Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 10
Capítulo 10 - Cobra




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Havia dado certo.

Beijar Karina daquela maneira fez com que ela nunca mais chegasse perto do QG.

O que não trouxe nem um pouco de paz para mim. Ela estava longe do meu passado. Mas significava que ficaria longe do meu presente. Que não seríamos mais amigos. Que eu havia estilhaçado a confiança dela. Quebrado uma barreira que ela fazia questão de manter intacta.

E mesmo estando levemente irritado por ter tomado aquela decisão, parte de mim não conseguia para de pensar naquele beijo.

Naquela noite chuvosa, depois que Karina saíra correndo, quebrei algumas coisas pelo QG, sentindo ódio por ter que terminar nossa relação amigável daquele jeito. Eu não podia deixar que ela estivesse em perigo enquanto buscava pelo meu passado. Ela devia seguir em frente. Mas então, depois que toda aquela raiva se dispersou, eu não conseguia dormir pensando no que eu havia feito.

O modo como eu a pegara de surpresa, como um animal indefeso e a prendera ali. Era totalmente diferente de quando Jade e eu guerreávamos. E diferente também de qualquer garota que eu tenha estado. Porque elas simplesmente pediam para que eu as maltratasse.

Mas Karina tremeu entre meu abraço. A sua boca deslizou de forma tão nervosa que eu sabia que ela oscilava entre me dar um chute ou deixar aquilo acontecer. Eu não estava impedindo que ela usasse as pernas para me refrear. Mas ela simplesmente não quis. Ela se deixou devorar num misto de medo e incredulidade que ao mesmo tempo me devorava.

― Você ouviu o que eu falei, Cobreloa? ― Tawik bateu no meu braço, me fazendo voltar para a realidade.

Havia mais de uma semana que eu não via ou falava com Karina. E eu esperava que continuasse daquele jeito.

― Não. ― Ignorei. ― Você pode tomar conta de tudo aqui por uns dias, né? E o estagiário aí pode te ajudar.

― Porra, Cobra! Achei que a gente tava treinando o cara para que eu pegasse férias, não você. ― Ele reclamou.

― Não vou pegar férias. Vou resolver uma coisa. Volto em uma semana ou menos.

― Vai pra onde?

― Isso te interessa? ― Ergui uma das sobrancelhas. Tawik se afastou. ― Volto antes do próximo campeonato. Antes do seu carnaval fora de época. Fica tranquilo.

Ele concordou com um aceno. Peguei o celular rapidamente. Eu precisava sumir por uns tempos e verificar algumas coisas antes de seguir em frente. Antes que eu me virasse, ouvi um barulho seco sobre o balcão. Me virei rapidamente para encontrar os olhos azuis de Karina me encarando como se estivessem prestes a incendiarem.

― Eu sei o que está tentando fazer.

― Estou tentando beijar você. ― Debrucei-me sobre o balcão. Precisava continuar espantando ela dali. Mas Karina pegou um papel e enfiou dentro da minha boca, me fazendo recuar. ― Ei! Ficou maluca?

― Fiquei. ― Ela balançou a cabeça. O cabelo curtinho indo de um lado para o outro. Segurei o papel amassado e dei uma olhada. ― Acho que as pessoas da sua família não sabem o seu e-mail. Mas descobriram seu endereço.

― Você roubou a minha correspondência!

― Você me roubou um beijo, idiota. ― Ela revidou. ― Você quer conversar aqui ou prefere um lugar mais reservado longe dos ouvidos fofoqueiros daqueles caras?

Tentei analisar a expressão dela. Nada além de fúria. Peguei a carta e meneei a cabeça para o lado, indicando o quarto dos fundos. Karina me seguiu de pertinho. Carta, carta, carta. Cobra se concentra. Carta, beijo, beijo. Grunhi.

― Parece um porco.

― Cachorro é melhor.

― Um cachorro porco então.

― Por que roubou a minha correspondência? ― Dei uma olhada no papel.

