olha isso tudo. ― Sally disse sarcasticamente.

― Mas, qual o motivo do alvoroço todo? ― Eu perguntei.

― Bem, amanhã vou fazer uma coisa... ― Cely disse, e eu olhei sem entender.

― Uma coisa? ― Eu olhei para as duas, que pareciam ter trancado as bocas, a sete chaves. ― Vocês não vão me contar essa coisa?

― Olha Noah…

― Não acredito... ― Eu disse, insultado. ― Depois de todos esses anos, e agora está mantendo segredos de mim. ― Eu olhei com desconfiança pras duas. ― A culpa disso é sua.

― Está parecendo uma garota que acabou de ser trocada pela melhor amiga.

― Eu não fui trocado, você é o stepe dela, ela ainda me ama. ― Eu olhei para Cely. ― Não ama?

― Tudo bem, ― ela revirou os olhos e eu sorri, ― É o meu aniversário de casamento, e Sally estava me ajudando a planejar algumas coisas. ― As suas trocaram um sorrio

Fiz cara de pasmo e indignado, e depois um olhar de magoa total. Neguei com a cabeça mil vezes para Cely, e depois virei o rosto para o lado.

― O que? ― Cely disse, preocupada.

― Você me trocou por ela? ― Eu perguntei, fingindo magoa. ― Tipo, nossa, Celeste, tivemos nossos momentos juntos, saímos e tals, e ai chega ela e você me troca?

― Ei, você sabe que é único. ― Ela entrou na zuera com os olhos brilhantes de falsa pena.― Mas a Sally, ela me entende de um jeito melhor, de um jeito mais feminino. Tivemos nossos momentos, Noah, mas agora, tenho uma garota, que não prefere debater sobre essas coisas em shopping. ― Ela olhou meio triste. ― A única que eu tinha se mudou para o outro lado do mundo.

― Mas, eu também quero ajudar. ― Eu olhei para baixo triste.

― Mas, você não sabe guardar segredo. ― Celeste disse sinceramente.

Olhei para as duas como se elas tivessem fazendo um complô para mim. Fiz cara de insultado

― Claro que eu sei. ― Eu me exaltei.― Sou policial, tenho que manter sigilo.

― Isso não quer dizer que você saiba guardar segredos sobre festas. ― Celeste disse.

Eu olhei para elas de lado.

Eu sabia o porque Cely estava sendo tão dura comigo. No ano em que havíamos nos conhecido ela planejou uma festa para Will, tinha sido toda bem planejada. Ela comprara balões, bolo, convidara as pessoas que ele conhecia. Tivera feito tudo. E mal sabia ela que ele já sabia, por conta de um deslize meu. Contudo, tinha feito um trato com ele, mas a habilidade que Will tinha no piano explicava que a vida não tinha sido boa em seus dons teatrais.

― Tudo bem então. ― Celeste olhou de lado para Sally, que assentiu, mostrando que ela poderia confiar.

― Amanhã a noite, no teatro menor, perto dos barracões, eu vou fazer uma surpresa pro Will, e tocar nossa canção.

― Você toca? ― Eu perguntei indignado.

― Violoncelo, desde sempre. ― Ela olhou para mim mais magoada do que eu havia ficado com ela. ― Como não sabia disso?

― Eu não sabia.

― Do que você não sabia? ― Will apareceu dizendo, e eu me calei na hora.

― De que sua bela mulher tinha um dom tão lindo com aquele instrumento. ― Eu sorri e pisquei para elas.

― Ah sim, ela é um Yo-Yo Ma total. ― Ele fez referencia a alguém que eu não fazia nem ideia de quem fosse.

― Bem, ― Cely se levantou, ― Sally podemos ir a algum lugar, sei lá, tomar um sorvete?

― Claro. ― Sally pegou sua bolsinha que estava ao seu lado, e se despediu.

