Loucuras de Amor escrita por Deimos Ass


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Só gostaria de avisar que, para se encaixar melhor com o contexto, na cena em que o personagem canta a música escolhida, eu fiz pequenas alterações na letra. Mas a música continua com o mesmo contexto, basicamente.

MÚSICA: Agenda - Belo e Ornela
SHIPP: OC X OC
CATEGORIA: Original
AVISOS: Piadas horríveis

Boa leitura!



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Anderson bateu o telefone com força sobre o gancho, suspirando forte e batendo a testa na parede logo à frente. Qualquer lugar que seus olhos encontrassem lhe lembravam de Ivan.

Aquele papel de parede listrado. Aquela merda de papel de parede listrado. A cor, a textura e as paredes onde seria colocado, foram escolhidas por Ivan.

Aquele telefone preto. Aquele caralho de telefone preto. Ganhou de aniversário de um ano de namoro em 2012, comprado, escolhido e dado por Ivan.

O Carro da Tapioca, que passava todos os dias naquela rua, naquele horário. A porra do Carro da Tapioca, que passava todos os dias naquela rua, naquele horário. Eles sempre compravam tapioca naquele carro, quando ele chegava naquele horário. Anderson comprava uma salgada de queijo com orégano, e Ivan comprava uma doce de castanha de caju com leite condensado.

Desviando seu corpo da mesinha, grudou as costas na parede da sala, e sentiu as lágrimas rasgarem sua pele com brutalidade, sentindo o peito doer forte por causa daquilo.

Dois meses de namoro de fachada de Ivan. A garota que ele namorava sequer sabia que ele era gay, e muito menos tinha ideia de que ele era passivo.

E o pior: Nem podia falar nada sobre a menina porque ela era um doce. E pior ainda: Ela era ruiva natural. Que argumento ofensivo alguém poderia fazer contra uma ginger?

Já não estava funcionando mais, o que poderia fazer além daquilo?

A resposta é clara: Nada.

Suspirando mais uma vez, Anderson saiu de sua posição sofrida e desconfortável para uma mais proveitosa para sua coluna. Andando até o quarto, decidiu então cobrir seu corpo que era apenas vestido por uma samba-canção do Bob Esponja.

Uma calça jeans escura, camiseta vermelha, e jaqueta de couro preta, deixando os cabelos castanhos como estavam mesmo, foda-se a etiqueta. A única etiqueta que lhe importava naquele momento era a de sua camiseta de Brucutus do cinema, que Ivan sempre detestou.

Fez questão de colocar seu chaveiro de estrela em seu molho de chaves, pois de acordo com Ivan, aquele chaveiro sempre fora ridículo.

Parecia uma criança retardada querendo provocar o ódio do coleguinha, mas era o que tinha para hoje. A cabeça dele estava cheia e precisava esvaziar com uma coisa chamada cachaça.

Dirigiu com seu carro até um bar que frequentava, não muito longe de sua casa, já se jogando sobre um dos bancos e cuspindo ordens para o bartender. Apoiou-se sobre seus cotovelos, e esperou seu pedido chegar.

— Tá com formiguinha no rabo, né? — o bartender chegou, entregando a bebida para Anderson.

— Cala a boca, Matias. — retrucou, irritado.

— Nossa, o que aconteceu?

— Terminei com o Ivan.

— Já não era sem tempo, muleke desgraçado. — comentou, enquanto limpava alguns copos com uma toalha branca.

— Acontece que eu to puto com ele ainda.

— Isso significa que você não é burro. — deu de ombros. — O cara traía você com uma ruiva falando que era namorada de fachada. Se não me engano ele até arrancou o cabaço da mina, né?

— Você não tá me ajudando, Matias. — levantou seu olhar para o bartender, e deu um gole em sua cachaça. — Tentei fazer ele ao menos se desculpar comigo, mas ele dizia que não havia nada para se desculpar.

Matias suspirou, pensando um pouco.

— Você quer que eu te ajude?

— Olha, seria ótimo, porque até agora você só está sendo um belo inútil. — arqueou as sobrancelhas. — O que tem em mente?