― Adivinha! ― Karina abriu os braços, se jogando no colchão. ― E quando você for eu vou com você. ― Abaixei os olhos. ― Cobra. ― Eu ainda estava pensando sobre tudo aquilo. ― Cobra, olha pra mim.

Fechei os olhos antes de direcioná-los para Karina.

― Estamos sempre nos ajudando. Para de me tratar como você trata a Jade ou qualquer outra pessoa. Sou eu. ― Ela colocou a mão sobre a garganta. ― Karina. Somos tipo Batman e Robin. Kenan e Kel. Jackie e Chan. ― Não consegui contar um sorriso. ― Eu não estou conseguindo pensar em boas duplas. Cara, sei lá. Karina e Cobra.

― Isso faz de você o Batman?

― Com certeza.

― Não. ― Voltei meus olhos para o papel. ― Eu sou o Batman. Você é baixinha. Que nem o Robin.

― Eu sei que você me beijou porque sabia que eu iria ficar furiosa. ― Ela ignorou o fato de ter que ser o Robin. ― Eu fiquei brava mesmo, seu imbecil. Você é inacreditável, Cobra. Depois eu sou a infantil.

― Você não larga do meu pé nem estando furiosa.

― Você me deu o seu pé pra eu segurar primeiro! ― Karina se arrastou, se apoiando em meu braço para se levantar. ― Quer que eu resuma o conteúdo da carta?

Não era necessário. Era curta e eu já havia conseguido correr os olhos por ali. Eu precisava voltar para minha pequena cidade. Minha tia estava desesperada e sendo ameaçada.

― É perigoso. Você não entende.

― Nada é mais perigoso do que ficar aqui.

― Eu não vou ter tempo para me preocupar com você.

Karina me empurrou, rosnando.

― Não quero que você se preocupe comigo! Eu luto melhor que você. Eu vou escrever isso numa faixa e colar na minha varanda. Quando você acordar e abrir aquela porta vai ver isso todos os dias. KARINA É MELHOR QUE COBRA. KARINA DEIXA COBRA NO CHÃO.

Meus olhos se estreitaram. Os lábios se arrastaram pela metade em um sorriso sádico. O barulho do papel se amassando misturou-se ao grito de Karina quando a dominei e passei uma rasteira em suas pernas, levando-a ao chão. Suas mãos seguraram minha camiseta, puxando meu corpo com força. Seus pés se uniram atrás da linha da minha coluna, o que fazia com que suas pernas me prendessem com força. Empurrei a cabeça dela com o antebraço e ela arfou.

― Está no chão, Karina.

― Você também.

A mão dela empurrou meu queixo para cima e um de seus pés acertou a boca do meu estômago, me jogando para o lado. Fiquei na dúvida se ela fora rápida demais me jogando de costas e me prendendo com o próprio corpo ou se eu havia deixado ela ficar ali sentada sobre mim, prendendo os meus braços.

― Vai me levar?

― O que vai dizer pro mestre? Vou ali com o Cobra. Nós vamos dividir uma cama em um hotel no meio da estrada. E talvez encontremos algumas pessoas barras pesadas.

― Vou dizer a ele que vou a um acampamento de esportes radicais. Tecnicamente eu já fiz a minha matrícula.

― Você arquitetou tudo isso?

― Você achou que eu ia fazer o que, Cobra? Ficar pensando em como te matar porque você me agarrou como se eu fosse uma qualquer?

Empurrei o braço dela, jogando-a para trás e virando o jogo. Prendi seu quadril entre os joelhos e segurei seus pulsos.

― Devia ter aproveitado o tempo para treinar mais. ― Sussurrei. Ela piscou lentamente, entreabrindo os lábios. Era daquele jeito que ela ia me derrotar. Balancei a cabeça negativamente. ― Você parece um chiclete. Quer entrar numa enrascada? Certo. Se sobreviver escreva um livro de memórias. Diva Velvet no acampamento das serpentes.

Vitoriosa, Karina deixou uma risada escapar. Eu estava cometendo um grande erro. Mas era como se não pudesse seguir sem ela. Vai ver a teoria de Batman e Robin fizesse sentido.


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