Celeste antes de passar pela porta me lançou um olhar duro, e eu quase pensei que só com aquilo, ela conseguiria fazer com que todo meu rosto desintegrasse em fumaça.

Will e eu fomos até a cozinha, ele sabia o quanto eu estava abatido e acabou preparando algo para eu comer enquanto nós dois conversávamos. Na primeira vez que soube que quem cozinhava no apartamento deles, era Will, e não a Cely, eu os zoei tanto que até passei mal, mas esta fora praticamente umas das primeiras vezes que eu percebi que brincar com Cely não era uma coisa muito segura. Ela havia fechado a cara para mim e começado a dar uma de suas lições feministas, afirmando o quanto eu era um otário por achar que lugar de mulher é na cozinha, e que homens não podiam também. Ela falou tanto, que eu jurava que depois daquele sermão, eu entraria no meu quarto, apagaria a luz, e ficaria em um cantinho chorando. Mas depois de tanto alarde, ela começou a rir da minha cara de assustado, e falou que tinha dito a mesma coisa.

― Cara, sabe de uma coisa irônica na vida? ― Ele disse todo tranquilo colocando o prato de comida na minha frente.

― O que?

― Eu estou ferrado. ― Ele disse surtando.

― O que? ― Eu disse sem entender nada. ― Como assim? Por quê?

― Amanhã é meu aniversario e o de Cely, e eu não pensei em nada, sabe tipo nada, eu tenho que dar alguma coisa para ela, que tipo de marido não da nada? ― Ele disse tão rápido como se a terceira guerra mundial estivesse por vir.

― Will, respira, sabe o seu nariz, ele tem dois buracos que não se fecham, agora olha sua boca, ela pode se fechar. ― Eu disse e simulei uma respiração, enquanto ele me olhava irritado. ― Olha, tá tudo bem, tenho certeza que ela não vai ligar.

― Estamos falando da mesma Celeste? ― Ele perguntou.

― Will, olha...

― Já sei, tenho o plano perfeito, a ideia perfeita, mas vou precisar da sua ajuda. ― Ele sorriu como se fosse um gênio.

― Olha, Will...

― Posso alugar..

― Ela vai te fazer uma supresa. ― Eu disse e tampei minha boca com as mãos, depois de perceber a cagada.

― Eu já sabia, ― Will disse e deu de ombros, ― agora me fala o que é.

― Como assim você já sabia.

― Ela é pior que você pra guardar segredo, e eu sei que você é péssimo, e sabia que ela ia contar pra Sally, e que ela te contaria, e eu preciso saber o que é, porque ai, eu posso fazer uma surpresa com a surpresa dela.

― Eu não vou contar, da boca de Noah não sai nada.

― Cara, para, tá parecendo uma garota. ― Ele disse, e eu assenti com a cabeça com cara de decepção.

― Ela vai tocar pra você no teatro perto dos barracões, amanhã a noite. ― Eu disse.

― Olha Noah, não pense como se estivesse destruído a surpresa dela, pense que você vai me ajudar a fazer o melhor presente de aniversário de casamento que ela já ganhou. ― Ele sorriu. ― Agora vamos, temos muita coisa pra comprar e mandar fazer…

Ele foi saindo do apartamento, e eu olhei para a comida que ele tinha feito para mim com cara de choro. Parecia estar tão bom, tão gostoso, que resolvi dar uma garfada antes de sair, mas ele veio e puxou meu braço, fazendo com que sentisse o gosto da comida fugindo do meu paladar.

Passamos a tarde toda como menininhas, indo em lojas, e organizando tudo. Will e eu tivemos uma boa relação, e aquilo tudo me lembrava muito a Elliot. Me lembrei de quando saiamos eu, ele e Elliot. Era tudo muito nostálgico, mas, apenas empurrei isso tudo para longe, e me foquei em ajudá-lo.

Deixamos toda aquela bagunça direto no teatro, a não ser a comida, e voltamos para os apartamentos.