— Esse funcionaria perfeitamente. — gesticulou um pouco com as mãos. — Seguinte, o Ivan era fissurado por rock pesado, não era?

— Ainda é.

— E ele odeia que tipo de música?

Anderson pensou um pouco. Lembrava-se de alguns momentos com Ivan que pudesse lhe forçar a lembrar o que ele detestava.

Numa tarde calma de sábado, os dois estavam no sofá assistindo à Netflix conectada à TV. Ivan se sentou na beirada do sofá, deixando que Anderson deitasse sua cabeça sobre suas pernas. Passava as mãos gentilmente por seus cabelos, sorrindo calmamente enquanto prestava atenção nas intrigas lésbicas que tingiam a TV com mais um episódio reprisado de Orange is The New Black.

Foi naquele momento que, para atrapalhar tudo naquela tarde perfeita, passa um carro com o volume escandalosamente alto, e estaciona em frente à porta da casa do vizinho, onde estava ocorrendo um churrasco. O problema não era só o volume, e sim o que tocava ali.

— Aargh, meus ouvidos sangram. — Ivan resmungou, torcendo o lábio, e passando a língua pelo piercing de argola em seu beiço.

— Cê odeia pagode, né?

— Eu não odeio. Eu abomino.

Foi nisso que suspirou, e olhou para Matias.

— Ele odiava pagode.

— Odiava mesmo? Tipo: Odiava muito.

Meneou um pouco a cabeça, e suspirou, levantando as sobrancelhas.

— Na verdade ele não odiava. Ele abominava.

Matias sorriu, e cruzou os braços, pensativo. Aquela expressão de ideia vinda de Matias poderia significar algo interessante. Um bartender que fazia todo tipo de mistura deveria ter o mínimo de criatividade, mas Matias possuía uma criatividade além do comum, além do saudável, além do são. Para qualquer um, poderia ser um louco, merecedor de camisa de força e grossas correntes escuras para segurá-lo de seus planos mirabolantes.

Balançando os ombros, se inclinou um pouco sobre a bancada.

— Então eu vou fazer o Ivan pelo menos te pedir desculpas pelo que ele te fez.

— Dá pra você falar logo o que você vai fazer? — insistiu, cruzando os braços.

Projetou o queixo para frente.

— Três palavras: Loucuras de Amor.

Anderson franziu as sobrancelhas, torcendo o lábio.

— Loucuras de Amor? Tá falando daqueles carros que passam na frente da casa das pessoas tocando música e cheio de decorações, balões e flores para fazer homenagem?

— Exatamente. — gesticulou com o dedo indicador. — No caso, você contrataria um loucuras de amor para parar na casa dele tocando pagode.

— Hmm… Continua.

— Melhor ainda, não seria o som do carro tocando a música. Eles apenas deixam o instrumental da música, te dão um microfone e você fica na parte de trás do carro cantando a música. Eu sei onde posso te conseguir uma picape de Loucuras de Amor.

Anderson comprimiu os lábios, e virou os olhos para o lado, pensativo. Ele também nunca foi muito fã de pagode… Mas tinha que admitir que a ideia de Matias era bem interessante.

— Eu sei a música perfeita. — Anderson sorriu com o canto da boca, e viu o mesmo sorriso se formar em Matias. — Aceito a proposta então. Mesmo que não dê certo, irritá-lo um pouco não vai ser de todo ruim.

Os dois trocaram um aperto de mãos, e uma risada rápida. Era uma ideia um pouco infantil, querer importunar o namorado só porque estava putinho. Mas enfim, o que está feito está feito.

Duas semanas e meia depois

Passados alguns dias, Matias e Anderson já tinham tudo preparado para fazer um Loucuras de Amor para Ivan.

Uma picape cor-de-rosa com um laço vermelho enorme em cima, e um som extremamente potente para tocar a música. Passaria e pararia na frente da casa de Ivan, e então Anderson, na parte de trás da picape, ficaria de pé com um terno estilo pinguim, e um microfone bem alto, para então cantar uma música do Belo.

