Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 25
Capítulo 24 - Cobra




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/600337/chapter/25

Passei o resto do domingo olhando para a varanda de Karina imaginando que ela e Pedro estavam se entendendo. Para a minha maior desgraça, eu estava bebendo uma cerveja e ouvindo uma música desgraçada de uma dupla sertaneja que dizia exatamente o que eu havia dito para Pedro. Quando achei que era o cúmulo estar naquela situação, quebrei algumas coisas pelo QG e tentei dormir.

Mas o sono não veio. No meio da madrugada tomei uma atitude. Decidi me focar no que eu precisava fazer. Precisava dar um jeito de esconder a minha tia antes de conseguir resolver os problemas com os caras.

Faltava uma semana para o campeonato importante. Eu iria treinar para ganhar meu passe para os Estados Unidos. A levaria comigo, apesar da falta de intimidade. Os moleques, meus primos, mereciam uma vida melhor.

Por isso, na segunda, comecei o meu treino pesado. Tawik foi bastante camarada em ficar no QG com o novo contratado para que eu dedicasse todo o meu tempo em treinar. Missão Rock Balboa havia começado.

Manter minha cabeça ocupada longe de Karina era melhor para todos. Nem na direção de sua varanda eu olhava.

Foi assim que a minha semana correu. O mestre Lobão não me deu folga. Eu era uma boa aposta de passe. Ele poderia lucrar comigo. Todos sairiam ganhando. Mas para isso eu tinha que seguir à risca o treinamento. Eu andara muito relapso, ele dissera. Me alimentando mal nos primeiros dias. O que você tem, Cobreloa? E eu apenas sorria e descontava a minha frustração no saco de areia.

Acordava às cinco da manhã e ia correr. Na sexta, corri mais do que eu previra e voltara em um horário ruim. Estava passando em velocidade pela Ribalta quando Jade cruzou meu caminho.

― Ei, lutador.

― Não posso parar agora.

Mas parei quando ela me cercou.

― Todo suado. ― Jade ergueu as sobrancelhas, mordendo os lábios.

― Em São Paulo não há pessoas suadas?

― Cobra eu adoro suas provocações e o seu ciúme. São Paulo estava ótima, se te interessa.

Balancei a cabeça, pulando no lugar.

― Jade, dá licença. Eu tenho mais o que fazer.

― Fiquei sabendo do campeonato. É no sábado, não é? Não quer se distrair um pouco?

Semicerrei os olhos, sorrindo de lado.

― Não.

― Não?! ― Ela riu. ― Não é nada disso que você tá pensando. Mas podia ser. Mas como não é... Vamos fazer uma apresentação rápida para a vizinhança do musical Os Saltimbancos. A estreia é no dia da sua luta. Mas vai haver um repeteco no domingo. E sabe o que é o melhor? Eu vou ser a gata!

― Ah. Parabéns, gata.

― E a Bianca vai ser a galinha.

― Não era um galo? ― Cruzei os braços, olhando o tempo no meu relógio.

― E eu vou usar uma roupa linda coladinha. Com orelhinhas. Ela vai usar uma coisa parecendo um balaio de penas. ― Jade parecia mesmo empolgada. O problema é que eu não conseguia acompanhá-la como antes. ― O João vai ser o Burro. E o Pedro o Cachorro.

― Au-au-au. Iô-iô. ― Pedro apareceu repentinamente. Karina estava com ele.

Abaixei os olhos.

― Vai ser o cachorro mais desafinado da história do musical. ― Ela falava enquanto ria. ― Oi, Cobra.

― Oi, Karina. ― Olhei para o pé dela rapidamente. Parecia bom. Passei por Jade. ― Preciso ir. Boa sorte, gata.

― Não! Você tem que vir! Na apresentação de domingo!

― Domingo estarei no aeroporto. ― Pisquei para ela e me virei. Não conseguia olhar para Karina segurando o braço de Pedro. Ela estava feliz. Ótimo. Era o suficiente.

Apanhar a bola lá. ― Pedro gritou. ― Estender a pata cá. Sempre em equilíbrio-brio. Sempre exercício-cio.

Karina gargalhou por alguma palhaçada que ele fizera. Voltei para o QG, apertando os olhos. Dei uma última olhada na praça para ver Bianca passando vestida como um balão de penas. Comecei a rir.

― Olha aquilo ali Tawik.

― Ele deu uma saída. ― Celso disse. ― Para pegar um equipamento.

― Então olha você. ― Apontei. ― A princesinha de galinha velha.

― É engraçado porque ela é gorda.

Franzi o cenho, encarando-o com dúvida. Celso não era muito inteligente, porque Bianca não era gorda, ela estava gorda naquela roupa. Repentinamente, meu assistente saiu pela praça seguindo o canto de Pedro sem nem mesmo pedir permissão. Dei uma última olhada para a tríade. Bianca, Pedro e João, passando uma coreografia para chamar a atenção da vizinhança para a apresentação gratuita e fechei a porta, deixando-a destrancada para Celso.

Estava conferindo minha programação de treinamento quando finalmente ouvi o barulho no vidro e me virei para instrui-lo a tomar conta de tudo enquanto eu estivesse fora. Mas não era o truculento Celso que estava ali.

Era a gata dos saltimbancos.

― Nessa história não tem um Cobra. ― Ergui as sobrancelhas. ― Volta para sua peça.

Era difícil dizer aquilo diante da meia preta colada nas pernas dela, do vestido justo e curto, das orelhas pontiagudas e pequenas no meio dos cabelos cheios e de um cômico rabo de pelúcia.

― Eu vim ensaiar aqui.

Ela andava deslizando pelo chão. Girou uma vez. Virei o pescoço de lado.

― Que gata, hein?

Nós gatos já nascemos pobres. Porém já nascemos livres. ― Jade girou ao redor do meu corpo. Suas garras arrastando a pele do meu braço. A voz cantarolada batendo no meu ouvido. Fechei os olhos, sorrindo de lado. ― Miau. Pela rua virando lata. Eu sou mais eu mais gata. Numa louca serenata. Que de noite vai cantando... Assim...

Virei-me de uma vez, segurando a gata pela cintura. A risada dela saiu baixa como um miado. Já estava mordendo aquela boca quando recuei. Jade esperou meu próximo passo. Mas ela não contava que eu fosse empurrá-la com força.

― Eu já disse que estou ocupado. ― Mantive a postura firme. ― Eu não sei o que você está fazendo aqui, Jade. Eu não quero brincar mais. Achei que tivesse deixado isso bem claro.

― Mas... ― Ela parecia assustada e confusa. ― Eu achei que... A Maria Macho voltou com o guitarrista. Eu achei que eu e você...

― Cai fora, Jade. ― Celso abriu a porta antes que eu perdesse a paciência. ― Coloque a gata para fora, Celso.

Dei as costas em fúria e corri para o banheiro.

Foco, Cobreloa.

Eu precisava vencer. Minha vida era mais do que sentimentos adolescentes. Ela dependia daquele primeiro degrau rumo ao topo dos campeões.

Eu ia vencer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!