Sally parecia ter gostado de ser hospedar em minha casa, pois quando eu cheguei, ela estava deitada no sofá, apenas usando uma blusa minha como pijama assistindo a um desenho; ou apenas ainda estava com medo de voltar para a sua. Havia alguma coisa naquela sua casa, que estava bem errada, eu sabia disso, principalmente após o dia em que ela me fizera me esconder das pessoas que haviam chegado. Queria poder invadir sua mente e descobrir o que acontecia ali.

Sentei-me ao seu lado, ela repousou a cabeça em meu colo. Passei as mãos em seu cabelo sentindo o cheiro doce que ele tinha, e o quanto ela conseguia provocar aquelas coisas estranhas em mim. Fechei os olhos e continuei passando a mão em seus cabelos, enquanto ouvia a risada dos desenhos que passavam na televisão.

A manhã veio como um tapa em nossas caras. Minhas costas todas doíam de ter dormido sentado, e as de Sally também. Aparenta-se que no meio da noite, eu fui me curvando, e fiquei apoiado em suas costas, enquanto ela estava encolhida deitada com a cabeça no meu colo. Nós dois sentíamos todas as nossas articulações pedindo por socorro, mas tomamos um analgésico, e após algumas horas não tínhamos quase nenhuma dor.

Almoçamos brevemente juntos, pois ela tinha compromisso com Cely, e eu tinha compromisso com Will, e como tínhamos acordados doloridos, e já tarde, mal nos falamos direito, apenas tivemos alguns bate-papos rapidamente, e depois nos aprontamos e saímos.

Não a perguntei se queria buscar suas coisas, e a partir de agora morar ali comigo, porque meus sentimentos por ela ainda estavam forte, e eu estava buscando um meio de anulá-los. Mas tinha percebido que ela tinha ido em sua casa em um horário estratégico, para não encontrar, o que eu acreditava serem seus pais. Pois a noite quando voltamos para o apartamento para nos arrumarmos para encontrarmos Cely, que ainda acreditava que tudo estava em total sigilo, e o Will, que ela tinha pego alguns vestidos e roupas novas.

Não quis perguntar por que ela não voltava para casa, pois tinha certeza que ela acharia que eu estava expulsando ela dali, e isso era de longe o que eu estava fazendo, ou o que eu queria fazer. Só achava perigoso ela ficar ali. Depois da noite passada, que tínhamos passado a noite juntos no sofá, algo dentro de mim gritava e me alarmava que aquilo não poderia se repetir, mas isso seria mais difícil do que eu pensara.

Cely me obrigara a usar um terno preto que me deixava parecendo um garçom. Eu tentei jogar os cabelos para trás, mas eles não quiseram permanecer assim, então baguncei a tempestade vermelha, e decidi que ficaria por aquilo mesmo.

Depois de meia hora esperando Sally descer, e ela não aparecer, comecei a ficar não só apavorado, pois Cely já tinha batido na porta centenas de vezes nos mandando apressar, mas Sally parecia que não estava ficando pronta uma comemoração de aniversário de casamento, mas sim, para ser a noiva de um casamento.

Quando estava prestes a subir atrás dela, ela desceu usando um vestidinho cheio de flores que ficava um palmo de altura de seu joelho. Ele tinha um decote nem tão marcado, nem tão fechado, era apresentável, e nada depravado. Os cabelos negros não tinham sido presos, eles estavam soltos e até bagunçados, não da forma lisa e escorrida que costumava ser. Não tinha passado muita maquiagem, apenas um leve batom rose, e uma sombra brilhante, com um lápis que delineavam seus olhos verdes, e fazia com que eu me perdesse.

Não tinha como evitar aquilo. Não tinha como fazer meu coração parar de sapatear.

Ela estava linda.

Não só linda.

Estonteante.

― E aí, como eu estou? ― Ela perguntou, e abriu aquele sorriso.

Puta merda! Aquele sorriso.

― Ta normal. ― Dei de ombros.