A maior maldade seria ainda por cima a música escolhida, que falava justamente sobre um casal de amantes que tinha problemas pelo fato de um dos dois ser comprometido. A música não é de todo ruim, mas para um ouvido tão gótico como o de Ivan, aquilo era não o fim da picada, era a picada inteira e um pouco mais.

Matias olhava Anderson se arrumar em frente ao espelho, e os dois trocaram um riso maligno que seria digno de um filme de cientista maluco. Pareciam dois psicopatas planejando uma chacina. Mas no caso seria apenas o assassinato do sistema auditivo de Ivan. E provavelmente da dignidade dele também.

Passada a hora do almoço, os dois entraram na picape e reconfirmaram o endereço com o homem que a dirigia. E ao chegar na rua de Ivan, já começara a tocar o instrumental da música.

Enquanto isso, Ivan estava apenas na sala de sua casa, se deliciando com um grosso livro sobre serial killers desde a idade média até os anos 70. Quando seus ouvidos captaram um som desagradável. Um som incômodo. Um som que parecia ter sido feito para estragar seu dia. Um som que parecia ter sido feito para estragar sua leitura sobre serial killers.

Pensara inicialmente em ligar para o PSIU e denunciar por estar com o som muito alto e incômodo, mas então seus pensamentos foram interrompidos duplamente por uma voz conhecida, amplificada por um microfone.

— Boa tarde São Paulo! Essa é para uma pessoa muito especial que foi muito importante na minha vida, mas que hoje me deixa com tanta raiva a ponto de ter me feito gastar uma grana fodida pra fazer essa linda homenagem. Espero que goste, Ivan! — Anderson chamou o ex-namorado da janela, que foi até lá e olhou para o carro parado em frente à sua casa, e tampou a boca com a mão.

“Eu não acredito que ele tá fazendo isso… Aquilo é uma câmera?”

Preparando melhor o microfone, e ajeitando a gravata borboleta, Anderson assoviou algumas vezes, e então começou a cantar.

Sei que pra você eu sou apenas mais um número

De uma agenda qualquer

Com o nome trocado para ninguém saber quem é

E quando me atende falando de algum assunto que não tem nada a ver

Eu sei que está dizendo que a sua fachada tá perto de você

Ninguém iria entender porque te aceito assim

Mas ficar sem você foi bem melhor pra mim

Conselhos de amor cansei de escutar

Quem não se apaixonou, não pode me julgar

Dizer que eu estou errado

Ivan estava com uma ligeira vontade de vomitar. Melhor, vomitar na cabeça de Anderson, apenas para que ele parasse de cantar aquela música. Melhor ainda, vomitar duas vezes: Uma na cabeça de Anderson para que ele parasse de cantar, e outra em cima da câmera que gravava o carro e ele na janela perfeitamente. Melhor… Vomitar três, duas pelos motivos anteriores, e uma em cima do carro só de sacanagem.

E ele não parava de jeito nenhum.

Deixa de errar

Pra esse amor não quero me entregar

Quem sabe o seu dia vai chegar

Porque a vida sem você faz mais sentido

Deixa de tentar

É perigoso, tentar se arriscar

Com toda a sua força para lutar

Era melhor ficar só comigo

Saiu da janela, se sentando no sofá, e tentando esconder a sua cara da câmera, mas já era tarde. Qualquer truque de edição poderia pegar o que foi filmado antes, fazer alguns cortes de som, e aplicar ao resto do vídeo. O estrago estava feito, e as verdades que Anderson jogava em seu rosto pela música eram dolorosas tanto para seu coração, quanto para seus ouvidos.

Você sabe que eu penso que sou apenas mais um número

Numa agenda qualquer

Com o nome trocado pra ninguém saber quem é

E quando atende falando de um assunto

Que não tem nada a ver

É por que sua fachada tá sempre do seu lado

Mas você me quer

Ninguém vai entender porque me aceita assim

Mas não querer nos assumir, é bem pior pra mim

Conselhos de amor, cansou de escutar

Quem não se apaixonou, não pode te julgar

Dizer que está errado

Já começara a sentir as lágrimas lhe tingirem a pele com sua translucidez, e tampou o rosto com as mãos. Aquilo já estava se tornando menos tortura pelo ritmo odioso da música, mas estava ficando ruim mesmo pelo fato de Anderson dizer todas as verdades que ele nunca quis assumir.