O que? Normal? Como assim, Noah?

Meus pensamentos me rondavam, enquanto ela me olhava de lado, parecendo um pouco decepcionada.

Obvio que ela está decepcionada, nunca se fala que uma mulher tá normal, e ela não tá normal, que tipo de idiota é você? Olha só para ela, seu estúpido, você transaria com ela em todos os cômodos dessa casa.

Mas eu sabia melhor que ninguém que aquilo que eu estava sentindo, não era somente físico.

― Quer dizer, “tá linda você”. ― Eu disse. ― Quer dizer, maravilhosa? ― Eu disse em forma de pergunta. O que diabos estava acontecendo comigo?

Minha mão tava suando, meu coração batendo forte, meus olhos não conseguiam dispersar a atenção dela, e ela apenas sorria, tentando entender o que eu estava falando.

― Você tá bem? ― Ela desceu todas as escadas e se aproximou mais.

― Eu to. ― Eu não conseguia falar direito, alguma coisa tava presa na minha garganta. Acho que eu estava morrendo.

Celeste apareceu na porta irritada.

― Dou três segundos para você levar essa coisa, e eu para aquele teatro! ― Ela disse brava.

― Nossa, que mãe mais meiga que se refere a filha. ― Eu disse saindo junto com Sally, e trancando a porta.

― Não estou falando de Amanda, ela está com os avós, estou falando do violoncelo. ― Ela revirou os olhos.

― É impressão minha, mas essa menina fica mais com os avós do que com os pais? ― Eu disse, e Cely me lançou um olhar bravo, e irritado. ― Claro que não, ela passa super tempo com vocês, sou eu que estou super desatualizado.

― Obrigada. ― Cely disse levando aquele violoncelo gigante com ela.

Nós saímos todos juntos, e Sally e Cely conversavam. Celeste estava super grossa, mas Sally continuava mantendo um diálogo normal com ela. Sabíamos que ela só estava assim porque estava nervosa, então descontávamos um pouco. Mal sabiam as duas do que as esperavam naquele teatro.

Parei no estacionamento, e esperei Cely respirar múltiplas vezes até realmente sair do carro. Parecia que aquela iria ser a primeira vez que ela tocaria, mas pela sua cara, e pelo jeito que ela segurava o violoncelo, parecia que ela já tinha bastante experiência, então não compreendia.

Entramos no teatro, e passamos por uma parte totalmente escura. As luzes pareciam ter sido cortadas naquele local, afinal, realmente faziam anos que o lugar estava abandonado, e só agora eles haviam começado a reorganizá-lo. Ele estava um lixo, antes de Will dar uma geral no lugar. Não tinha feito nada estrondoso, somente algumas modificações, tirado alguns lixos, e dado uma varrida no local.

Passamos a cortina, e uma passarela gigantesca de escadas, com cadeiras ao lado, como numa sala de cinema, só que menos inclinada. Nesta passarela, várias velas e pétalas de rosa, levavam você até o palco. O lugar todo estava muito mais arrumado do que quando eu havia ido lá um pouco mais cedo. Will realmente tinha se superado, ele tinha aproveitado a cortina, velha e mofada que já estava montada lá, vermelha com alguns detalhes pretos tampando o palco, onde dizia “Feliz Aniversário de Casamento” e embaixo, “Maybe I just wanna be yours”, que parecia ser a música dos dois. Cely encarou cada uma daquelas velas, e eu senti como ela ficou alterada naquele momento, quando vi seus olhos enchendo em lágrimas.

A cortina se abriu lentamente, e Will estava sentado enfrente a um piano, usando um terno preto, que eu acreditava ser o que ele tinha usado em seu casamento. O cabelo desgrenhado estava jogado para trás, e ele tinha o sorriso mais convencido no rosto, como se falasse “desta vez, a surpresa foi minha”. Os olhos azuis encaravam Cely como se no mundo todo, ele só conseguisse vê-la, e isso fez com que Cely abaixasse a cabeça e soltasse uma risada de timidez. Ela entregou o violoncelo para Sally, que também estava transbordando em lágrimas, e se virou lentamente pronta a caminhar por aquelas escadas.

No exato momento em que seus pés encontraram o primeiro degrau, Will começou a tocar uma música que eu tinha visto ele pegando as notas dias antes, mas nunca imaginava que seria para aquilo, ela se chamava Sweater Weather. Os olhos de Cely nesse momento começaram a derramar lágrimas pesadas, enquanto ela descia lentamente. Agora com aquele toque eu conseguia me recordar, ela tinha entrado com ela no dia de seu casamento.

Cely chegou até lá, e se sentou ao seu lado, os dois começaram a tocar juntos em uma sintonia que parecia impossível, mas para aqueles dois, por tudo que eles já tinham me contado, eu acreditava nada ser impossível. Olhar para os dois ali, me fez redirecionar meu olhar para Sally que estava perto da escada. Ela estava limpando a maquiagem que estava um pouco borrada por ter ficado esfregando os olhos, enquanto chorava, e eu posso jurar, que mesmo quando ela estava fazendo aquilo, ela continuava sendo a garota mais linda de todo o mundo. Quando ela usava a minha camiseta. Quando dava risada de coisas idiotas. Quando revirava os olhos. Quando sua mão estava ali para segurar a minha. Quando deitava no meu sofá para assistir desenhos.

Eu estava

incondicionalmente,

fodidamente,

perdidamente,

estupidamente,

em uma queda sem fim,

em um precipício sem volta,

em um buraco negro cheio de sentimentos por aquela garota.

― Acho que você me deve uma dança. ― Me aproximei dela, e sussurrei em seu ouvido. ― Fomos meio que interrompidos no Halloween.

Ela se virou, e me olhou com aqueles olhos vermelhos de choro.

― Eu acho que devo né. ― Ela sorriu.

Uma outra melodia começou a tocar, mais lenta, mais firme, com poucas notas. Era perfeita. Fomos para o lugar onde havia somente pouca iluminação, e eu sentia minhas mãos suarem.

― Anna Karerina. ― Ela sussurrou, enquanto envolveu seus braços no meu pescoço, e eu em sua cintura.

― O que? ― Eu perguntei, não compreendendo.

― Essa música, é do filme Anna Karerina, ela é tão linda. ― Ela soltou aquele sorriso de lado, e depois umedeceu os lábios. ― Há tantos romances quando há tantos corações. ― Ela citou a frase que eu acreditava ser do filme, e deitou a cabeça em meu ombro, se deixando levar pela melodia que hora ficava mais forte, hora mais lenta. Ela rodopiou algumas vezes como na festa, mas nada tão bem dançado como naquele dia. Nós apenas ficamos dançando grudados.

Meu coração batia tão rápido, que eu nem mesmo senti quando minha cabeça se movimentou para perto da sua, e ficou respirando seu pescoço. Senti toda a sua pele arrepiar, e seu rosto se movimentar lentamente para o lado. Lá estava, os seus olhos, o contorno perfeito do meu céu estrelado. Cely e Will pareciam amar aquela música, pois eles começaram a tocar a mesma novamente. A respiração dela batia em meu rosto, e não sei porque, mas eu não conseguia fazer nenhum movimento a não ser ficar olhando para aquelas orbitas. Ela sorriu levemente, e fechou os olhos. Nossos narizes ficaram se tocando como se estivessem em uma própria dança, enquanto nós dois não prosseguíamos nenhum movimento. Movimentei minha cabeça para o lado, prestes a fechar os olhos, quando ela abriu e ficou novamente me encarando, mas desta vez com olhar de medo.

― O que? ― Eu perguntei.

― Alguém ou alguma coisa acabou de passar por trás da gente, Noah. ― Ela disse e eu me virei brutalmente para ver.