Não tinha coragem para sair do armário, então acabara por arrumar uma namorada de fachada, que acreditava ser sua namorada de verdade. E com o tempo, passara a gostar de verdade da garota, mas ainda assim sua paixão por Anderson era algo que não sabia como explicar. Foi quando em alguns dias, recebeu a ligação do namorado terminando, e acabaram por aí. Não foi muito difícil superar, mas depois de ouvir tantas verdades avassaladoras, era um pouco difícil querer bancar o coração de ferro.

Deixa de errar

Pra esse amor não quero me entregar

Quem sabe o seu dia vai chegar

Porque a vida sem você faz mais sentido

Deixa de tentar

É perigoso, tentar se arriscar

Com toda a sua força para lutar

Era melhor ficar só comigo

Ele repetiu aquele verso mais algumas vezes, e aquilo parou de ser uma verdade dolorosa e voltou a se tornar um som incômodo. Sentia que sangue estava para sair de seus ouvidos.

Ele repetia aquele verso um monte de vezes, estava ficando agonizante e hipnótico. Foi quando, com o rosto cheio de lágrimas, foi até a janela de novo.

— TÁ BOM TÁ BOM ME DESCULPA! — gritou, com a voz rouca. — Eu faço o que você quiser, Andy, mas pelo amor de Deus, para com isso! — ele dizia entre soluços por causa do choro. — Me desculpa… Me desculpa… Me desculpa! — ele gritou algumas vezes, e Anderson sorriu.

Fez um sinal para o homem que cuidava do instrumental. Ele foi diminuindo o volume, até este ficar mínimo e sumir.

— Desculpas aceitas.

Ivan suspirou, secando as lágrimas. Apoiou-se sobre os braços, passando a língua pelo piercing no beiço.

— Quer voltar…? — sorriu dengoso, curvando as sobrancelhas.

Anderson olhou para a parte de frente da picape, e sorriu.

— Nah.

Ivan arqueou as sobrancelhas, e viu Anderson se sentar novamente na carga da picape, que deu partida novamente, e sumiu no horizonte.

Mais tarde, naquele mesmo dia.

Anderson sorriu, sentado na bancada do bar, e levantou o olhar para Matias, que preparava algumas bebidas para um grupo de jovens que havia pedido.

— Está satisfeito?

— Super. — Anderson respondeu, balançando os ombros. — Nunca tive maior sensação de dever cumprido.

Matias sorriu, e terminou de entregar os pedidos, se debruçando levemente sobre a bancada.

— Tem algo pra fazer hoje?

— Não, eu ia passar o dia grudado na Netflix assistindo filme. — meneou a cabeça, crispando os lábios.

— Se importaria de passar o dia grudado na Netflix assistindo filme com mais alguém por perto? — sorriu com o canto da boca.

Num riso abafado, Anderson encolheu os ombros.

— De forma alguma.

Matias suspirou, e lambeu os lábios. Seu expediente estava para acabar. Se inclinou um pouco mais sobre a bancada, chegando mais perto de Anderson, que soltou o ar pelo nariz, e o olhou nos olhos castanhos, claros e intensos.

Não esperou que o bartender desse o passo importante, e projetou seu corpo para frente, para assim então levar sua boca junta da de Matias, sentindo seus lábios provarem do gosto dos do amigo, já envolvendo mais profundamente o beijo, levando sua língua para dentro da boca dele.

Ficaram bons segundos daquele jeito, sem se importar com as reações alheias. Trocaram um olhar cúmplice ao fim do beijo, e já saindo de seu expediente, segurou a mão de Anderson, para passar o resto do dia na casa dele, grudado na Netflix assistindo a filmes, e porque não passar a noite por lá.

Nunca fora muito fã de namoros de fachada, ou armários escuros e trancados com cadeados enormes.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, e a quem se sentiu ofendido, não posso fazer nada.
E se eu acabar parando no mural dos vasilões porque alguém se ofendeu, paciência né.