― Você acha que pode ser? ― Eu perguntei, agora só me lembrando de todas as vítimas.

― Talvez? ― Ela disse, e eu sai disparado em frente.

Conseguíamos escutar seus passos, o que significava que ele estava fugindo, e talvez isso poderia ser porque ele estava sem armas. Saímos correndo em sua procura, e eu me senti frustrado por não ter nada em mãos, mas parei em um dos becos em que Will tinha posto o lixo, e peguei uma barra de ferro que eles tinham retirado do teto, antes de começar a reformá-lo.

Continuamos seguindo-o, até sairmos do teatro. Sally saiu correndo em minha frente, e fiquei com medo de algo acontecer com ela, mas ela parecia estar bem segura de si. O seguimos até uma parte afastada, e ele deixou cair alguma coisa. Nesse momento ele se virou rapidamente para frente. Seu rosto estava descoberto, e pude ver os cabelos negros vazando um pouco do capuz. Quando nos viu tão próximos, ele apenas se virou e entrou em um carro que o aguardava logo em frente.

Não peguei o celular imediatamente, tive que ir até o carro e pegar alguma blusa, para pegá-lo sem deixar minhas digitais. Mesmo desapontado por não ter conseguido pegá-lo, estava feliz por ter pego o celular. Era um desses bem novos, e bem avançados, então, se fosse mesmo um desses moleques de rua, não precisaria de um celular como aquele. Tão avançado.

― Preciso de uma caneta agora, ou um lápis. ― Sally voltou e disse, me olhando assustada.

Corremos até o carro onde havia um caderno amassado no porta-luvas, e uma caneta.

Ela começou a traçar os traços do rosto da pessoa tão facilmente que eu mesmo achava que desenhar podia ser simples e fácil daquela forma. Seus olhos se prendiam a cada detalhe, e eu senti minha pele toda tremer de excitação. No final, um rosto, desconhecido estava montado ali. Um queixo firme, olhos pretos profundos, o cabelo negro. Não fazia ideia de quem seria, mas sabia que aquela era a melhor pista que tínhamos.

― Não tenho certeza.

― Sally, está ótimo, é a melhor pista que temos em dias. ― Eu olhei para ela, e me lembrei do seu rosto perto do meu. Nem mesmo tivemos tempo para conversar sobre aquilo, e achei que era melhor nem mesmo relembrar. Fora somente um momento de fraqueza.

Dei ignição no carro, deixando Will e Cely ali para aproveitar a noite, não queria estragar o aniversário deles, e fui para casa. Meu corpo inteiro tremia de agitação, e quando chegamos no apartamento, mesmo que fosse somente um momento de fraqueza, entrelacei minhas mãos as da Sally, antes de abrir a porta. Ela sorriu de lado para mim, como ela estava fazendo muito aquela noite, e entramos.

Senti a raiva de Sally deslizar até mim, quando vimos Carla sentada no sofá me esperando. Ela estava usando um vestidinho preto colado ao corpo, com uma maquiagem toda borrada como se ela tivesse chorado muito. Sally soltou a minha mão e se sentou na poltrona, enquanto eu fui até ela, e me sentei ao seu lado.

― Você está bem? ― Eu disse.

Ela olhou para mim e começou a chorar novamente, falando coisas que não faziam um pingo de sentido. Depois de muito tempo, quando fiz com que ela parasse de falar, ela falou que não queria que Sally estivesse ali escutando aquilo.

Sally nem olhou para mim, e aquilo me matou por dentro. Ela apenas subiu as escadas, sem nem mesmo olhar para trás.

Passei a noite toda conversando com Carla sobre a sua família, e o que parecia ter sido sua bolsa escolar que tinha vencido. Conversamos, fiz ela rir, e depois conversamos novamente. Ofereci para ela um vinho, e nós tomamos. E novamente voltamos a conversar.

Conversamos várias horas… até que em um determinado momento, eu me lembro que não estávamos apenas conversando.












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